Esta terça-feira, depois da goleada com o Bayern Munique, Rui Vitória deu uma flash interview à Eleven Sports, outra à TVI e ainda uma conferência de imprensa alargada a todos os órgãos de comunicação social. O treinador repetiu a mesma linha de discurso nos três momentos: “Estou a falar do jogo, é isso que importa”. Garantiu que “jamais” seria um “treinador perdido”, falou no falhanço da estratégia que tinha delineado para enfrentar a equipa alemã e sublinhou que “as fases más são para ser ultrapassadas”. Esta quinta-feira, não orientou o treino e tudo apontava para que o anúncio de que deixaria de ser o treinador principal do Benfica estivesse preso por horas. Ao início da tarde, chegou a notícia que já ninguém esperava. Rui Vitória vai continuar a ser o treinador dos encarnados. E Vieira confirmou o que se passara na véspera.
“Na reunião que tivemos ontem havia uma decisão praticamente tomada mas como deve calcular normalmente discuto e oiço – e não vou discutir a decisão que foi ou não tomada – mas dormi no Seixal e meditei bastante, apesar de ter dormido muito pouco. Às 7h30 comuniquei ao Tiago [Pinto] a decisão que tinha tomado. Ele olhou para mim, ficou muito perplexo mas era uma convicção e quando tenho uma convicção, é mesmo assim(…) Sei como decido as coisas para o Benfica, às vezes até me dizem que vejo mais à frente, não sei se foi uma luz que me deu, decidi que é por ali que vamos… E mais: a massa adepta deve apoiar e não apontar o dedo. Não é só o Rui Vitória que tem culpas, há mais gente”, explicou.
O treinador português tornar-se-ia apenas o segundo a ser dispensado antes do final da época desde que Luís Filipe Vieira assumiu a liderança do clube, em outubro de 2003. Quando Vieira venceu pela primeira vez as eleições para os órgãos sociais do Benfica, sucedendo a Manuel Vilarinho e tornando-se o 33.º presidente do clube, o treinador das águias era o espanhol José Antonio Camacho. Dois anos antes, depois de passagens por Rayo Vallecano, Espanhol, Sevilha, Real Madrid e pela seleção espanhola, o antigo lateral esquerdo tinha sido o escolhido para substituir o interino Fernando Chalana, que segurou as pontas após a saída precoce de Jesualdo Ferreira, no seguimento de uma derrota na Taça de Portugal com o Gondomar.
Em 2003/04, a primeira época de Luís Filipe Vieira na tribuna presidencial da Luz, Camacho levou a equipa até ao segundo lugar do campeonato, a oito pontos do campeão FC Porto, e conquistou a Taça de Portugal – encerrando uma seca de títulos que já durava desde 1995/96. No final da temporada, o bom desempenho ao serviço do Benfica chamou a atenção do Real Madrid e o treinador espanhol acabou por trocar Lisboa por Madrid. Seguiram-se Giovanni Trapattoni e Ronald Koeman, ambos para uma época apenas apesar do título conquistado em 2005 pelo italiano (que decidiria pouco depois sair da Luz para assumir outros desafios), e em junho de 2006 Vieira decidiu colocar um fim ao rol de técnicos estrangeiros que se prolongava desde a chegada de Camacho. O escolhido foi Fernando Santos.
O atual selecionador nacional tornava-se o terceiro treinador a orientar os três grandes e o primeiro português a fazê-lo: antes de Fernando Santos, só o chileno Fernando Riera e o brasileiro Otto Glória o tinham conseguido. Chegava à Luz depois de duas temporadas no AEK de Atenas – numa segunda passagem menos bem sucedida do que a primeira, no início do milénio, quando conquistou o campeonato grego – e trazia consigo o médio Kostas Katsouranis, que rapidamente se tornou um dos jogadores prediletos dos adeptos. Na época de estreia – e numa das edições mais renhidas dos últimos anos com tudo em aberto na última jornada –, terminou o Campeonato em terceiro, a dois pontos do campeão FC Porto e a um do segundo classificado Sporting. “Não ganhar títulos nunca é bom mas dizer que esta foi uma temporada negativa é um passo que eu não vou dar”, referiu Fernando Santos depois do último jogo do ano, para depois garantir que o título chegaria no ano seguinte.
