João Almeida arrancou o debate desta quinta-feira — um agendamento potestativo sobre a Caixa Geral de Depósitos — a apontar baterias à “promiscuidade evidente de um Governo específico, o Governo de José Sócrates, e aqueles que foram os projetos mais catastróficos” do banco público. O CDS acusa os partidos da esquerda de “cumplicidade” para que o Parlamento não tivesse acesso às conclusões da auditoria independente da EY (antiga Ersnt&Young) ao banco público. Mário Centeno respondeu: “Fizemos o que nenhum outro governo tinha feito nos últimos oito anos.”

O CDS agendou o debate com caráter obrigatório e o deputado rapidamente explicou ao que os centristas vinham: há uma “necessidade de esclarecer muitos factos, apurar muitas responsabilidades e determinar muitas consequências” sobre a forma como a Caixa Geral de Depósitos foi gerida entre 2002 e 2015 — é esse o período em que a auditoria independente se focou.

O porta-voz do CDS disse que as “imparidades” no banco público existem porque “houve créditos aprovados e renovados sem o devido processo ter cumprido as normas em vigor, apesar de pareceres negativos, sem avaliação dos projetos que lhe estavam por base” e, em alguns casos, “sem prestação de garantias” para atribuição de créditos.

João Almeida apontou ainda uma “estranha contradição” parlamentar: o “Governo mais à esquerda da democracia é o Governo que mais se eximiu de exercer o papel de acionista” e, hoje, “não sabe, não quer saber e não deixa que se saiba” que decisões foram tomadas, por quem foram tomadas e quando foram tomadas na gestão da Caixa.

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Nessa posição de não pedir as conclusões da auditoria independente e de as entregar ao Parlamento, o Governo “teve cúmplices neste Parlamento”: é que, diz João Almeida, “BE, PCP e PS trataram de encerrar a comissão de inquérito” sem que as conclusões fossem entregues aos deputados.

Como o CDS pretendia, foi o próprio ministro das Finanças quem assumiu as rédeas do debate em nome do Governo. Mário Centeno sublinhou que “não foi hoje” que o Executivo se dedicou a este tema. Mais, o ministro das Finanças defendeu que o atual Governo fez “o que nenhum outro governo tinha feito nos últimos oito anos”, ao lançar a auditoria independente à gestão do banco público.

Depois, e num debate em que as intervenções começaram depressa a subir de tom, o ministro devolveu as acusações ao CDS: “O vosso sonho era que a Caixa fosse resolvida e vendida”. Antes, Centeno já tinha dito que a Caixa “foi mantida subcapitalizada, com planos de negócios irrealistas” e frisado que o Governo “não pediu nem teve acesso às informações” da auditoria porque elas são “reservadas à administração e supervisão” e estão “sujeitas a sigilo”.

Mas defendeu que isso não significa passividade do Executivo. “Há muito que instruímos a administração da CGD” para enviar as conclusões à Procuradoria Geral da República para apurar responsabilidades criminais. Por outro lado, “o apuramento de contraordenações cabe ao Banco de Portugal”.

As intervenções à direita do hemiciclo saíam a um só tom. Leitão Amaro (PSD) condenou o “encobrimento” de práticas de má gestão no banco público “que o Governo, o PS, o PCP e o BE fizeram ao longo desta legislatura”. Mas também disse que, “tão grave” quanto esse encobrimento foi o papel que o ministro das Finanças assumiu perante o processo. “O acionista, o dono do banco, percebe que há alguma coisa grave, mesmo quando país percebe que é grave, e o que diz? Eu não quero saber”, apontou o social-democrata.

Os portugueses hoje sabem que o Governo mete cinco mil milhões do dinheiro deles na Caixa e o ministro não quer saber”, conclui Leitão Amaro.

Nessa troca de acusações entre esquerda e direita, o deputado do PSD apontou ainda três razões para que o Governo tivesse adotado outra posição e tivesse pedido acesso ao relatório da EY: Por um lado, “não se envolve tanto dinheiro dos portugueses sem saber as causas, os porquês e o que aconteceu” no banco público; depois, diz, “é ao Governo que cumpre definir modelo de governação e as linhas estratégicas” do banco; e, por último, “a responsabilidade civil também é competência do acionista”, logo, “havendo falhas com esta dimensão”, é ao Governo que cabe exigir a essa responsabilidade. “Mas o senhor não quer saber”, atirou ao ministro Mário Centeno.

