Numa entrevista que assinala os três anos do governo, o primeiro-ministro parece querer arrumar o assunto de um futuro executivo onde entre o Bloco e o PCP. Costa lembra que o nível de divergência ainda é significativo e prefere garantir uma repetição da geringonça na próxima legislatura. Repete, por isso, que está disponível para repetir os acordos com os parceiros de esquerda, mesmo com maioria absoluta. Em entrevista à agência Lusa, António Costa disse que quer “dar continuidade a uma formação política que surpreendeu muita gente há três anos, mas que hoje já entrou na normalidade do quotidiano de todos“. O primeiro-ministro diz ainda que mesmo que tenha maioria absoluta vai insistir nesta solução, pois não faz “depender da existência de maioria ou ausência de maioria a manutenção destas posições conjuntas com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda“.
Sobre o facto de o Bloco de Esquerda poder vir a integrar o Governo, António Costa diz à Lusa que “as relações entre os partidos são como as relações entre as pessoas“, e aproveita para responder às reivindicações do BE com uma “boa frase” do PCP: “O grau de compromisso depende do grau de convergência. Se nós estivéssemos 100% de acordo, bom, provavelmente até fundíamos os partidos. Se temos partidos diferentes é porque não estamos 100% de acordo. Se o nível de divergência for significativo, como é, eu creio que não seria o melhor caminho“. Afasta assim a possibilidade de uma eventual coligação à esquerda e acrescenta ainda que “é melhor uma boa amizade do que uma má relação”.
Costa tinha dito numa anterior entrevista que o grau de convergência com o Bloco de Esquerda dava para serem “amigos, mas não para casar”. Agora formula a mesma ideia com outras palavras, para deixar claro que um governo com os partidos à esquerda não é uma prioridade: “Acho que devemos preservar uma boa relação, sem prejuízo de que, como em todas as relações, possa haver evoluções. Agora, acho que não faz sentido começar a discussão se há ou não há um Governo conjunto antes de se saber sequer se há ou não há uma posição conjunta”. Ou seja: primeiro uma geringoça 2.0 — que nem essa está garantida.
Sobre o ataque que o Bloco lançou a uma maioria absoluta do PS, que foi notório na Convenção dos bloquistas, António Costa diz ter “pena que Catarina Martins” tenha caracterizado a história desta legislatura como a história da “luta da esquerda contra o PS e que saia da Convenção estabelecendo como principal objetivo enfraquecer o resultado eleitoral do PS“. Costa acrescenta que o PS se vai apresentar em eleições “não concorrendo contra ninguém, mas apresentando aquilo que considera melhor para Portugal e para os portugueses.” O primeiro-ministro diz ter esperança de que Bloco de Esquerda, PCP e PEV “não vivam obcecados com os resultados eleitorais do PS”.
Quanto aos temas que podem unir uma segunda versão da geringonça, Costa destaca que “há muito emprego ainda a criar, o país ainda tem muitas desigualdades para combater, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda precisa de muitas melhorias e o sistema educativo precisa ainda de muitas melhorias”.
Divergência bancada-Governo sobre Touradas. “PS é um partido de liberdade”
O primeiro-ministro admitiu na entrevista à Lusa a divergência no PS sobre o IVA da tauromaquia, mas elogiou a pluralidade socialista: “O PS é um partido de liberdade, onde cada um pensa pela sua cabeça. E, portanto, ninguém deve ficar surpreendido pelo facto de numa questão concreta, e pela primeira vez, aliás, em três anos, ter havido uma divergência entre a bancada socialista e o Governo”.
Para António Costa a “questão” foi “inteligentemente resolvida pelo líder parlamentar, [Carlos César], porque em vez de se socorrer da disciplina de voto, obrigando todos os deputados a votarem a proposta da direção da bancada, entendeu dar liberdade para poderem votar na proposta do Governo. Espero que a proposta do Governo [de manter o IVA da tauromaquia nos 13%], que me parece boa, seja aprovada na Assembleia da República”.
Nesta entrevista à agência Lusa, a propósito da polémica decisão do Grupo Parlamentar do PS de contrariar o seu executivo ao apresentar uma proposta para reduzir o IVA das touradas de 13 para 6%, António Costa frisa ainda que o ponto sobre o bem-estar animal foi incluído no programa do atual Governo no final de 2015.
