Rui Vitória teve uma carreira onde foi subindo a pulso, degrau a degrau, vários patamares até ao tão ambicionado “grande” – e logo o clube do seu coração. Neste trajeto, entre Vilafranquense, juniores do Benfica, Fátima, P. Ferreira e V. Guimarães, apenas por uma vez trocou de conjunto a meio da temporada, quando se mudou para o Minho, mas depois dos dois presidentes terem chegado a acordo para haver uma rescisão amigável. Esta quinta-feira, depois de uma reunião que terá com Luís Filipe Vieira, tudo aponta para que deixe pela primeira vez um projeto a meio. Aliás, tudo aponta para que isso aconteça.

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Depois do regresso da Alemanha ao final da tarde, com uma goleada sofrida em Munique frente ao Bayern a pesar ainda mais num ambiente por si só pesado, os dirigentes encarnados terão dissecado o atual momento da equipa numa reunião restrita apenas a elementos da estrutura. Antes, de acordo com o Record e A Bola, Vieira já tinha estado com Mohamed Afzal, agente do treinador. Terá sido desses encontros que saiu uma decisão que parece incontornável: por mais que Rui Vitória pudesse ser o nome que gostavam de ter na liderança do projeto desportivo do futebol das águias nos próximos tempos, chegou ao fim de linha. Com contrato até 2020, resta depois saber os moldes de um possível acordo de rescisão entre as partes. Segundo o Record, o técnico não colocou o lugar à disposição, como chegou a ser avançado esta noite.

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A solução interina (com duas surpresas) e um regresso possível à Luz

Ainda não se sabe ao certo se o técnico irá pelo menos orientar o treino desta quinta-feira, o primeiro da preparação para o encontro com o Feirense, mas a solução natural para a substituição interina, Bruno Lage, poderá ser acompanhado por dois nomes de peso que deixaram há pouco tempo os relvados: Luisão e Júlio César. Aos 42 anos, Laje, que se destacou no futebol de formação no comando dos iniciados e dos juvenis do Benfica entre 2004 e 2012, passou depois dos Emirados Árabes Unidos (juniores e equipa B do Al Ahli) e foi adjunto de Carlos Carvalhal no Sheffield Wednesday e no Swansea. Esta temporada, voltou ao Seixal para comandar a equipa B dos encarnados, que liderou muitas jornadas a Segunda Liga.

Luisão e Júlio César são dois nomes apontados a uma equipa técnica interina caso Vitória saia (JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images)

Como há muito já era falado na Luz, até em termos internos, Jorge Jesus surge como principal hipótese, naquele que seria um regresso à Luz onde esteve entre 2009 e 2015 antes de se mudar de forma direta para o rival Sporting. O atual treinador do Al Hilal, que se encontra na fase decisiva da temporada, já tinha revelado publicamente não só que iria sair da Arábia Saudita como gostaria de voltar a trabalhar em Portugal. Tendo em conta que Sérgio Conceição está de pedra e cal no FC Porto e que o Sporting acaba de contratar um novo treinador (Marcel Keizer), sobre apenas o Benfica dentro desse desejo. E Jesus veria com bons olhos essa hipótese. No entanto, e num momento instável no universo encarnado, existem outros pontos a ter em conta nessa decisão, nomeadamente os prós e contras que um eventual acordo poderia ter entre os sócios e adeptos. As eleições são apenas em 2020 mas aquilo que está agora sobretudo concentrado no comando técnico do futebol poderia alastrar-se a outras cúpulas do clube.

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Confirmando-se a saída de Rui Vitória, é esse o “exercício” que os dirigentes encarnados (sobretudo Luís Filipe Vieira) terão de fazer nos próximos dias. Depois de um período de maior turbulência depois da saída para o Sporting, as relações ente o líder do Benfica e Jorge Jesus normalizaram e voltaram a ser próximas como tinham sido nos anos anteriores, a ponto das duas partes terem desistido dos processos que tinham sido movidos a propósito da troca para o rival, em fevereiro. Ainda assim, essa ligação poderá não ser suficiente caso exista a perceção de que o regresso à Luz seria mal visto por uma maioria de adeptos. Questões técnicas à parte, que não se encontram em causa, este pode ou não ser um entrave para o negócio. Nesta altura, e apesar de haver outros técnicos identificados, não existem mais nomes a não ser o do antigo campeão no clube.

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À sétima jornada, antes da paragem para compromissos das seleções, o Benfica venceu o FC Porto por 1-0 na Luz e subiu ao primeiro lugar do Campeonato, ainda que com os mesmos pontos do Sp. Braga. 11 dias depois, a 18 de outubro, os encarnados venceram sem dificuldades o Sertanense em Coimbra para a Taça de Portugal por 3-0. Seguia-se a deslocação a Amesterdão e uma derrota nos descontos, por 1-0, que começou a dificultar as contas na Liga dos Campeões; depois, no Jamor, e após uma meia hora atípica onde os encarnados até uma grande penalidade falharam, o Belenenses marcou dois golos e impôs mesmo o primeiro desaire das águias na Primeira Liga, quando já tinham antes empatado com Sporting e na deslocação a Chaves.

