Aquisição de bens, serviços ou obras — a grande maioria destas trocas, quando realizadas por câmaras municipais portuguesas, são feitas em regime de ajuste direto. Segundo um estudo editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre os anos de 2013 e 2016 só 39% do dinheiro alocado à contratação pública feita pelos municípios foi gasto com recurso a um concurso público, diz o Jornal de Noticias desta terça-feira.

“Qualidade da Governação Local em Portugal” é o nome deste trabalho que foi realizado por uma equipa de investigadores liderada por Luís de Sousa e António Tavares, docentes do Instituto das Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, que deixa o alerta para o risco acrescido de favorecimento e corrupção, principalmente tendo em conta as conhecidas debilidades dos sistemas de fiscalização nacionais.

De acordo com o estudo em questão, a maior parte das 308 autarquias nacionais fica àquem do esperado no que toca à utilização de métodos de contratação transparentes, “regra” onde só surgem como “exceção” municípios como o de Sines, Fundão, Palmela e Vidigueira, que aplicam 80% dos fundos destinados à contratação em concursos públicos. É denunciada a falta de transparência na contratação pública em que a “disponibilização pro-ativa de informação” é frequentemente baixa e isso “pode gerar má despesa pública e riscos de favorecimento e corrupção”. A situação agrava-se no que toca ao escrutínio dos representantes eleitos.

Apenas uma autarquia (Alfândega da Fé) disponibiliza online o registo de interesses dos seus autarcas, só 118 divulgam as remunerações e 97 os currículos detalhados. No total, contabilizam-se 40 declarações de incompatibilidade e rendimento e apenas 19 revelam as declarações patrimoniais. O mais grave é mesmo o facto de um terço das Câmaras Municipais portuguesas nada revelarem nos seus sites. “A dimensão de gestão financeira é aquela onde a disponibilização de informação é um pouco melhor, porque há obrigatoriedade por lei. Nas outras dimensões, não há essa obrigatoriedade, mas há um dever de informação. É óbvio que ninguém está à espera que os registos de interesse e declarações patrimoniais vão desvendar todo o tipo de práticas ilícitas, mas são instrumentos interessantes e o próprio Tribunal Constitucional não tem feito um excelente trabalho na fiscalização das declarações patrimoniais”, conta o próprio Luís de Sousa, um dos coordenadores do estudo, ao JN.

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Como ponto positivo, o investigador realça que grande parte das câmaras coloca as suas contas na Internet — porém, listas de dívidas a fornecedores apenas são disponibilizadas em 188 autarquias.

Sustentabilidade financeira e concorrência saudável

Outro dos fatores abrangidos por esta investigação é a sustentabilidade dos serviços básicos — água, saneamento e tratamento do lixo — prestados pelas autarquias. Neste campeonato é de assinalar que do bolo total, 211 municípios apresentam uma notória falta de sustentabilidade financeira. Por muito que na área do tratamento do lixo, por exemplo, o desempenho global seja positivo, só 62 Câmaras Municipais apresentam serviços sustentáveis e com boas práticas de fixação de preço.

A concorrência saudável é garantida, de forma quase generalizada, no que toca a contratos acima dos 150 mil euros (a lei obriga que estes sejam sempre feitos com recurso a concurso público) e há diversidade de fornecedores. A maioria, aliás, celebrou em média menos de dois contratos com a mesma empresa. Apenas quatro municípios quebraram essa regra, firmando três ou mais negócios com os mesmos fornecedores.

No geral, o estudo analisou 22 indicadores em cinco dimensões da governação local, isto para determinar a qualidade da gestão autárquica. Participação dos cidadãos, prestação de contas, estabilidade política, eficácia de governação, sustentabilidade, qualidade dos serviços públicos, acesso, regulação de mercado e prevenção da corrupção foram os critérios escolhidos para analisar e que acabaram por revelar qual é o desempenho geral das autarquias portuguesas.

No que diz respeito a câmaras com um bom ou superior desempenho geral registaram-se 132 referências, sendo que 153 ficaram-se por um funcionamento capaz (onde Lisboa, por exemplo, está incluída) e umas 23 apresentaram sinais de fraco desenvolvimento. Dentro da lista “dos melhores” municípios, o Arquipélago dos Açores destaca-se: São Roque do Pico, Lajes das Flores e Santa Cruz das Flores foram algumas das que evidenciaram melhor funcionamento geral. Também as Câmaras Municipais da Mealhada, Oliveira do Hospital, Boticas e Proença-à-Nova são quem melhor funciona — Loures, Barreiro e Bragança, por exemplo, são das poucas grandes cidades a figurar nesta lista.