A entrevista prometia ser longa e abrangente. Assim foi. Nos últimos meses, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, tem falado esporadicamente, preferindo em grande parte do tempo remeter-se ao silêncio. Tem sido a estratégia escolhida para diminuir o ruído provocado pelos casos judiciais (como o e-toupeira) em que o clube se viu envolvido, pelos emails de administradores, funcionários e dirigentes tornados públicos depois de terem sido roubados por um “hacker” (já identificado) e pela discussão em torno da equipa de futebol, depois das derrotas contra o Ajax, para a Liga dos Campeões, e contra o Belenenses, para o campeonato.

Ao clima tenso vivido no Benfica, com os casos judiciais e os resultados de futebol a aumentaram o descontentamento dos adeptos (no Jamor, contra o Belenenses, alguns saíram ao intervalo, quando a equipa perdia por 2-0), não ajudou a revelação recente de uma conversa entre Luís Filipe Vieira e o empresário César Boaventura. Na gravação da chamada telefónica, tornada pública, os dois negociavam o preço a que Rui Vitória, treinador dos encarnados, poderia sair para o Everton. Em vez dos 15 milhões da cláusula de rescisão, o negócio poderia fazer-se “por dez”, dois terços da cláusula.

O futebol e a confiança em Rui Vitória eram os temas mais recentes da agenda e foram eles que marcaram o início da grande entrevista desta terça-feira à TVI. Vieira quis pôr os pontos nos i: defendeu o legado de Rui Vitória (lembrando os resultados conquistados nas suas duas épocas iniciais), garantiu que nunca quis a sua saída (só não corta as pernas a ninguém) e que por ele o treinador cumpre o contrato, que termina em 2020, até ao fim.

Foi uma prova de confiança, numa entrevista que passou pelos casos judiciais e por Paulo Gonçalves, por Jonas e Luisão, por Frederico Varandas e por Bruno de Carvalho (que, permanecendo no clube leonino, motivaria um ataque “sério” a dois ou três jogadores que rescindiram contrato, revelou Vieira), por António Simões, Jorge Mendes, os “grupos organizados de adeptos” e Jorge Jesus. Ficou uma notícia dada: Vieira tenciona recandidatar-se em 2020, quando terminar este mandato. Só se demite e deixa o Benfica se “se provar que houve corrupção”, o que refuta, confiante de que o Benfica venceu os seus títulos “dentro de campo”. Não se confirmando casos de corrupção desportiva, ficará mais seis anos — dois do atual mandato, quatro do próximo, se for eleito. “E se tiver de fazer mais, vou fazer”.

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O “treinador certo” para o Benfica que Vieira quer manter até 2020

Luís Filipe Vieira negou esta noite, na TVI, que a revelação de um telefonema entre si e o empresário César Boaventura em que os dois negociavam os valores de uma eventual saída de Rui Vitória para o Everton, signifique que desejava a saída do treinador. “Não fui eu que procurei a saída dele”, refere. Por 10 milhões, dois terços da cláusula de rescisão, o treinador teria mesmo saído, se quisesse: “Pelas condições que me disseram que ia fazer com esse contrato [que o Everton oferecia], não era eu que [lhe] ia cortar as pernas. Nunca cortei as pernas a nenhum jogador e a nenhum treinador. Principalmente a jogadores, treinadores [ainda] nunca aconteceu este caso”, apontou, em entrevista à TVI. Só estranha “como aparece um a conversa dessas nos órgãos de comunicação social”.

Vieira apanhado em conversa telefónica com César Boaventura para transferir Rui Vitória. Empresário confirma

Afirmando que a proposta do Everton incluía um ordenado que faria Rui Vitória ganhar, “se calhar, oito vezes mais”, o presidente do Benfica lembrou que o treinador é um “chefe de família” e que o valor financeiro, para alguém que tem família, é “importante” na avaliação do clube. “Não há um jogador, após a saída, que diga mal do Benfica. Se um jogador ou treinador tem alguma proposta, não vale a pena estarmos a ‘entreter’, como costumo dizer. A vida é assim, está feita disso. O cemitério está cheio de insubstituíveis“, referiu.

O Rui tem o seu valor. Alguém nos contactou sobre o que havia já sido acordado com o seu empresário. Disseram-me quais eram as condições que existiam, o Benfica só lhes disse que havia uma cláusula de rescisão e que se fosse para melhorar a vida do nosso treinador não havia problema nenhum. Já tinha havido conversas entre eles todos, o Rui já conhecia a proposta [do Everton], que era muito superior à do Benfica. Havia conhecimento do seu empresário do processo. Passados uns dias, clarificámos os dois a situação que existia, ele manifestou-me que não tinha interesse em sair e queria levar o projeto até ao fim”, apontou.

