O artigo 13.º da proposta de Diretiva sobre o Direito de Autor no Mercado Único Digital, que o jurista Tito Rendas apontou como “uma solução desproporcionada”, motiva uma manifestação na quarta-feira à tarde em Lisboa.
O texto da proposta de Diretiva foi apresentado em 2016, pela Comissão Europeia, ao qual este ano o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu apresentaram as respetivas versões, que lhes conferem o mandato para negociarem o chamado “trílogo”, do qual sairá uma versão de compromisso, que deverá ser votada em janeiro próximo.
A manifestação está convocada para quarta-feira, entre as 16h30 e as 20h00, na praça da Figueira, em Lisboa, contesta o teor dos artigos 11.º e 13.º, sobre o poder dos titulares de direitos, e são esperados mais de mil participantes, segundo o seu organizador Cláudio Fonseca, do ‘podcast’ “Conversa”.
Para Cláudio Fonseca, estes artigos representam “o fim da Internet como hoje a conhecemos — em que o botão de ‘partilha’ faz todo o sentido”.
“Os objetivos fundamentais que são enunciados [na Diretiva] são positivos, a forma que se encontrou de alcançar esses objetivos é que é negativa e merece reparo”, explicou à agência Lusa Tito Rendas, doutorando na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e ex-investigador no Max Planck Institute for Innovation and Competition, em Munique, no sul da Alemanha. “O objetivo fundamental é promover a criatividade e dar aos titulares de direitos formas mais eficazes de garantir o respeito por esses direitos, agora, de facto, o artigo 13.º não é a melhor solução”, referiu.
Segundo Tito Rendas, “o artigo 13.º visa reforçar o poder de negociação dos titulares de direitos a plataformas como o ‘youtube’ [que é detida pelo motor de busca ‘Google’], e aplica-se a um conjunto de plataformas, porque os titulares de direitos estavam insatisfeitos com os montantes propostos” por essas plataformas, “sobretudo em relação ao que recebem” dessas entidades “cujo modelo de negócio assenta exclusiavamente em conteúdos licenciados, em que o caso mais paradigmático é o ‘spotify'”.
A plataforma ‘spotify’ não tem conteúdo carregado pelo utilizador, funcionando apenas com conteúdo que tem de ser licenciado, enquanto o ‘youtube’, a título de exemplo, funciona com conteúdo próprio, mas pode usar também conteúdo alheio, cuja disponibilidade não foi autorizada pelos titulares de direitos.
“Então arranjou-se este artigo 13.º, em que se afirma que estas plataformas de conteúdo carregado pelos utilizadores – e esta expressão abrange um conjunto muito alargado, que inclui plataformas como o ‘facebook’, ‘instagram’, ‘twitter’ e potencialmente, se não for excluído, o ‘whatsapp’, ‘blogs'” -, tenham de ser licenciadas.
E isto faz com que “todas as plataformas com conteúdos carregados pelos utilizadores” estejam assim “abrangidas por este artigo 13.º, tendo sido, entretanto, excluídas as enciclopédias ‘on-line’ e os repositórios de conteúdos científicos”, afirmou o professor da UCP. Segundo Tito Rendas o artigo 13.º vem “reforçar o poder de negociação, obrigando estas plataformas a celebrar acordos de licenciamento com os titulares de direitos”.
Subjacente a esta intenção do artigo 13.º, nas diferentes versões existentes, no entanto, está a necessidade de estas plataformas adotarem tecnologias de reconhecimento de conteúdos, vulgarmente referenciadas como ‘filtros’, com o objetivo de evitar conteúdo ilícito.
Todavia, alerta Tito Rendas, “o juízo que se faz do lícito ou ilícito não é fácil, e essas tecnologias não são capazes de [o] fazer de forma minimamente competente”, tendo em conta questões como se um conteúdo está a ser analisado e não utilizado ou até se é alvo de sátira, o que é previsto pela Diretiva. “São questões que motivam até discordâncias entre seres humanos, entre dois juízes, por exemplo”, acrescentou.
Desproporção sim, mas não censura
Tito Rendas referiu como exemplo uma tecnologia desenvolvida pela Google, de identificação de conteúdos – a ‘containing tilly’, um investimento de 100 milhões de dólares norte-americanos – e “que, apesar de tudo, já deu muitos ‘falsos positivos'”. Para Rendas referir que o artigo 13.º abre portas a uma “censura prévia” “não é rigoroso”, pois o termo censura remete para o ambiente político, preferindo que se veja como “potencialmente violadora dos direitos de autor”.
Cláudio Fonseca, por seu turno, em declarações à Lusa, insistiu: “O botão de ‘partilha’ permite-nos partilhar imagens, um vídeo, um ‘link’ [ligação], e é isso que nós queremos e, ‘in extremis’, o que este artigo 13.º permite é bloquear essa partilha ao impor filtros”. Para Cláudio Fonseca, os “filtros” são “uma forma de censura”. Mas realçou não estar contra a defesa dos Direitos de Autor.
“Somos contra a radicalização que este 13.º artigo coloca”, disse, referindo que este artigo vai permitir que muitos conteúdos possam vir a ser bloqueados, porque não serem do próprio autor que os coloca ‘online’.
O professor da Faculdade de Direito da UCP considera que o artigo 13.º é “uma solução desproporcionada” que prevê “restrições à liberdade de expressão do utilizador e até das empresas”.
Outra crítica dos manifestantes é ao artigo 11.º desta Diretiva, que visa “restringir a partilha de hiperligações, ‘hiperlinks’, para conteúdos noticiosos”. O objetivo, neste caso, é sobretudo a GoogleNews, “entendendo-se que esta plataforma deve procurar licenciar os conteúdos de notícias”, o que leva os críticos a falarem de uma “taxação” ao utilizador – “uma expressão pouco rigorosa”, segundo Tito Rendas, “mas a ideia é pagar pelos conteúdos de notícias”.