A Proteção Civil confirmou a existência de dois mortos no abatimento do troço da Estrada Nacional (EN) 255, que liga Borba a Vila Viçosa, que ocorreu durante a tarde desta segunda-feira. As duas vítimas mortais trabalhavam na empresa que explorava o local e foram arrastadas para dentro da pedreira por um “deslizamento de massa”, com “um grande volume de terra” e “uma quantidade significativa de blocos de mármore”, revelou José Ribeiro, comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Évora, na conferência de imprensa realizada ao início da noite.
José Ribeiro confirmou que há pelo menos quatro pessoas desaparecidas e que duas viaturas foram arrastadas. O responsável descreveu a operação de socorro como “extremamente complexa, morosa”, que “exige muita paciência e ponderação”. “É um desafio tremendo em termos de operações de resgate”, disse, admitindo que os trabalhos podem demorar vários dias “e provavelmente semanas”: “Ainda não há prazos para o término das operações”.
Fonte do INEM indicou que foi avistada “a retroescavadora com o corpo de uma das vítimas”, mas não confirmou o estado desta pessoa, por “dificuldade de acesso”. A mesma fonte realçou que, além de fazer cair um “veículo ligeiro e uma carrinha de caixa aberta”, a terra com a água da pedreira provocou também o “deslocamento de uma retroescavadora com o maquinista e auxiliar”.
Durante esta noite, avançou José Ribeiro, serão “desencadeadas um conjunto de operações para fazer o resgate das duas vítimas”. Para esta segunda-feira, está prevista “uma avaliação técnica” e “criteriosa” sobre o que poderá ter causado este aluimento.
O secretário de Estado da Proteção Civil assegurou que “estão mobilizados todos os meios necessários para resgatar as vítimas com toda a segurança” e também referiu que se trata de uma “operação complexa”. “Tratou-se de um arrastamento de uma grande massa de solos com mistura de pedras, que resvalou sobre um poço com cerca de 200 mil metros cúbicos de água, cheios de rochas, e onde supostamente poderão estar também vítimas”, informou ainda José Artur Neves.
Sobre as possíveis causas, o secretário de Estado afirmou que “este não deve ser o momento para estar a avaliar”. “Estamos numa operação de proteção e socorro”, acrescentou. “As causas naturalmente serão investigadas, averiguadas”, disse.
Mau estado da estrada já era conhecido. Presidente da Câmara diz estar de “consciência tranquila”
António Anselmo, presidente da Câmara Municipal de Borba, afirmou estar de “consciência tranquila” em relação ao abatimento da estrada nacional. Segundo uma notícia da rádio regional Campanário, o mau estado do troço já era do conhecimento da autarquia. “As coisas estavam encaminhadas no sentido de ser seguro. Se são seguras ou não, voltamos ao mesmo”, disse, acrescentando que a câmara não sabia de “nada de concreto”. “Se a autarquia tiver alguma responsabilidade, quem a tem sou eu. O que temos em termos legais de conhecimento é que a situação estava perfeitamente segura. Se me perguntarem bem ou mal, mais não poderei dizer.”
“O que lamento é a morte das pessoas. Neste momento o que interessa é resgatar”, concluiu o presidente da câmara. António Anselmo já tinha recusado, antes da conferência de imprensa, a ideia de que o incidente fosse uma “tragédia anunciada”. “Nunca na vida. É uma tragédia. É um acidente”, disse à Agência Lusa.
Há quatro anos, a rádio Campanário noticiou que estava a ser equacionada a extinção do troço entre Vila Viçosa e Borba por motivos de segurança. Em causa estava o perigo de “fraturação existente no anticlinal desta zona da estrada”, explicou na altura o administrador da empresa Marmetal, Luís Sotto Mayor.
De acordo com Sotto Mayor, a estrada era “municipal” mas questionado pela Campanário António Anselmo afastou responsabilidades: “A câmara não tem que fazer obras na estrada, se existir algum relatório que prove que a estrada é insegura, a única coisa que se pode fazer é limitar o trânsito, é um processo que estamos a avaliar com muita atenção e muita calma”. Segundo o presidente da câmara António Anselmo, já teriam sido feitos vários estudos, nomeadamente pelo Instituto Superior Técnico e a Universidade de Évora, sem porém esclarecer a que conclusão estes teriam chegado.