Bloco “não faz fretes” e acusa CDS de “oportunismo”

O Bloco de Esquerda já estava na linha de fogo quando Mariana Mortágia subiu ao púlpito. Na defesa do partido, a deputada garantiu que, em matéria de banco público, o Bloco “não faz fretes” a ninguém. E estendeu uma lista imensa de nomes e projetos ligados à Caixa que comprometem PSD e CDS, mas também o PS. “O Bloco de Esquerda quer saber tudo o que se passou e tudo faremos parque esta auditoria chegue à AR e esta AR possa discutir com seriedade”, garantiu.

Mariana Mortágua clarificou as águas:

Queiramos saber tudo, não escondamos nada, mas tenhamos a consciência que o passado da Caixa é Sócrates e é Vara, mas também é Espírito Santo e é BCP, é PSD e é CDS, é construção e é imobiliário, o passado da Caixa é o passado da economia portuguesa, é a porta giratória entre negócios e política que sempre denunciámos.”

Antes, a deputada do Bloco já tinha passado em revista os nomes ligados ao banco público. Carlos Costa, Faria de Oliveira, Armando Vara, Celeste Cardona, Rui Horta e Costa e Luís Horta e Costa e Carlos Santos Ferreira. Mas também houve projetos de investimento como o do empreendimento de Vale de Lobo, a CIMPOR ou um outro banco, o BCP. “Muitas das críticas que fazem ao passado da Caixa, a Armando Vara e José Sócrates, são verdadeiras e são justas, mas o oportunismo e a leviandade com que escolheram ler só algumas páginas deste dossier também é em si uma forma de instrumentalizar política”, acusou.

Mortágua questionou ainda a posição que o CDS assume agora que o resultado da auditoria foi conhecido: “Porque só agora vos mordeu o bicho da transparência?” E justifica que a razão pela qual o resultado da auditoria não foi enviada ao Parlamento — posição que o Bloco de Esquerda aceitou — teve com o facto de o partido saber, de antemão, “que não seria enviada por problemas de segredo de justiça”.

O PCP defendeu juntou PS, PSD e CDS no pote dos partidos com responsabilidades na gestão da caixa dos últimos 15 anos. O deputado Paulo Sá disse que “é indesmentível a necessidade de cabal apuramento das responsabilidade pessoais” nas decisões que, “por incompetência, com dolo ou por mera inação” conduziram “a perdas avultadas” no banco público.

O resultado divulgado no início da semana é ainda uma versão preliminar da auditoria à Caixa. Mas, diz o deputado comunista, “já é possível concluir que, em resultado de erradas orientações políticas de PS, PSD e CDS, que quiseram alinhar pelo setor privado” as decisões tomadas pela administração do banco público que “beneficiaram interesses privados em detrimento de interesse públicos”.

PS, PSD e CDS terão de assumir as suas responsabilidades pelas administrações que nomearam” para o banco público, defendeu Paulo Sá.

O debate desta quinta-feira foi marcado pelo CDS. Logo em cima da divulgação do relatório da auditoria pela EY (antiga Ernst&Young), os centristas agendaram o tema para, “de uma vez para todas”, clarificar “o que está em causa e a responsabilidade que o Estado tem” no banco público, enquanto acionista da CGD.

“Não deixaremos de cumprir a nossa missão, exigindo responsabilidade por créditos sem garantias, sem avaliar se havia ou não condições para o pagarem, de bónus pagos a administradores que causaram prejuízos”, disse o deputado João Almeida.

Caixa. Como foram decididos os negócios mais ruinosos para o banco do Estado

O relatório da EY confirmou práticas irregulares de algumas das administrações da Caixa Geral de Depósitos: intervenção do Estado, decisão contrária a recomendações e pareceres técnicos internos sem a devida justificação, aquisição de ativos acima do valor real que levaram ao reconhecimento posterior de perdas, ausência de monitorização, conflitos de interesses, falta de evidência de documentação no suporte à decisão são alguns dos exemplos.

Em maio do ano passado, ainda as conclusões da auditoria independente à Caixa estavam em fase de conclusão, o ministro das Finanças admitia que o resultado desse trabalho pudesse seguir para o Ministério Público. Era a resposta a um pedido do CDS para que o resultado da auditoria fosse remetido ao Parlamento. Mário Centeno disse então que, havendo “situações enquadráveis” do ponto de vista criminal, seria o Ministério Público o destino mais válido para aquela informação.

Mas as conclusões preliminares da auditoria acabariam por ser divulgadas esta semana. Num espaço de comentário que ocupa na CMTV,  a ex-bloquista Joana Amaral Dias revelou as primeiras linhas do conteúdo do relatório que apontava para a atribuição de créditos que tinham merecido pareceres de elevado risco por parte do gabinete de análise de risco do banco público. Noutros casos, esse parecer nem sequer tinha sido elaborado.