Foi por iniciativa do Parlamento que o Governo encomendou à administração da Caixa Geral de Depósitos uma auditoria forense à Caixa Geral de Depósitos, mas enquanto os deputados ainda não tiveram acesso ao documento, uma versão preliminar foi divulgada num comentário televisivo por uma ex-deputada do Bloco de Esquerda.

A auditoria a 16 anos de gestão da Caixa foi decidida em Conselho de Ministros em 2016, depois de um projeto de resolução aprovado na Assembleia da República no ano da polémica sobre a recapitalização do banco do Estado em que foi também lançada uma comissão parlamentar de inquérito. A auditoria independente realizado pela EY (antiga Ernst&Young), cujo relatório só foi terminado no ano passado, tinha como principal objetivo apurar a origem das perdas em créditos que obrigaram o banco do Estado a fazer a maior recapitalização da banca portuguesa.

O documento foi entregue no ano passado ao Banco de Portugal e Procuradoria-Geral da República. Mas o órgão que o pediu, o Parlamento, ainda não recebeu a dita auditoria, apesar de já a ter pedido. Não obstante a nega aos deputados, o relatório preliminar desta auditoria foi revelado este domingo pela comentadora e ex-deputada do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias, na CMTV.

O relatório da consultora e auditora EY, entretanto remetido a alguns órgãos de comunicação social, revela os créditos  concedidos pela Caixa Geral de Depósitos a grandes devedores, entre 2000 e 2015, sem que fossem cumpridas as regras internas. Com base no documento, o jornal online Eco adiantou que a CGD perdeu 1.200 milhões de euros em créditos de risco.  Segundo o Expresso, a CGD também reconheceu perdas de 580 milhões de euros relacionados com sete financiamentos concedidos à margem das “boas práticas na concessão de crédito”. Estas sete operações dizem respeito à devedores como a Artlant (a fábrica da ex-La Seda em Sines), Joe Berardo (através da Fundação Berardo e da holding Metalgest), a Birchview e a QDL (protagonistas do projeto de Vale do Lobo), a Investfino e a Finpro.

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No caso da Artlant, a EY diz que a Caixa reconheceu como perdidos no exercício de 2015 60% dos 350,8 milhões de euros concedidos.

Quanto ao comendador Berardo, o segundo maior devedor, surge na lista com uma dívida de 267,6 milhões de euros por conta da sua Fundação (crédito no qual a CGD deu como perdido 46,5% do que emprestou) e de 52,5 milhões da Metalgest. Neste último caso, a Caixa registou perdas de 27,8 milhões).

No projeto Vale do Lobo, um dos negócios mais polémicos do banco público, a CGD registou uma imparidade de 30% dos 170 milhões de euros que concedeu à imobiliária Birchview e ao Grupo QDL.

A versão que está a ser divulgada por alguns órgãos de comunicação social, como o Expresso, o Eco e o Correio da Manhã, surge semanas depois de a Caixa Geral de Depósitos ter recusado entregar aos deputados a referida auditoria com o argumento de que estaria abrangida pelo segredo bancário, numa primeira resposta. Mais tarde e numa carta assinada pelos presidentes executivo e não executivo, Paulo Macedo e Rui Vilar, a CGD invocou o segredo de justiça, sustentado pela circunstância de a auditoria ter sido enviada ao Ministério Público.

Parlamento vai pedir ao Ministério Público auditoria à Caixa Geral de Depósitos

Em declarações ao Observador, o deputado do PSD, António Leitão Amaro, considera lamentável que o Governo e a Caixa tenham recusado a entrega ao Parlamento de uma auditoria cuja realização foi deliberada pelo próprio Parlamento. Mas acrescenta que não fica surpreendido uma vez que considera que o Executivo “quer esconder o que aconteceu” no banco do Estado. E diz que quanto mais se sabe, mais “ficamos chocados com a teia de poderes” que envolveu vários ex-políticos e antigos gestores

Os deputados da comissões de orçamento e finanças aprovaram entretanto um requerimento a pedir a auditoria à PGR que está a investigar suspeitas de gestão danosa no banco estatal. Mas antes de receberam resposta da Procuradoria, uma versão preliminar da auditoria foi divulgada por Joana Amaral Dias com informação sobre os maiores devedores, as perdas nas grandes operações e as falhas no controlo prévio do risco destes empréstimos.