Em 2006, um estudo feito por investigadores do Instituto Superior Técnico, designado de Alguns indicadores geológicos e ambientais indispensáveis ao reordenamento da actividade extractiva: o caso do Anticlinal de Estremoz, indicava já que existiam vários níveis de fraturação no local. A zona da EN255, referem os investigadores, era constituída por uma zona considerada “muito fraturada”. E essa fraturação, conjugada com fatores como a Litologia e Estutura Geológica, tornavam esta zona de “alto risco”, ou seja, “apresentam características que não permitem um rendimento e exploração adequada do recurso”, dizia o estudo. E acrescentava: “Assim, caso existam pedreiras inactivas nestas áreas dever-se-á estudar a hipótese de as recuperar, elaborando para tal um plano de requalificação ambiental.”
[Na imagem abaixo pode ver duas figura que indicam que a zona de Borba (assinalada a vermelho) era uma zona muito fraturada e de alto risco]
A manutenção da antiga Estrada Nacional 255 foi entregue pela então Estradas de Portugal aos municípios de Borba e Villa Viçosa no quadro de um protocolo assinado em 2005. A informação foi avançada ao Observador por fonte oficial da Infraestruturas de Portugal (IP), que absorveu a Estradas de Portugal. O protocolo para a transferência da estrada para a esfera municipal teve como contrapartida a construção de uma variante a esta antiga estrada nacional. Pela informação disponível, o aluimento terá ocorrido num troço localizado no concelho de Borba.
Ouvido em 2014 pela Campanário, João Filipe de Jesus, então Diretor Regional de Economia, revelou que o Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia (LNEG) estava a preparar um relatório sobre a estrada. O Observador soube que este estudo, feito a pedido de uma das pedreiras da região, avaliou a estabilidade de um talude e concluiu que não havia risco iminente de derrocada. Foram, no entanto equacionadas obras, como o próprio João Filipe de Jesus confirmou então à rádio local.
O Observador desconhece se esta intervenção chegou ou não a ser realizada. A Direção Regional de Economia (DRE), organismo que era responsável pelo licenciamento das minas e que acompanhou o processo desde o início, foi entretanto extinto. As funções que desempenhava passaram para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que na última remodelação salto do Ministério da Economia para o Ministério do Ambiente.
Vera Calado, uma habitante de Borba, confirmou à SIC Notícias que o mau estado da estrada já era conhecido: “Esta situação não é de agora. Havia notícias de que a estrada ia ser encerrada por haver já indícios de que podia ruir a qualquer momento. Isso já se sabia há algum tempo, há mais de seis meses. Desde então que deixei de passar nessa estrada”, afirmou a moradora.
Vera Calado seguia num carro com uma colega quando a estrada começou a cair. À frente dela ia outro automóvel com pessoas conhecidas da testemunha: “Elas fizeram-nos sinais de luzes porque o senhor se tinha apercebido que a estrada tinha caído e mandou parar tudo. Caíram alguns carros à nossa frente. Tentei ver o que tinha acontecido mas não me aproximei porque a estrada ainda estava a ruir”, descreveu ao canal de televisão.
Há 84 operacionais e 34 veículos no local. Instabilidade dos terrenos dificulta buscas
De acordo com o comandante do CDOS de Évora, encontram-se no local 84 operacionais apoiados por 34 veículos. Segundo o que o Observador apurou, a instabilidade dos terrenos no local está a atrasar e a dificultar as buscas. A isto acresce a inexistência de iluminação, motivos que estão a impedir os operacionais de descer ao local onde estão as vítimas. A instabilidade dos terrenos e a escuridão não permitem que os operacionais desçam em segurança.
A Força Especial de Bombeiros confirmou no Facebook que há uma brigada de salvamento aquático no local onde uma estrada desabou.
Manuel Condenado, presidente da Câmara de Vila Viçosa, disse que tentou chegar junto ao local do aluimento mas sem sucesso: “Estava a tentar chegar ao local, mas o agente da GNR não me deixou aproximar-me. Já falei com o meu colega de Borba para tentar perceber o que tinha acontecido. As informações ainda são escassas. O meu colega referiu que houve uma derrocada numa parte de uma estrada junto a uma pedreira que está parada, está desativada”, afirmou ele à RTP3.
Segundo um morador de Borba, que trabalhou durante dez anos no local, o cenário para as operações de resgate é “muito difícil”, tendo em conta a falta de iluminação. Em declarações à TVI24, o trabalhador disse ainda que retirar a água da pedreira “poderá demorar dias”, devido à grande extensão do local. “Há dezenas de anos que se falava na pedreira”, referiu, sublinhando que se tratavam de pedreiras muito profundas.
Já há vídeos do local onde se deu o abatimento:
O vídeo aqui em baixo mostra como era a região onde ficava a estrada que desabou:
(em atualização)