Se dúvidas houvesse, sobre qual a posição do Governo sobre descongelamento de carreiras dos professores, as declarações da secretária de Estado adjunta da Educação desfizeram-nas. “Para o Governo, a negociação integral do tempo de serviço não está em cima da mesa“, disse Alexandra Leitão, à saída do encontro, que durou pouco mais de uma hora, com os sindicatos dos professores. Mário Nogueira, líder da Fenprof, considerou esta a reunião “mais absurda” deste processo negocial, já que o Executivo não alterou “uma única vírgula” à proposta que já fora rejeitada em setembro de recuperar apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias dos mais de 9 anos em que as carreiras estiveram congeladas.
“Acabámos de sair da reunião mais absurda que se pode imaginar”, disse Nogueira. “Querem guerra, guerra terão. Vamos pedir de imediato uma reunião aos grupos parlamentares para levar esta mensagem: o Governo hoje também desrespeitou a Assembleia da República. Vamos pedir também uma nova reunião ao senhor Presidente da República, e vamos reunir os dez sindicatos para definir o plano de lutas que vamos desenvolver durante 2019.”
Depois de nas negociações do Orçamento do Estado para 2019, os partidos da oposição terem forçado o Governo a voltar a negociar com os sindicatos, havia a expectativa de que o tempo integral das carreiras congeladas fosse recuperado. Era esse o entendimento dos sindicatos, depois de o Parlamento ter voltado a inscrever no OE de 2019 a mesma norma do OE de 2018.
Não foi o da equipa ministerial de António Costa. Se, no passado, considerou que a lei orçamental não obrigava a recuperar os 9 anos, mantém a mesma leitura do artigo. Para a secretária de Estado, a norma aprovada pelos deputados obriga apenas o Governo a negociar, não a recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias. “O que diz a norma é que somos obrigados a retomar a negociação. Havia outra norma que dizia que tínhamos de negociar com base na recuperação integral e essa norma foi rejeitada“, sublinhou Alexandra Leitão.
A governante referia-se às propostas do Bloco de Esquerda e do PCP que foram rejeitadas pelo PSD.
“Havia duas normas que expressamente previam a recuperação integral do tempo e foram rejeitadas. Não podemos dizer que estamos obrigados a recuperar o tempo integral, estamos sim obrigados a negociar novamente”, voltou a insistir Alexandra Leitão que falava aos jornalistas no fim do encontro.
Questionada sobre o porquê desta reunião, já que a proposta do governo se manteve inalterada, e sobre o seu timing, a secretária de Estado argumentou que este era “o momento ideal” para perceber se havia abertura dos sindicatos, já que existe um processo legislativo em curso do decreto lei que prevê a recuperação de 2 anos.
Achámos que era bem mais útil fazer a negociação nesse âmbito, não atrasando mais a entrada em vigor desse decreto lei”, disse. “Queremos, com rapidez, aprovar o decreto lei para que mais de 10 mil professores possam recuperar 2 anos, 9 meses e 18 dias já em 2019.”
Para já, o decreto lei não avança nem para Conselho de Ministros nem para Belém, já que o governo vai aguardar pelos cinco dias úteis que o professores agora têm para pedir uma negociação suplementar.
Os sindicatos foram convocados pelo Ministério da Educação na terça-feira passada, ao final da tarde, para uma reunião de negociação da recomposição da carreira, agendada para o dia seguinte, esta quarta-feira, às 18h00.
Desde logo, esta convocatória mereceu a reprovação dos sindicatos por não respeitar os prazos legais, como Mário Nogueira, líder da Fenprof, fez questão de sublinhar à entrada do encontro. “Para além de violar a lei da negociação, é também um desrespeito pelas estruturas sindicais e pelos seus dirigentes”, disse, argumentando que nem todos vivem em Lisboa. A lei, sustenta Mário Nogueira, prevê que estas reuniões sejam marcadas com 5 dias de antecedência. Alexandra Leitão discorda, já que na sua opinião esses prazos são apenas para procedimentos negociais em curso. No seu entender, esta é uma nova negociação não precisando, por isso, de respeitar esse prazo.
Depois de não ter chegado a acordo com os professores, o Governo decidiu unilateralmente recuperar apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias dos mais de 9 anos congelados. A proposta foi depois transformada em decreto lei, aprovado em Conselho de Ministros a 4 de outubro, mas ainda não foi enviado ao Presidente da República para promulgação. O Executivo optou por pedir pareceres às assembleias regionais dos Açores e da Madeira sobre o diploma — como já fizera com o diploma da flexibilidade curricular — e ambas deram pareceres negativos. A intenção do Governo, já expressa pelo primeiro-ministro, era de que o decreto lei voltasse a Conselho de Ministros para eventuais alterações na sequência dos dois pareces.
No entanto, durante a discussão do Orçamento do Estado, os partidos da oposição forçaram o Governo a voltar à mesa das negociações com os professores, reinscrevendo na lei orçamental uma norma que obriga a negociar o prazo e o modo de recuperação do tempo de serviço congelado, tal e qual como o fizera no orçamento do ano anterior.
Perante este cenário, os professores irão recorrer de novo aos partidos da oposição e ao Presidente da República já que não desistem da recuperação integral do tempo. Pelo caminho, Mário Nogueira deixou o seu desagrado com esta reunião. “Fomos chamados pelo Ministério da Educação, e como dissemos, não tínhamos expectativas, mas tínhamos curiosidade, por nos dizerem que esta reunião vinha no sentido de cumprir o disposto na lei do Orçamento do Estado de 2019 que, por acaso, só entra em vigor daqui a mais ou menos um mês”, explicou o líder da Fenprof, criticando também a ausência de alterações à proposta.
“Alterou uma vírgula? Não alterou nem uma vírgula. E, portanto, isto é uma provocação às organizações sindicais e uma afronta aos professores. Dizer que na Madeira e nos Açores recuperam o tempo todo mas aqui não é assim, é uma afronta aos professores. Os anos têm 356 dias em todo o lado“, concluiu.
Governo diz que os sindicatos dos professores estão a manter “posição de intransigência”
A posição mais forte sobre os professores chegou em comunicado do Ministério das Finanças, não o da Educação. No comunicado, o executivo de António Costa recorda que a Assembleia da República introduziu na Lei do Orçamento do Estado para 2019 “uma norma igual à que constava da Lei do Orçamento para 2018” e que ainda não está fechado o processo legislativo do decreto-lei que permite aos docentes “recuperar tempo de serviço”.
Mas sublinha que o Governo correspondeu a essa norma “com a convocatória para uma nova reunião de negociação”. Só que no encontro, salienta o ministério das Finanças, “verificou-se que as estruturas sindicais mantiveram a sua posição de intransigência, não aceitando negociar nada que não seja a recuperação integral de 9 anos, 4 meses e 2 dias”. Ou seja, recusaram “assim, qualquer abertura negocial”.
O Governo sublinha, contudo, que “não pode aceitar que os professores sejam prejudicados”. E, por isso mesmo, reitera que vai “retomará o processo legislativo do decreto-lei que permite aos docentes dos ensinos básico e secundário (…) recuperar 2 anos, 9 meses e 18 dias”. Assim, assegura o executivo, “evita um impasse que só prejudica os professores”. Mesmo sem o acordo das estruturas sindicais, como indicam as Finanças.