Questionado sobre se a realização de touradas é para o seu Governo uma questão de civilização — como disse a ministra da Cultura, Graça Fonseca — António Costa refere que, numa recente carta aberta que escreveu ao dirigente histórico socialista Manuel Alegre, procura explicar o sentido dessa frase. “Eu não acredito em guerras de civilizações. Acredito em diálogo de civilizações. As civilizações distinguem-se por diferentes elementos, mas também se distinguem pela forma como se encara o bem-estar animal. Por mero acaso, noutro dia reli o discurso que fiz na apresentação do Programa do Governo, há três anos, e dou, aliás, como exemplo de uma evolução civilizacional a nova forma como a sociedade valoriza o bem-estar animal”, acrescentou.
Costa lembrou que neste caso “ninguém propôs sequer aqui a proibição das touradas, ou sequer um referendo sobre o tema da proibição das touradas”, já que se está “simplesmente a discutir se às touradas deve ser aplicado um benefício fiscal que é introduzido neste Orçamento para a dança, para a música, para o teatro, para o circo, para um conjunto de manifestações culturais.” O primeiro-ministro defende que a melhor solução para as touradasé dar liberdade a cada um dos municípios para, como fez, por exemplo, o município de Viana do Castelo, num sentido, ou que fazem os municípios do Alentejo ou do Ribatejo, noutro sentido, cada um decidir se deve ou não deve permitir a realização de touradas no seu território”. E acrescentou: “Não defendo a homogeneização cultural. Defendo, sim, a pluralidade cultural, que é aquilo que é próprio de quem acredita num diálogo entre civilizações.”
Críticas a Passos e à esquizofrenia do PSD no Orçamento
António Costa não se quis alongar na forma de Rui Rio fazer oposição, dizendo que o presidente do PSD “tem feito a oposição que entende fazer”. Aproveitou foi para deixar críticas ao estilo do antecessor de Rio, Pedro Passos Coelho:
Não é normal na vida política acontecer o que acontecia com a anterior liderança do PSD, que era existir um grau de conflitualidade exacerbado que, objetivamente, era muito penalizador do funcionamento da democracia“.
Sobre o que sente quando ouve dizerem que Rui Rio tem um objetivo oculto de ser seu vice-primeiro-ministro, António Costa responde: “Eu ouvir, ouvi, mas não sei bem de onde é que vem essa ideia, visto que eu próprio já explicitei várias vezes que considero a existência de blocos centrais, salvo em situação de calamidade extrema, negativa para a democracia“. E acrescentou: “Da parte do doutor Rui Rio, por acaso, tenho ouvido exatamente o mesmo, que é entender que o Bloco Central é uma forma anómala em democracia de governação, salvo em situação extrema”.
Quanto à postura do PSD na discussão do Orçamento do Estado para 2019, o primeiro-ministro acusa o maior partido da oposição de “esquizofrenia” por dizer que o OE é despesista ao mesmo tempo que apresenta propostas para aumentar a despesa ou reduzir a receita. Para António Costa, o PSD tem um “discurso contraditório” que “simultaneamente, por um lado, diz que é um orçamento em que o défice deveria ser menor e que é uma verdadeira orgia orçamental, mas, depois, as únicas propostas que apresenta são propostas que ou diminuem a receita ou aumentam a despesa. Esta esquizofrenia é que não é possível.”
Nas bicadas ao PSD voltou a lembrar as teses da chegada do diabo: “Lembram-se que há três anos muitos diziam que era aritmeticamente impossível que isto funcionasse, no segundo ano disseram que esta política conduziria à vinda do diabo – e a verdade é que aritmeticamente foi possível. O diabo não chegou e, pelo contrário, temos, pela primeira vez desde o início do século, dois anos consecutivos de crescimento acima da média europeia, temos 341 mil novos postos de trabalho criados, temos 1000 milhões de euros a menos que os portugueses pagam em termos de IRS e vamos ter pelo segundo ano consecutivo o défice mais baixo da história da nossa democracia. Portanto, quando os resultados são bons, não acredito que alguém vá querer alterar uma política orçamental que tem dado bons resultados”.
Costa diz que “não é séria” coligação negativa para reconhecer tempo aos professores
Na mesma entrevista à Agência Lusa, o primeiro-ministro considerou que caso haja um acordo parlamentar envolvendo PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP e PEV para se contabilizar todo o tempo de serviço antes congelado aos professores, “esse entendimento não é sério“.