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Foi nesse encontro que se começou a sentir de forma mais visível a contestação à equipa e a Rui Vitória, com o grupo quase apanhado de surpresa perante as reações no final dessa partida com o Belenenses. O momento crítico chegara de forma precoce e quando menos se esperava, o que levou Luís Filipe Vieira a garantir o lugar do técnico em entrevista à TVI. “Nas épocas difíceis tomo decisões difíceis. Há uma grande injustiça com Rui Vitória. Em dois anos conquistou seis títulos, foi campeão com o máximo de pontos, chegou aos quartos da Champions. Depois veio uma época menos conseguida e… As pessoas habituaram-se a ganhar muito… Não somos invencíveis e temos de reconhecer que não estivemos bem. A vida é feita pelo presente e futuro. O Rui Vitória tem feito um trabalho fantástico. Consegue ter equipas bastante competitivas, nunca se desviando da formação. É um projeto onde o Benfica não quer descuidar-se. É o homem certo para o projeto que o Benfica quer. Por minha vontade, garanto que será o treinador até final do contrato. Tem havido um tipo de crítica que ele não merece”, disse, numa semana que ficou marcada também pela divulgação de um áudio onde estaria a negociar com César Boaventura a possibilidade de saída de Rui Vitória para o Everton mediante o pagamento de uma verba compensatória às águias.

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Tudo deveria acalmar depois da intervenção do líder encarnado mas a surpreendente derrota caseira com o Moreirense, num jogo onde a equipa saiu para o intervalo já a perder por 3-1 (que seria o resultado final), adensou essa insatisfação, que pior ficou uns dias depois com o empate também na Luz frente ao Ajax que deixou a permanência na Champions quase presa por um “milagre”. No jogo seguinte, o Benfica regressou aos triunfos em Tondela mas parecia haver uma espécie de ponto sem retorno.

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As competições de clubes pararam novamente por causa das seleções e Jesus deu uma longa entrevista ao jornal A Bola onde abria a porta de um eventual regresso à Luz. “Não se deve voltar onde foi feliz? Também se pode dizer o contrário e usar aquele ditado que diz ‘o bom filho a casa torna’… Na verdade, foi o que fiz no Benfica, que me projetou no mundo. Sou conhecido graças ao Benfica. Mas primeiro o Benfica tem treinador e tenho de respeitá-lo. Hoje em dia, o Benfica tem hegemonia, um excelente treinador, tem uma grande estrutura. Segundo, o Benfica nunca falou comigo para regressar a Portugal. Terceiro, foram seis anos no Benfica. Tenho uma amizade muito forte com gente do Benfica, principalmente com o presidente Luís Filipe Vieira, mas não dá para pensarmos que só por esse motivo vou regressar ao Benfica”, admitiu.

Relação entre Jesus e Vieira voltou a ser forte depois do esfriar na altura da troca para o Sporting (JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images)

De repente, o tema de conversa deixou de estar centrado no momento que Rui Vitória atravessava na Luz e passou a centrar-se na hipótese de regresso de Jorge Jesus. Mais: o próprio treinador do Benfica começou a ser confrontado com perguntas nesse sentido, fugindo às mesmas sem deixar de manifestar um certo incómodo. Por um lado, Vieira não recusou na TVI esse cenário (“Não ponho de lado Jorge Jesus como não ponho outros”, atirou); por outro, Jesus abria a porta ao Benfica. No meio, o técnico no cargo não terá sentido uma posição de força para acabar de vez com os rumores que iam subindo de tom com o passar dos dias. Só mesmo os resultados poderiam “congelar” esse rumo mas a equipa não conseguiu dar a volta nos dois últimos encontros: frente ao Arouca, para a Taça de Portugal, a vitória por 2-1 não escondeu mais uma exibição muito aquém; em Munique, o Bayern expôs as debilidades que o conjunto encarnado enfrenta. E a goleada pode ter sido o fim de linha.

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Nesta altura, o Benfica está “apenas” afastado da Liga dos Campeões, tendo em paralelo entrada garantida na Liga Europa a partir de fevereiro. No quarto lugar do Campeonato a quatro pontos do líder FC Porto, está apurado para os oitavos da Taça de Portugal (cujo sorteio se realiza na próxima sexta-feira) e recebe na próxima quarta-feira, dia 5, o P. Ferreira, num jogo que pode valer um passo importante rumo à Final Four da Taça da Liga em caso de triunfo. Não sendo um cenário ideal, tem parecenças, sobretudo no plano interno, com o que acontecera na primeira época de Rui Vitória na Luz. No entanto, a contestação ao treinador tem vindo a subir de tom nas últimas semanas, não só pelos resultados mas também pelas exibições. E é essa perceção, que se alarga a toda a cúpula diretiva, que pode levar à saída do técnico que ganhou dois Campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e duas Supertaças nas primeiras três épocas à saída a meio da quarta temporada.