O presidente do Benfica defendeu que “há hoje uma grande injustiça em relação ao Rui Vitória. Nos dois primeiros anos de Benfica conquista seis títulos, foi campeão com um máximo de pontos, 88. Foi aos quartos de final e oitavos de final da Liga dos Campeões. Teve uma época menos conseguida… No Benfica as pessoas habituaram-se a ganhar muito, há muito tempo que não ganhavam e habituaram-se rapidamente a ganhar muitas vezes.”

Não somos invencíveis e temos que reconhecer, quando perdemos, que estivemos menos bem. E nessa época [a última] não estivemos muito bem. Mas a vida não é feita de passado, é feita do presente e do futuro. O Rui Vitória tem feito um trabalho fantástico no Benfica, consegue todos os anos ter equipas bastante competitivas, nunca se desviando da formação do Benfica. Lançou cerca de dez jogadores em três anos de Benfica. Lançou o Ederson, Nélson Semedo, Rúben Dias, Lindelof, Yuri Ribeiro, Gedson, Renato Sanches, Gonçalo Guedes, João Félix, agora mais recentemente o Jota e outros…”

Defendendo que a formação “é um projeto de que o Benfica não se quer desviar minimamente”, Luís Filipe Vieira deu uma palavra de confiança ao treinador, num momento em que a equipa vem de uma derrota na Holanda, para a Liga dos Campeões, e no Jamor, com o Belenenses, para o campeonato. “É o homem certo para o projeto do Benfica. Por minha vontade, garanto que será o treinador até ao final do contrato.” O vínculo termina no verão de 2020, ou seja, no final da próxima temporada.

O objetivo para esta época é a “reconquista”: voltar a sagrar-se campeão nacional de futebol e vencer nas modalidades, onde o clube apostou em “equipas bastante competitivas e para ganhar, nunca se desviando da formação que é importante para nós”. Já sobre a participação da equipa de Rui Vitória na Liga dos Campeões, disse: “Não é impossível o Benfica ir aos oitavos de final. Foi pena este jogo [derrota na Holanda contra o Ajax] para nós, o empate ou vitória era importante. A maneira como foi, foi frustrante.”

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Paulo Gonçalves e a corrupção: “Se se provar, demito-me”

O presidente do Benfica prometeu que se demite se for provado que o clube cometeu atos ilícitos que resultaram em corrução: “Posso-lhe garantir, se algum dia se provar que ao longo destes 15 anos, algum dia o Benfica praticou atos ilícitos e corrupção, garanto-lhe que me demito na hora, porque critiquei sempre essas atitudes dessas pessoas”.

Sublinhando que não mistura “o Paulo Gonçalves com o Benfica”, Vieira reafirmou que nada sabia sobre eventuais atos ilícitos cometidos pelo antigo assessor jurídico da SAD do clube, que está acusado no processo e-toupeira. E reafirmou crença na inocência do antigo elemento da SAD do Benfica.

Num primeiro momento, nada sabíamos. Não foram decretadas medidas de coação para o senhor Paulo Gonçalves. Manifestou intenção de sair, por unanimidade decidimos que tinha condição para continuar. Num segundo momento, é réu. Foi ele de livre vontade que chegou junto de nós e disse que não tinha condições para continuar no Benfica, queria dedicar-se à sua própria defesa. Saiu. Não foi condenado, tem presunção de inocência. Benfica perdeu um grande profissional, era um grande profissional na área dele. Só reafirmou que tudo o que o Benfica ganhou foi dentro do campo”.

“Quem sou eu para condenar o Paulo Gonçalves? Já fomos todos condenados na praça pública, em tribunal é que vamos provar a nossa inocência”, garantiu Rui Vitória. Sobre os emails dos funcionários e administradores do Benfica tornados públicos, disse Vieira: “Revolta-me falar disso. Logicamente alguém entrou no sistema do Benfica. Mais grave do que isso não foi só o que roubou ao Benfica, foi o que expôs de pessoas e trabalhadores do Benfica. Uma coisa lhe garanto: não está [nos emails] oferta de dinheiro a ninguém, não está lá prostitutas com ninguém ou que almocei com árbitros em minha casa”.

Sobre os emails a que terá respondido viabilizando  oferta de bilhetes para jogos do Benfica, Vieira desresponsabilizou-se: “Esses emails [a resposta] é ok, ok, ok, ok. Acha que sou bilheteiro do Benfica? É a mesma coisa que assinar contratos, é ver quanto é de vencimento, épocas, o resto é de cruz. O Benfica tem à sua frente profissionais elogiados pela Europa fora, que são convidados para ir contar o sucesso. Acha que eu estou a ler para quem são os bilhetes? Continuo a fazer o mesmo: ok, ok, ok”.