As más notícias começaram na pré-época. Simão Sabrosa, figura estrutural do plantel e capitão de equipa, deixava a Luz para rumar ao Atl. Madrid. Saíram ainda Derlei, Karagounis, Miccoli e Manuel Fernandes mas entraram Di María, Cardozo ou Maxi Pereira. Luís Filipe Vieira tinha prometido um investimento forte no futebol e na temporada 2007/08 e as expectativas para as competições internas – assim como para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões – eram elevadíssimas. O desejo assumido e natural era voltar a conquistar o Campeonato e regressar às fases decisivas da Taça de Portugal, que tinha sido o calcanhar de Aquiles do ano anterior (o Benfica perdera antes com o Varzim por 2-1).
Na pré-eliminatória de acesso à Champions, os encarnados não foram além de um sofrível 2-1 com o acessível Copenhaga (salvos por um bis de Rui Costa), e empataram a uma bola com o Leixões, no primeiro jogo do Campeonato. As fracas exibições, o pouco futebol apresentado e a grande ambição para a temporada que ainda mal começara levaram Luís Filipe Vieira a despedir Fernando Santos ainda em agosto, numa fase altamente embrionária da época desportiva. 13 meses depois, o treinador português deixava a Luz e era substituído por José Antonio Camacho, que regressava a Lisboa após uma passagem sem qualquer sucesso nem impacto pelo Santiago Bernabéu.
Em março de 2008, sete meses depois de ter substituído Fernando Santos, Camacho decidiu que já não se sentia em condições de motivar o plantel e anunciou a demissão minutos após um empate caseiro com a U. Leiria. Foi substituído pelo “eterno interino”, Fernando Chalana, que se manteve no comando técnico da equipa até ao final da temporada e à chegada de Quique Flores. José Antonio Camacho e Fernando Santos são então os únicos técnicos do Benfica a ter protagonizado a chamada “chicotada psicológica” a meio da temporada na era Vieira: ainda que apenas um tenha sido despedido.
Em novembro de 2017, numa longa entrevista à BTV por ocasião do 14.º aniversário enquanto presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira recordou as decisões mais difíceis que teve de tomar enquanto líder e incluiu o despedimento de Fernando Santos. “Uma decisão difícil foi ter de falar com o Fernando Santos e dizer-lhe que já não ia ser treinador do Benfica. Pensei voltar atrás, foi uma decisão muito complicado”, explicou o presidente encarnado, que depois voltou a falar do atual selecionador nacional para explicar a continuidade de Jorge Jesus “contra tudo e contra todos”. “Se calhar tinha aprendido com Fernando Santos”, atirou Vieira, numa espécie de assunção de arrependimento. E a verdade é que aprendeu mesmo: face aos maus resultados, à fracas exibições e à eliminação da Liga dos Campeões, Luís Filipe Vieira decidiu segurar Rui Vitória e não despedir o treinador três meses depois do início da temporada.
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Para a decisão de Luís Filipe Vieira pode ter contribuído também o facto de, historicamente, as temporadas em que o Benfica perde o treinador a meio da temporada e é obrigado a inserir um interino não serem de grande sucesso. De todos os treinadores interinos dos 118 anos de história do clube encarnado, somente três conseguiram conquistar títulos e apenas Taças de Portugal, nunca Campeonatos – José Valdivieso em 1954, Fernando Caiado em 1962 e José Augusto em 1970. Já dos 36 Campeonatos nacionais dos encarnados, apenas um foi conquistado numa temporada em que o treinador foi despedido a meio da época: foi já em 1967/68, quando foi preciso dispensar Fernando Riera e Fernando Cabrita para que Otto Glória fosse contratado e acabasse por vencer o Campeonato.