A Fórmula E (FE) é o parente eléctrico da F1, assumindo-se como uma alternativa mais amiga do ambiente da categoria rainha do desporto automóvel e, quem sabe, sua substituta a prazo. Contudo, esta não vai ser uma tarefa fácil pois, mesmo na versão 2018/2019, em que a FE estreia carros mais potentes, com outra aerodinâmica e maior bateria, para evitar a troca a meio da corrida, os fórmulas eléctricos ainda estão a anos-luz dos seus congéneres da F1.
Basta pensar que os FE este ano têm 340 cv (em qualificação, pois em corrida estão limitados a 272 cv), ambicionam atingir 280 km/h (se bem que algumas equipas estimem poder rondar 300 km/h) e ultrapassar 100 km/h ao fim de somente 2,8 segundos. Isto enquanto os F1 accionados por um pequeno motor 1.6 turbo a gasolina e um motor eléctrico de 160 cv (possuem mais um, mas este serve apenas para gerar energia o que lhe permite usufruir de cerca de 1.000 cv), elevam a fasquia para 375 km/h e 0-100 km/h em 1,7 segundos.
Os FE são eléctricos, mas como carregam?
Como acontece com os restantes veículos, os FE vêem os motores eléctricos ser alimentados por baterias, pelo que emitem rigorosamente zero no local onde são utilizados. Mas convenhamos que no caso destes veículos de competição, integrados num campeonato regido pela Federação Internacional do Automóvel (FIA), a situação é ligeiramente distinta.
As corridas dos FE são disputadas em circuitos citadinos, com a desculpa oficial a passar “pela maior proximidade em relação ao público”, mas com a realidade a ter mais a ver com a dificuldade que este tipo de veículos tem em lidar (sem a autonomia cair drasticamente) com as longas rectas e curvas muito rápidas dos circuitos convencionais. À semelhança dos restantes veículos eléctricos, também estes fórmulas gostam de travagens sistemáticas e acelerações curtas, as primeiras para regenerar energia e as segundas para não abusarem do consumo, sobretudo por serem “curtas”. Sucede que a organização deste tipo de provas concluiu que não era viável abastecer as baterias dos 22 carros, mais as suplentes e todos os sistemas eléctricos das 11 equipas, com a rede das cidades que lhe servem de palco, uma vez que o pico de procura de energia provocaria um apagão geral. Vai daí, têm de contratar os seus próprios geradores para, junto ao circuito, produzirem a electricidade de que necessitam. Que é muita.
Os FE poluem mais do que os F1?
Nem por isso, uma vez que, a acontecer, isto seria a competição “amiga do ambiente” mais idiota do mundo. É um facto que, para cada sessão de treinos ou fim-de-semana de corridas, a organização da FE desloca para cada evento sete enormes geradores de electricidade que tradicionalmente consomem gasóleo. E, se queimassem mesmo diesel, facilmente os 22 carros presentes numa prova de FE com 90 km poluiriam mais do que os 20 que disputam uma corrida de F1, com mais de 300 km.
Os motores modernos 1.6 V6 de F1, se bem que não possuam filtros de partículas ou catalisadores, consomem apenas cerca de 45 litros/100 km, longe pois dos anos dos 75 litros que caracterizavam os anteriores 2.4 V8 turbo. Se os sete geradores a gasóleo consumissem isso mesmo, gasóleo, como têm de trabalhar praticamente 24 horas por dia durante todo o fim-de-semana (ainda que não necessariamente os sete fora das corridas) acabariam por poluir muito mais, não só em termos absolutos, como sobretudo nos poluentes que são específicos dos diesel, das partículas de maiores dimensões ao NOx.
Para evitar esta situação, a organização da FE recorre a geradores diesel a funcionar com um líquido viscoso à base de glicerol, também conhecido por glicerina, essencialmente produzido a partir de gordura vegetal, que pode ser fabricado a partir de um derivado do biodiesel. Quem fornece o glicerol é a empresa britânica Aquafuel, que desenvolveu uma tecnologia para o poder queimar sem problemas nos motores a gasóleo dos geradores industriais, basicamente retirando os 5% de sais que o glicerol contem e que danificam o interior dos motores que o queimam.
Então afinal os FE poluem ou não?
A resposta é não, excepto durante 5 minutos. O combustível utilizado pelo sete geradores, o tal glicerol, é um líquido conhecido e utilizado pela maioria da população e que até se pode beber, como se pode ver neste vídeo com a equipa do espanhol Alejandro Agag, o organizador.
O glicerol, ou glicerina, é utilizado sobretudo como aditivo em sabonetes e cremes corporais, tornando-os mais suaves, surgindo igualmente em xaropes, dentífricos e até como conservante de sangue nos bancos. Sendo um produto natural e biodegradável, a sua queima não emite CO2, mas apenas muito pequenas quantidades de NOx e de partículas, o que leva o produto da queima a ser invisível.
Mas o facto de ser viscoso, leva a alguns cuidados para manter o motor diesel do gerador em bom estado, pelo que uma vez por dia, especialmente antes de ser desligado, é necessário que se substitua o glicerol por gasóleo e se ponha o gerador a funcionar durante cerca de 5 minutos. Precisamente o período durante o qual os FE não são tão amigos do ambiente quanto deveriam, pois a energia com que se carregam as suas baterias emite bastante NOx e fumos negros. Felizmente, só durante 5 minutos.
Durante os recentes testes em Valência, antes do início da próxima época da FE, tivemos a oportunidade de falar com os responsáveis pela produção de energia. O fornecedor de geradores contratado foi a inglesa Aggreko, uma das principais do sector, apesar de ter estar estado envolvida em negócios controversos no Zimbabué e no Malawi. Eram evidentes algumas manchas de fumo preto junto às chaminés dos geradores, provavelmente fruto dos tais cinco minutos a funcionar a gasóleo, mas os sete geradores não emitiam fumo enquanto funcionavam, isto apesar de estarem ligados a uns depósitos poucos tranquilizantes onde se podia ler: “3000 liters Diesel”. Contudo, estavam igualmente ligados a outros depósitos de glicerol, que os alimentavam em condições normais.
Em cada circuito que visita, a organização tem de criar a sua própria rede eléctrica, gerando a electricidade que depois distribui pelas 11 boxes, onde se instalam a 11 equipas, cada uma delas com dois carros e outros tantos pilotos. Para se ter uma ideia da potência envolvida, estavam a funcionar em permanência sete geradores com uma potência de 500 KVA cada, ou seja 400 kW. São 2.800 kW, em que uma boa parte é utilizada para recarregar as 22 baterias, cada uma com 54 kWh de capacidade, que equipam os fórmulas que vão animar a próxima época da FE.