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O Sporting, Bruno de Carvalho e as rescisões: “Íamos atacar mesmo a sério”

Luís Filipe Vieira comentou ainda a promessa que fez de “cometer uma loucura” para vingar “o verão quente” em que o Sporting foi contratar jogadores ao Benfica. Desta vez, planeava fazer o inverso. “Se porventura Bruno de Carvalho continuasse no Sporting como presidente éramos capazes de cometer uma ou duas loucuras. No dia em que Sousa Cintra começou a comandar a SAD, ele teve o cuidado de falar comigo e eu garanti-lhe que o Benfica não ia buscar nenhum jogador ao Sporting.”

Toda a gente sabe os ataques que fomos vítimas desse senhor, pensava mais no Benfica do que no próprio Sporting, íamos atacar mesmo a sério, não era contra a instituição mas contra uma pessoa. Quem vem provocar sempre a desunião das pessoas, não fazia sentido termos alguma pena dele. Íamos atacar dois ou três”, disse ainda o presidente do Benfica.

Sobre as primeiras acusações de Frederico Varandas, que em entrevista recente ao semanário Expresso criticou os processos recentes ligados ao Benfica e os considerou uma “vergonha” para o futebol português, Vieira disse: “Lidei de perto com cinco presidentes do Sporting. Quando se preocupavam só com o Sporting ganhavam alguns títulos, aqueles que para unir as tropas tinham de pôr o Benfica à frente ficaram pelo caminho. O senhor Varandas, se vem com o mesmo propósito também não deve ficar muito tempo. Tem primeiro de se concentrar em unir o Sporting, não é preciso falar do Benfica para unir. No dia em que andar distraído com o vizinho do lado, já vai estar com um andamento que ele já não consegue chegar.”

As acusações de António Simões: “Mentiu. Tem de respeitar o Benfica”

Luís Filipe Vieira abordou as acusações de António Simões, antiga glória do Benfica que acusou os responsáveis do clube de censura e de hostilidade depois de ter criticado o comentador e ex-diretor de conteúdos da Benfica TV, Pedro Guerra. “A grande figura do Benfica que não está viva é o Eusébio. Os outros, epá, para mim são todos iguais. Quando fizemos o museu do Benfica foi para fazer homenagem a todos os jogadores que vestiram a camisola do Benfica e que nos deram títulos. Eusébio não há mais nenhum e ninguém vai imitar o Eusébio”, disse.

Conheço o Simões há 40 anos. Quem me conhece sabe que nunca fiz censura no Benfica, praticamente nem vou ao canal do Benfica, não há um profissional do Benfica que diga que alguma vez fiz censura. Não vou falar muito de António Simões por respeito ao Benfica. António Simões mentiu. E fico-me por aqui, quando ele quiser vir clarificar de vez vai falar comigo pessoalmente e não anda a falar na praça pública. O Benfica respeita-o mas ele tem de respeitar o Benfica e todos os profissionais daquela casa.

“Não admito a ninguém que diga eu sou o Benfica, somos todos do Benfica”, apontou Vieira, acrescentando: “Não recebo lições nem do Simões nem de nenhum atleta do Benfica, se há alguém que é humano e os ajuda sou eu. Se ele tem algum problema com o Benfica que o vá resolver dentro do Benfica, não na praça pública. Veja o que ele fez ao Calado. O Simões já se esqueceu de quem há anos atrás o ajudou. Dizer que o Calado leva recados meus? Não há um comentador do Benfica que leve recado meu, um!”

De Samaris a Salvio, passando pelo goleador Jonas que “pensou seriamente sair”

O presidente do Benfica abordou também, durante a entrevista, a possível saída de Jonas, que se colocou como hipótese este verão. “O Benfica demonstrou sempre interesse em renovar com Jonas, queríamos renovar com ele mais um ano. Numa primeira fase, acho que houve uma altura em que ele pensou seriamente sair. Mas depois, conversando com a família, falei com ele e disse-me: presidente, não quero sair do Benfica, estou disponível para renovar contrato.”

Se me perguntar se houve uma altura em que o Jonas esteve inclinado? Esteve inclinado um pouco, esteve. Mas já era o jogador mais bem pago do plantel, é o jogador mais caro do Benfica”, referiu.

Sobre o grego Samaris, de cuja saída se tem falado recentemente, o tom foi um pouco diferente: “Neste momento não tem sido titular do Benfica. É um ativo bom do Benfica, vamos ver nos próximos meses o que vai suceder”, apontou. Já João Félix “vai assinar” a renovação.

