Crescimento económico e “outros efeitos”, não explicados, é como o Governo conta reduzir o défice orçamental no Orçamento do Estado para 2019, um documento no qual o Conselho das Finanças Públicas encontra vários riscos ao cumprimento das metas, desde as previsões para as receitas com IVA e contribuições sociais, à redução do ritmo de crescimento da despesa. A instituição diz ainda que falta transparência, no Orçamento e nas respostas (ou falta delas) do Ministério das Finanças, e que as metas europeias não devem ser cumpridas.

Os orçamentos de 2017 e 2018 deixaram uma herança pesada para 2019. As medidas tomadas nesses anos — tais como o descongelamento da progressão na carreira dos funcionários públicos e a redução do IRS com a criação de novos escalões — ainda vão custar ao orçamento do próximo ano 981 milhões de euros, um valor que tem de ser compensado pelo Governo em 2019 para que o défice possa ficar-se pelos 0,2% do PIB programados.

De acordo com o parecer do Conselho das Finanças Públicas à proposta de Orçamento do Estado para 2019, a estes 981 milhões de euros que aumentariam o défice caso o Governo não tomasse qualquer medida, juntam-se outros 81 milhões de euros, que será o custo líquido das novas medidas.

Para compensar este agravamento do défice, o Governo está a contar maioritariamente com o crescimento da economia e com “outros efeitos”, não explicados na proposta de orçamento, para que isso venha a acontecer.

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Para chegar a um défice de 385 milhões de euros, ou 0,2% do PIB, o Governo conta que o crescimento económico e estes “outros efeitos” valham uma redução do défice de 1.602 milhões de euros. A outra parcela vem dos ganhos financeiros, onde estão incluídas receitas adicionais com dividendos que o Governo espera que a Caixa Geral de Depósitos pague no próximo ano, um aumento dos dividendos pagos pelo Banco de Portugal, um aumento das vendas e ainda fundos estruturais oriundos do Portugal 2020.

A concretização está assim muito dependente de que a conjuntura evolua da forma que o Governo espera — previsões que o Conselho das Finanças Públicas já tinha colocado reservas, especialmente no que ao investimento diz respeito —, mas também de um conjunto mais detalhado de receitas e despesas em que a instituição liderada por Teodora Cardoso vê riscos.

Entre esses riscos está a concretização do aumento da receita com IVA (os impostos indiretos são os que mais contribuem para o aumento total da receita) que se prevê que venha a ser superior ao aumento do consumo, mas também do crescimento das receitas com contribuições sociais que o Governo espera que seja superior ao crescimento das remunerações.

O Conselho das Finanças Públicas alerta ainda para riscos à concretização da previsão de um crescimento mais lento da despesa pública face ao ano passado, que passaria de 4,4% para 2,8%, que está em parte dependente de uma redução dos apoios ao setor financeiro — leia-se, de pagar cerca de metade para recapitalizar o Novo Banco do que pagou em 2018 —, mas a instituição assinala que existe “o risco de essa redução poder não vir a concretizar-se”.

Mesmo que essas previsões se cumpram, as regras orçamentais não devem ser cumpridas. O ajustamento estrutural previsto para este ano — recalculado pelo Conselho das Finanças Públicas — aponta para que o défice estrutural caia 0,2 pontos percentuais, longe do ajustamento de 0,6% que Portugal tem de fazer, e dos 0,5% exigidos na lei portuguesa. Já no ano passado esse ajustamento se ficou pelos 0,1%, o que determina uma violação das regras, tal como a evolução prevista para a despesa, que deve crescer mais do dobro do limite estabelecido.

Esta violação até pode levar a Comissão Europeia a tomar medidas, mas isso só poderá acontecer em maio de 2020, explica o Conselho das Finanças Públicas, já que uma avaliação de um efetivo desvio, especialmente em dois anos consecutivos, tem de ser feita com números finais do ano, e esses só são publicados no final de abril pelo Eurostat.

Falta transparência, no Orçamento e no Ministério das Finanças

A herança de 2017 e 2018 para o orçamento de 2019 é pesada, mas o orçamento de 2019 também vai deixar a sua própria herança para o próximo Governo, em especial medidas como o aumento extraordinário de pensões e outras medidas como a prestação social para a inclusão.

“Uma parte das medidas que se propõe serem adotadas em 2019 terão também efeitos significativos em 2020, dado a sua aplicação se estender para além do horizonte de vigência deste Orçamento do Estado, implicando um aumento permanente do nível da despesa”, avisa o Conselho das Finanças Públicas.

No entanto, o impacto só o Ministério das Finanças o sabe. “Não é possível avaliar o impacto completo nos anos subsequentes decorrente destas alterações, dada a indisponibilidade de dados para o efeito”, alerta a instituição.

Mas não é só aqui que falta transparência. Segundo o Conselho das Finanças Públicas, a elaboração do parecer “continua a ser prejudicada por insuficiências de transparência orçamental nos documentos que acompanham a proposta de orçamento bem como dificuldades na obtenção de informação relevante adicional junto do Ministério das Finanças de uma forma completa e tempestiva”.

A esse respeito, o Conselho diz que fez várias questões adicionais ao Ministério das Finanças que ficaram sem resposta, nomeadamente em relação “à natureza e quantificação de algumas medidas de política”.

Esta questão tem surgido orçamento após orçamento, especialmente no que diz respeito a medidas de redução de despesa que não são especificadas, mas também de receitas e despesas associadas à aplicação de fundos estruturais, e às poupanças com juros que decorrem de novas medidas.

A questão dos juros é especialmente relevante já que, segundo o Conselho, esta tem sido a principal forma de reduzir o défice estrutural desde 2016. Dos 1,3 pontos percentuais de redução do défice estrutural, 0,9 pontos percentuais são resultantes da poupança com juros.

Ano após ano esta redução tem sido inscrita como medida de política, mas apenas uma parte pode ser imputada a decisões tomadas pelo Ministério das Finanças, tais como o reembolso antecipado do empréstimo do Fundo Monetário Internacional. No entanto, essa discriminação não é feita, não sendo possível perceber qual é o efeito de conjuntura e qual é o impacto, efetivo, do que são decisões tomadas pelo Governo.

Outra questão é a dos 590 milhões de euros que estão nos mapas da lei, mas que o Governo já não conta que sejam utilizados, uma questão identificada pela UTAO e que muita celeuma gerou com o Governo e os partidos no Parlamento.

O Conselho das Finanças Públicas reconhece a existência desta diferença e lembra que o mesmo valor já foi contabilizado em 2018, e que isto sugere “a expetativa de não utilização de uma parte dessas dotações orçamentais”, mas nem as dotações orçamentais estão identificadas, nem o valor das cativações que resultam da aplicação da lei o estão em nenhum dos documentos enviados à Assembleia da República.