Quando, a 17 de setembro, Juan Sanchez (nome fictício) soube que tinha sido selecionado para ficar com um contrato do primeiro Concurso Estímulo ao Emprego Científico, achou que iria resolver a situação profissional e continuar a trabalhar em Portugal. Mas essa esperança vai esmorecendo. Se em janeiro ainda não houver um contrato para assinar, pode ter de voltar a Espanha. Pendurados, à espera de poder assinar um contrato, estão também os outros 499 investigadores selecionados neste concurso e todos aqueles que reclamaram da avaliação por terem ficado fora da seleção.

Há cerca de um ano que Juan Sanchez (que preferiu não ser identificado para não ser prejudicado) vai fazendo uns trabalhos para a universidade com a qual espera vir a assinar contrato pelo período de seis anos. A (quase) certeza de que teria um contrato de Estímulo ao Emprego Científico já o fez recusar outras duas oportunidades fora de Portugal, porque queria muito desenvolver o projeto com que se candidatou.

“Já não tenho segurança depois desta situação”, diz ao Observador, em relação ao facto de estar à espera há dois meses sem perspetiva de quando pode assinar contrato. “Se conseguir outra coisa, é provável que tenha que renunciar ao CEEC ainda que não queira”, lamenta. “Consegui uma boa posição, o projeto foi muito bem avaliado e quero continuar com esta ideia, mas há contas para pagar.” O investigador sabe que, entre os colegas que também estão à espera de assinar contrato, muitos não têm qualquer tipo de vencimento há vários meses.

FCT selecionou 500 investigadores para contratos de trabalho. 3.600 candidatos ficam de fora

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O Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual 2017 foi aberto pela Fundação para a Ciência a Tecnologia (FCT) já em 2018 e terminou a 16 de fevereiro. Os investigadores esperavam conhecer os resultados no final de julho, mas a FCT acabou por só divulgá-los sete meses depois de fechado o período de candidaturas. Em setembro, foram, assim, tornados públicos os nomes dos 500 investigadores selecionados e dos 3.600 que ficaram sem contratos, com o afastamento polémico de cientistas premiados, como Maria Manuel Mota. Logo aí, abriu-se o período de audiência prévia: 10 dias úteis durante os quais os candidatos puderam reclamar da avaliação que receberam. Desde então, estão todos à espera da resposta: os que reclamaram e os que, tendo ficado colocados, continuam sem qualquer certeza. Já passaram dois meses e, em resposta ao Observador e a vários investigadores, a FCT diz que as listas finais — que incluem os resultados da audiência prévia — podem demorar ainda mais quatro (num total de 6 meses de espera, contados desde o fim dos 10 dias úteis).

Depois da audiência prévia e das novas avaliações serem integradas na lista divulgada em setembro, alguns dos investigadores que tinham ficado perto da linha de corte podem ser eliminados para dar lugar a outros que ficaram com melhor resultado depois da reavaliação. Juan Sanchez não acredita que seja esse o seu caso, porque está bem colocado na lista. Mas, como ele, há outras pessoas em risco de desistirem, porque não podem ficar mais tempo sem receber ordenado. As desistências não serão preenchidas com outros candidatos, o que que quer dizer que, no final do processo, pode haver menos de 500 contratos assinados. Contradizendo os anúncios que o ministro da Ciência tem feito e o que o próprio portal Mais Ciência divulgou.

E esta é uma questão que deixa os investigadores indignados. A lista de resultados tinha sido divulgada no site da FCT, mas, recentemente, o nome, instituição e posição de cada um dos investigadores foi divulgada no portal Mais Ciência, onde o Ministério da Ciência promove o que tem feito pela Ciência no presente mandato. O problema é que os investigadores foram induzidos em erro, pensando que se tratava da lista definitiva — e não era.

Concurso FCT. Avaliações contraditórias, projetos trocados e grupos de investigação que podem ter de acabar

Assim que seja divulgada a lista definitiva, a FCT assina um contrato com as instituições de acolhimento. Só depois disso as instituições assinam contrato com os investigadores e tem até 90 dias para o fazer. Feitas as contas, o receio de muitos investigadores é que não tenham um contrato assinado antes de junho.

Afinal quanto tempo pode a FCT demorar a dar resposta?

Questionada sobre quando poderão os investigadores conhecer a lista final da avaliação, a FCT respondeu que “os pedidos apresentados em sede de audiência prévia estão a ser analisados e os resultados finais serão divulgados logo que essa análise esteja concluída“. A agência responsável pelo financiamento da Ciência em Portugal respondeu ainda que: “O limite legal do processo, definido pelo Código do Procedimento Administrativo [CPA], é de 90 dias após a divulgação dos primeiros resultados, prazo esse que pode ser estendido por mais 90 dias em processos particularmente complexos”. A única garantia é que “o processo estará concluído antes disso”.

Cecília Anacoreta Correia, professora na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não encontrou referência a estes prazos no CPA, pelo menos não de forma a que sejam aplicáveis neste caso. Os 90 mais 90 dias aplicam-se no caso de iniciativa particular e, neste caso, é a FCT que abre concurso, não o candidato que inicia o processo. A advogada da Abreu Advogados também não conseguiu encontrar outros prazos que pudessem fazer sentido neste caso, o que a levou a concluir que “verdadeiramente, a FCT não tem um prazo fixo de decisão”.

O que a entidade tem é o “dever geral de celeridade”, referiu Cecília Anacoreta Correia. E isto significa que os candidatos não devem ter de esperar para lá de um “prazo razoável”. O prazo razoável tem de ser decidido consoante o caso. Para o período de audiência prévia, considerando que não é uma avaliação de raiz (apenas uma reavaliação dos pontos apresentados pelos candidatos) e que há menos candidatos para avaliar, nunca poderia exceder o tempo que levou a fazer a primeira avaliação. Ora, a primeira avaliação levou sete meses. Se este levar até seis meses, ainda encaixa dentro deste período.

FCT não tem prazo para apresentar a reavaliação da candidatura dos projetos de investigação

Há outro concurso da FCT que continua à espera dos resultados da audiência prévia: os projetos de 2017 para a investigação em ciência, desenvolvimento e tecnologia em todos os domínios científicos. Quando, em outubro, o Observador questionou a agência sobre os prazos de conclusão da reavaliação dos projetos, a FCT referiu que “os prazos para a tomada da decisão são suspensos quando são solicitados pareceres a peritos externos independentes”.

Agora, a advogada Cecília Anacoreta Correia disse que “o regulamento não prevê a solicitação de pareceres externos nesta fase de apreciação da audiência prévia”, porque a FCT vai recorrer aos mesmos painéis que fizeram as avaliações iniciais, logo a painéis são parte integrante do processo e não podem ser considerados pareceres externos. “Logo, neste tipo de procedimento não se verifica esta causa de suspensão“, concluiu a advogada.

Mais uma vez a advogada referiu o princípio geral da celeridade, mas mais uma vez disse ao Observador que não encontrou datas específicas para isso. Neste concurso, ao contrário da contratação dos investigadores, a FCT não vai esperar pelos resultados da audiência prévia para começar a atribuir os financiamentos às instituições. E já começou a fazê-lo. Depois de conhecidos os resultados da reavaliação, os projetos que ficarem acima da linha de corte também serão financiados.