Quanto a uma possível renovação com o argentino Salvio, “há vontade do Benfica de que ele renove e penso que também há vontade do jogador para renovar. Depois de amanhã vou estar com o empresário para falar. Acho que será rápido fechar esse processo, o Benfica tem toda a vontade que ele fique e ele tem toda a vontade em ficar”. Em janeiro, o clube encarnado deverá “mexer num ou dois jogadores. Temos 28 no plantel, podemos encurtá-lo um pouco. Não vou ser eu que vou decidir quem vai sair, vai ser o treinador”.

A recandidatura em 2020:

“Vou-lhe já dizer, vou ser candidato”, anunciou Luís Filipe Vieira, esta noite, na TVI. O mandato atual termina dentro de dois anos. Depois recandidatar-se-á para mais quatro. “E se tiver de fazer mais, vou fazer”.

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Jorge Mendes, o parceiro “táxi”

Luís Filipe Vieira garantiu que o empresário Jorge Mendes não é seu parceiro, é parceiro do Benfica. “Tem sido. Ontem, acordámos a renovação do João Félix. O Benfica diz: este e este são para vender, por este valor. Ele ganha 10%. Chamo-lhe o táxi, é o táxi que o Benfica paga [risos]”.

O presidente do Benfica revelou que chegou a “assistir a telefonemas” de gente que “diz mal do que se paga, até de uma pessoa que saiu há pouco tempo”, portanto Bruno de Carvalho, a querer negociar com Jorge Mendes.

Luisão, o “companheiro de viagem” que viu “a desgraça e a fartura”

Luisão, diz o presidente do Benfica, é o seu “companheiro de viagem”. É isso que Vieira lhe costuma dizer, porque “é o único que existe que conhece a desgraça que havia [no Benfica] e a fartura que existe hoje. Fartura no bom sentido, não lhes falta nada a eles [jogadores]. Prometi-lhe que, enquanto tivéssemos condições, renovávamos contrato com ele. Jogasse ou não, a influência que tem…”

Gostamos de tratar bem todos os nossos atletas. Acho que o Luisão deveria ter atenção especial do Benfica. Falámos um dia os dois, falei com o treinador e pronto. Ele disse-me um dia: presidente, está na hora de pendurar as minhas chuteiras. E eu: mas tu estás a brincar? Ao príncipio não estava a levar muito a sério, depois tive de levar.”

Não se apercebendo que houvesse “algum problema” entre Luisão e Rui Vitória, que “são vizinhos”, o presidente dos encarnados garante que nada se passou de especial para o jogador renovar contrato, ficar na bancada nas opções para os jogos de Rui Vitória e sair poucas semanas depois.

As claques e o legado:

Um dos aspetos em que o presidente do Benfica se mantém irredutível — a não ser que seja obrigado pela lei a fazê-lo — é a não forçar o reconhecimento da existência de claques legais no Benfica. “Não sou obrigado a que alguém se queira identificar [como membro de uma claque legal]. Sei que para se constituírem como sócios do Benfica têm de se identificar e, posso garantir-lhe, todos os que lá estão são sócios do Benfica, com quotas em dia. Têm as mesmas regalias e direitos que eu tenho. Têm o Red Pass [bilhete anual], pago, são sócios do Sport Lisboa e Benfica. Vamos aguardar para ver o que diz a lei”.

O único apoio que o Benfica presta a estes grupos de adeptos, No Name Boys e Diabos Vermelhos, é “tentar que eles sejam transportados com ordem”, por questões de segurança, garantiu Vieira.

A par das muitas mensagens de confiança sobre esta época e a possibilidade do Benfica conquistar títulos em futebol e nas modalidades, Vieira defendeu o seu legado no clube, a aposta “nas infraestruturas”, o Caixa Futebol Campus no Seixal no qual “assenta o projeto” e a formação como “o futuro do Benfica”. E acrescentou: “O Benfica está a preparar-se para dominar o futebol português na próxima década“.

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Jesus e a mensagem depois de vitória em Alvalade: “Corre atrás de nós”

Revelando ser “amigo” de Jorge Jesus, Vieira apontou: “Falamos periodicamente por telefone. Especula-se muito com aquilo que se passou entre ele e o Benfica, só durante seis meses é que andámos assim ‘violeta'”, isto é, chateados.

O presidente dos encarnados revela que, depois da vitória por 0-1 em Alvalade com golo de Mitroglou, que colocou o Benfica à frente do Sporting na classificação no primeiro ano de Jorge Jesus no Sporting, enviou uma mensagem: “Foi a única piada que dei. Disse-lhe: agora acabou, agora corre atrás de nós”. Verdadeiramente zangados, referiram, “não” estiveram.