O cantor lírico Álvaro Malta, 87 anos, que contracenou em 1958, no Teatro Nacional de São Carlos, com Maria Callas, morreu este sábado em Lisboa, informou aquele teatro. Callas esteve em Lisboa em março de 1958, quando a sua carreira estava no auge, para protagonizar a ópera La Traviata, de Verdi, uma das que mais interpretou.

Nascido em 1931, Malta teve o primeiro contacto com a música aos seis anos, a tocar bandolim. Foi, no entanto, no Seminário dos Olivais, onde estudou música sacra e canto gregoriano, que teve o primeiro contacto com a ópera, com Cecília. Estudou canto lírico no Conservatório de Lisboa e no Coro do Teatro Nacional de São Carlos, que integrou aos 18 anos.

Iniciou carreira em dezembro de 1949, no Coro do Teatro São Carlos, ao mesmo tempo que tirava o curso de Medicina, que chegou a exercer na Maternidade Alfredo da Costa. Em junho de 1951, apresentou-se como solista, numa apresentação do Requiem, de Mozart, na Igreja de S. Domingos, em Lisboa.

Em novembro de 1952, estreou-se como cantor de ópera interpretando os papéis de “Oficial” e o de “Escrivão” em Inês Pereira, de Ruy Coelho. Foi no São Carlos que obteve enormes triunfos pessoais, nomeadamente quando, em 1966, substituiu à última hora o baixo Miroslav Cangalovic no “Mefistófeles” da ópera Fausto de Gounod, que depois cantaria no Théâtre de la Monnaie, em Bruxelas.

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O baixo que apanhou o leque da soprano

Em 1958, partilhou o palco com La Divina, numa produção do São Carlos com direção musical do maestro Franco Ghione. O elenco foi composto por Alfredo Kraus, Mario Seremi, Laura Zanini, Piero de Palma, Vito Susca, Alessandro Maddalena, e os portugueses Maria Cristina de Castro, Manuel Leitão e, claro, Álvaro Malta, no papel de “barão Douphoi”.

“A Callas que eu conheci era uma extraordinária cantora de ópera, tanto a nível vocal como interpretativo”, recordou o cantor lírico em 2007, em entrevista à Agência Lusa, lembrando que, “na altura, a Callas era considerada uma fera”. Dois meses antes da vinda a Lisboa, a soprano tinha causado escândalo ao abandonar, em Roma, uma récita de Norma no primeiro ato. Malta, contudo, recordava uma cantora com muito respeito pelos colegas.

[A estreia de Maria Callas em Lisboa foi filmada. Veja aqui algumas imagens:]

“No terceiro ato, ela entrava pelo meu braço, com um leque enorme e deixou-o cair. Eu tinha de cantar e não podia apanhá-lo e ninguém sabia o que fazer”, contou à Agência Lusa, recordando um momento de um ensaio de La Traviata. “Acabei por dizer a minha frase e depois baixei-me e apanhei o leque. Ela disse uma única palavra, e não foi ‘obrigada’, foi ‘scusa’ [desculpa]”. Em Lisboa, Callas mostrou sempre um enorme respeito pelos colegas portugueses. “Em palco, ela era a Traviata“, considerou ainda o cantor, que recordou ainda que houve flores a cair por todo o lado.

Álvaro Malta reformou-se em 1989, ao fim de uma longa carreira durante a qual protagonizou cerca de uma centena de papéis ao lado de grandes nomes, como Corelli, Gobbi, Christoff, Gedda, Kraus, Bumbry, Crespin, Gorr, Di Stefano.

O velório do cantor lírico realiza-se a partir das 21h deste sábado, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em Lisboa, e no domingo pelas 14h30 é celebrada a missa, seguindo-se o funeral no cemitério do Alto de São João, também em Lisboa.

Atualizado às 23h57 com o horário da missa de domingo