António Costa lembra que “PSD e CDS votaram, ano após ano, o congelamento da carreira dos professores, dizendo expressamente que esses anos de congelamento não contariam como anos de serviço, enquanto este Governo comprometeu-se a descongelar, e descongelou”. E acrescentou: “Já foram neste momento descongeladas as carreiras de 32 mil professores, até ao final deste mês mais 12 mil professores verão a sua carreira descongelada e no próximo ano serão mais 19 mil. Até 2020, não haverá nenhum professor que não tenha tido uma progressão na sua carreira.”
Quanto ao processo negocial com os sindicatos, o primeiro-ministro queixa-se que o seu Governo encontrou sempre “uma barreira inamovível” em torno da exigência dos nove anos, quatro meses e dois dias. “Perante a absoluta intransigência sindical, nós passámos a lei aquilo que era a nossa proposta de contabilizar dois anos, nove meses e 18 dias. Não é um número que tenha caído do ar, tem um critério”, justifica. O primeiro-ministro insiste que se fosse contabilizado todo o tempo de carreira antes congelado aos professores, essa medida custaria “600 milhões de euros não existem no Orçamento”. E atirou: “Nem vi ninguém até agora dizer onde é que cortamos para compensar esses 600 milhões de euros, ou onde é que vão buscar receita para pagar esses 600 milhões de euros. Portanto, propor é fácil. Agora, o que é preciso é resolver.”
Cedo para falar do futuro Santos Silva, Centeno e Marcelo (em quem acredita sempre)
António Costa não quis dizer se conta com Augusto Santos Silva e Mário Centeno para o próximo Governo ou se prefere que, pelo menos um dos dois, seja um futuro comissário europeu. Isto porque considera que seria “um desrespeito” estar a antecipar soluções governativas que dependem do voto dos portugueses:”A campanha eleitoral será no seu momento próprio. Temos ainda muito trabalho para fazer antes de estarmos em campanha eleitoral e antes de termos de aguardar pelo resultado eleitoral para tratar da composição do novo Governo”.
Em matérias europeias, o primeiro-ministro disse esperar que o acordo entre a União Europeia e o Reino Unido seja aprovado tanto no Conselho Europeu do próximo domingo, como naquele país, de forma a poder haver um ‘Brexit’ ordenado e não caótico.
Relativamente às próximas eleições europeias e à escolha do holandês Frans Timmermans como candidato da família socialista a ‘spitzenkandidat’ (candidato a presidente da Comissão Europeia), António Costa considera que foi “uma tarefa que correu bem”. O anúncio oficial da candidatura será feito no Congresso do Partido Socialista Europeu (PSE), que decorrerá em Lisboa, a 7 e 8 de dezembro.
O primeiro-ministro foi, segundo a Lusa, o escolhido pelos seus camaradas socialistas europeus para conduzir o processo de diálogo entre os diferentes partidos tendo em vista o apoio a uma candidatura única dos socialistas, dada a existência de vários possíveis concorrentes. “Foi para mim uma honra terem-me confiado essa tarefa”, diz Costa, quando questionado se teve de recorrer aos seus dotes de negociador hábil. “Foi possível encontrar um candidato que conseguiu unir os diferentes partidos socialistas e sociais-democratas da Europa em torno de uma figura” com experiência política nacional e como vice-presidente da Comissão Europeia e que “tem estado na linha da frente do combate pela defesa dos valores europeus, contra o populismo e as ameaças ao Estado de direito”, destaca.
Na mesma entrevista Costa não quis comentar uma eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, tendo afirmado que acredita sempre no Presidente da República: “Quando ele diz que não tem uma posição tomada, eu só posso acreditar que ele não tem uma decisão tomada”.
Relação com Angola deve manter “franqueza e transparência”
António Costa considera a visita do Presidente angolano a Portugal — que começa esta quinta-feira — “restabelece a normalidade de uma relação que é muito frutuosa de parte a parte e que tem de continuar e desejavelmente deve prosseguir sendo aprofundada.”
Quanto ao problema da regularização das dívidas, o primeiro-ministro admite que “é obviamente um processo complexo, muitas vezes moroso, mas que tem vindo a correr”, sendo importante que “a franqueza e a transparência se mantenham” entre as partes. Pela parte portuguesa, o processo é “pilotado” pela embaixada de Portugal em Angola.
“Muitas empresas têm visto já a sua situação regularizada, outras parcialmente regularizada, outras aguardam a regularização e outras aguardam ainda a certificação e o reconhecimento dos créditos que reclama”, diz António Costa, acrescentando que é um processo que está em curso e “felizmente, com bons sinais até agora”.