O secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) afirmou este sábado que a mobilidade académica e cultural deve ser o ponto de partida de um processo “difícil” de facilitação da livre circulação de pessoas no espaço lusófono.
Em entrevista à Lusa, o diplomata Francisco Ribeiro Telles, que hoje toma posse como secretário executivo da organização, considera que o ponto de partida da livre-circulação de pessoas é “a proposta conjunta de Portugal e Cabo Verde para a criação de um regime de autorizações de residência válido para todos os países da CPLP, fundado no critério da nacionalidade, mas que pressupõe o reconhecimento recíproco de habilitações académicas e qualificações profissionais e a portabilidade dos direitos sociais”.
É “importante aproximar a CPLP dos seus cidadãos e encontrar mecanismos que reforcem este objetivo. Todos nós, de uma forma ou de outra, temos a consciência que a CPLP ainda tem dificuldades em ser percecionada pelos cidadãos nos vários estados membros, como uma organização que lhe proporciona de certa forma vantagens”, afirmou.
E acrescenta: “Penso que a CPLP se tem de transformar cada vez mais num verdadeiro espaço de cidadania”.
Em Santa Maria, Cabo Verde, durante a última cimeira de chefes de Estado da CPLP, foi destacada a mobilidade como uma questão central para a organização, recorda Ribeiro Telles.
“Podemos escolher uma via intermédia de concretização, começando pela mobilidade académica e cultural. Isto é o que está em cima da mesa, e em estudo”, explicou.
Mas este não é um processo fácil de concretizar, uniformizando o regime dos nove estados que compõem a CPLP.
“Temos de ir passo a passo, sermos realistas e ver o que é possível fazer”, acrescentou.
Ainda assim admite: “O meu desejo é que no fim do meu mandato, em final de 2020, possam ter havido avanços efetivos nessa matéria. Mas isso não depende de mim depende da vontade dos estados-membros optarem por esse caminho”.
Na União Europeia é muito diferente, os estados estão na Europa, há uma continuidade geográfica, enquanto na CPLP os seus estados-membros estão dispersos pelos quatro continentes, e isto torna a tarefa de criar um regime de mobilidade para os cidadãos mais “difícil e complexa”, refere o diplomata, que aponta a cultura e os oceanos como outras prioridades do seu mandato.
Francisco Ribeiro Telles, que substitui Maria do Carmo Silveira no cargo de secretário executivo da CPLP, tem como ambição “consolidar cada vez mais a CPLP no contexto internacional e valorizar as suas potencialidades”.
“O meu desafio é levar por diante o lema da presidência de Cabo Verde: as pessoas, a cultura e os oceanos. Esse lema será a minha referência constante”, disse.
Trata-se de “um lema bastante feliz. Porque não poderia ser mais apropriado para ilustrar os traços identitários da CPLP”.
Sobre o contexto político em que vai assumir a liderança do secretariado executivo da CPLP diz que o “novo cenário, com um novo empenhamento de Angola em assumir a presidência da CPLP é um sinal de que atribui importância à organização e vê-a como um instrumento útil e válido para a sua política externa”.
Em relação ao Brasil,”também não tenho sinais em sentido contrário” do empenho do país no seio da CPLP.
Quanto à crise na Guiné-Bissau, recorda que a CPLP chegou a ter um representante especial naquele país, um projeto suspenso “por dificuldades financeiras”.
“O que constato é que quando há um debate sobre o que se passa na Guiné-Bissau, e sobretudo nas Nações Unidas, a CPLP está presente e tem uma voz importante nesse debate”, afirma.
“A Guiné-Bissau vai ter eleições, haverá com certeza uma missão de observação eleitoral, e a CPLP tem de ter um diálogo muito construtivo e muito constante. Além disso, eu próprio vou ter um diálogo diário com o embaixador do país em Lisboa sobre formas e modalidades em que a organização poderá apoiar ainda mais o processo eleitoral”, assegurou.
Já sobre o comportamento da Guiné Equatorial na CPLP, Francisco Ribeiro Telles recorda que se trata de “um membro de pleno direito da CPLP”, com os mesmos “direito e deveres” que os outros estados.
No momento da sua adesão foi estabelecido um roteiro de integração da Guiné Equatorial que assentava em três premissas: o uso pleno do português como língua oficial, abolição da pena de morte [ainda em vigor no país] e a incorporação das normas do Estado de direto democrático.
“Esse roteiro continua em vigor e compete aos chefes de estado e de Governo e não a mim, fazerem uma análise sobre essa matéria. É isso que está, digamos assim, em cima da mesa”, explicou.
“A CPLP inscreve os direitos humanos como um valor essencial, mas também não vamos dar lições de moral a ninguém”, disse Ribeiro Telles, que minimizou a importância do seu papel quanto a Malabo, governado por Teodoro Obiang num regime considerado ditatorial por várias organizações internacionais.
“Manterei um contacto muito estreito com as autoridades da Guiné Equatorial, com certeza que também saberei avaliar os progressos que tem feito e irei incitá-los a prosseguir com base nessas três premissas que a própria CPLP estabeleceu”, disse.