He Jiankui, investigador chinês que estudou nas universidades norte-americanas de Rice e Stanford e regressou à China no âmbito do programa de recrutamento The Thousand Talents Plan, garante que conseguiu fazer nascer os primeiros bebés com ADN modificado em laboratório. A reivindicação não foi ainda confirmada ou negada por nenhuma entidade independente e o resultado do estudo não foi ainda publicado em qualquer revista científica.

A história é contada pela agência de notícias Associated Press, que falou com o investigador (que detém um laboratório na Southern University of Science and Technology of China, na cidade de Shenzhen, e é dono de duas empresas de genética). A agência ouviu outros especialistas da área e consultou documentos do estudo cedidos pelo investigador chinês. Na equipa de investigação de He Jiankui esteve o professor norte-americano de física e bioengenharia Michael Deem, que trabalhou com o investigador chinês na universidade de Rice, em Houston, antes de Jiankui regressar à China.

Em muitos países, modificar os genes de embriões humanos é proibido, dado que estas alterações laboratoriais podem depois ser transmitidas a gerações futuras e arriscam pôr em perigo outros genes humanos. Não é o caso da China, onde nos últimos anos tem sido testada a utilização de uma ferramenta de alteração de genoma chamada CRISPR-cas9, em embriões e humanos por nascer. O que nunca tinha acontecido até aqui era um investigador alegar ter conseguido fazer nascer um bebé com genes modificados em laboratório.

A ferramenta de alteração genética em causa (CRISPR-cas9) permite, em teoria, acrescentar genes em falta ou limitar um gene de um embrião que se espere que venha a causar problemas. A modificação de genes é mais consensualmente aceite em adultos, como método de tratamento para doenças mortais, já que nesses casos a mudança genética é confinada à pessoa que é alvo da alteração. Quando se edita o ADN de esperma, óvulos ou embriões, essas alterações podem ter impacto posterior nos descedentes.

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Em 2015, uma equipa liderada por um outro investigador chinês, Junjiu Huang, tentou publicar uma investigação sobre modificação genética com embriões. Algumas revistas científicas reputadas como a Nature e a Science recusaram a sua publicação e o artigo foi então publicado na Protein & Cell.

“A alteração do património genético é proibida na União Europeia, assim como é proibido usar fundos europeus para fazer este tipo de investigação”, lembrava ao Observador, em 2015, Ana Sofia Carvalho, diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa.

O investigador chinês reivindica ter tentado alterar embriões para sete casais que realizavam à época tratamentos de fertilidade, tendo conseguido, segundo garante, uma gravidez bem sucedida. O objetivo de He Jiankui não seria “curar ou prevenir uma doença hereditária”, segundo refere a Associated Press, mas sim “tentar conferir um traço [genético] que poucas pessoas têm naturalmente — uma capacidade de resistir a futuras infeções com o vírus da sida, VIH”.

A identidade dos casais que estiveram sob teste e dos pais do casal de gémeas com ADN geneticamente modificado mantêm-se em segredo. A equipa liderada pelo investigador chinês tornou apenas público que todos os homens envolvidos no projeto estavam infetados com o vírus do VIH, ao contrário das mulheres. A operação, a ser bem sucedida, não o terá sido tanto por evitar que uma pessoa infetada com este vírus o transmita a descendentes — há já maneiras de o conseguir que não envolvem modificação de genes de embriões — mas sim permitir a casais em que pelo menos um elemento está infetado com o vírus do VIH ter um filho que esteja geneticamente protegido de um destino semelhante.

O investigador alega ter praticado a modificação genética em “ratos, macacos e embriões humanos durante muitos anos”, até aplicar os seus métodos aos pacientes. À Associated Press, He Jiankui afirmou que escolheu introduzir uma limitação ao gene CCR5, que permite a entrada do vírus nas células, para prevenir a futura infeção com o vírus do VIH dos embriões que viessem a nascer. O problema é que o gene CCR5 tem também efeitos benéficos na resistência a outras infeções, como a infeção com o vírus do Nilo ocidental e a infeção com um vírus da gripe com consequências potencialmente mais letais.

Deve-se modificar geneticamente embriões humanos?

O investigador chinês garante que em duas gémeas recém-nascidas, a alteração do gene CCR5 verificou-se até ver “sem prova de prejuízo para os outros genes”. A alteração terá tido impactos diferentes nos dois bebés: numa das gémeas, teve sucesso parcial, já que esta pode vir a ser infetada com o vírus do VIH futuramente embora com uma progressão mais lenta da doença; na outra, o sucesso terá sido completa, com garantias de que nunca virá a ser infetada.

Críticas a um projeto “inconsciente”

O sucesso do projeto de investigação, contudo, foi disputado por alguns especialistas ouvidos pela agência de notícias Associated Press. Confrontados com documentos e resultados cedidos pelo investigador chinês, “vários cientistas disseram que os testes feitos até agora são insuficientes para dizer que a modificação resultou ou que não terá efeitos prejudiciais”. Para cientistas como o especialista em genética e investigador da universidade de Harvard George Church e o especialista em modificação de genes da universidade da Pensilvânia (e editor de uma revista de genética) Kiran Musunuru os documentos sugerem que as duas crianças podem ainda vir a ser infetadas com VIH, porque “apenas algumas células terão sido alteradas.

Naquela criança, não havia nada a ganhar em termos de proteção contra o vírus do VIH [porque há outros métodos para o fazer que não passam pela genética] e ainda assim expuseram aquela criança a todos os riscos de segurança ainda por conhecer”.

Basicamente, o que os resultados (parciais) do projeto de modificação genética de embriões mostrarão é que “o principal ênfase [dos investigadores] esteve em testar a modificação de genes em vez de estar na tentativa de proteção [dos embriões e futuros bebés] face à doença”. Ainda que isso possa ser verdade, só o nascimento de bebés com ADN geneticamente modificado, confirmando-se, seria uma notícia inesperada e com consequências (éticas e científicas) de grande alcance.

O investigador chinês afirmou que será a sociedade a “decidir o que fazer de seguida”, depois deste primeiro projeto que considera “um exemplo”. Nem todos vêm o projeto do mesmo modo: Kiran Musunuru chamou-lhe uma “experiência em seres humanos que é inconsciente e que não é moralmente ou eticamente defensável”.

Manipular embriões humanos? O melhor é ir com calma