Para além da própria Caixa Geral de Depósitos, da EY e da PGR, a auditoria forense é ainda do conhecimento de elementos da PwC que fizeram a validação final do relatório, do Banco de Portugal e do Mecanismo Único de Supervisão. Apesar de ser acionista e de ter sido quem pediu à administração da Caixa a auditoria independente, o Ministério das Finanças não terá recebido uma cópia do documento. Pelo menos foi essa a informação dada pelo secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, aos deputados no ano passado.

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Entre a informação divulgada pelo o Eco está uma lista de 64 dos 200 grandes devedores. O relatório de auditoria forense ao banco público revela que no período entre 2007 e 2012 — apanha as administrações lideradas por Carlos Santos Ferreira e Faria de Oliveira, e só neste período, já que a análise da EY abrange o período desde 2000 — a Direção de Risco do banco público recusou cerca de 7% das operações de crédito a grandes devedores que depois acabaram por ser concedidos com o visto bom da gestão da Caixa.

Além de créditos concedidos ao arrepio “do parecer desfavorável da análise de risco”, e sem que tenham sido dadas justificações para isso mesmo, também foram aprovados créditos sem que tivesse sido apresentado “um parecer técnico da Direção Global de Risco” relativo à operação, sem que existam provas de que “foi apresentada toda a informação exigível para fundamentar a aprovação” do mesmo ou sem que as garantias assinadas em contrato sejam “suficientes para cobrir o rácio de cobertura de 120%”, tal como constam das regras. As operações de crédito destes 64 devedores enquadram-se em pelo menos uma destas irregularidades.

“A 31 de dezembro de 2015, a CGD ainda tinha exposição a 46 desses clientes, num montante total de 2,96 mil milhões de euros em dívida”, escreve o jornal com base no documento da EY. Por essa altura as imparidades com esses créditos ascendiam a mais de 1,19 mil milhões de euros.

Ainda que os casos mais ruinosos de empréstimos concedidos no passado pelo banco do Estado já sejam conhecidos, a auditoria forense tem nova informação sobre as circunstâncias em que essas operações foram autorizadas, quem as autorizou e se foram seguidas as regras internas de avaliação de risco e de obtenção de garantias, bem como as reestruturações e renegociações de empréstimos que vieram a aumentar a exposição do banco do Estado a esses credores.

Marques Mendes: “Mais dia, menos dia, podemos ter acusações de gestão danosa da CGD”

Por outro lado, o Parlamento aprovou já este ano um diploma que obriga o Banco de Portugal a elaborar relatórios sobre os bancos que recorreram à ajuda públicas nos últimos 12 anos, com a divulgação dos dados agregados e anónimos sobre as operações cujas perdas levaram à necessidade de apoios públicos. Informação individualizada sobre essas operações deverá ser remetida ao Parlamento que também vê reforçado o acesso a dados tradicionalmente protegidos pelo sigilo bancário em sede de comissões de inquérito. Este diploma está agora nas mãos do Presidente da República, sendo que o Banco de Portugal continua a ter grandes reservas à sua aplicação.

Deputados aprovam na especialidade divulgação dos grandes devedores da banca

O braço de ferro, entre o Parlamento, por um lado, e o Governo, Caixa e Banco de Portugal, por outro lado, para a divulgação dos grandes devedores da banca já teve vários rounds, sobretudo centrados na Caixa Geral de Depósitos. A comissão de inquérito à recapitalização da Caixa conseguiu junto do Tribunal da Relação um acórdão que obrigava o banco a entregar informação protegida sobre o segredo bancário, mas a CGD, Banco de Portugal e Ministério das Finanças foram recorrendo e depois o PS e os partidos a esquerda acabaram por não impedir o prolongamento do prazo da comissão de inquérito, o que não permitiu ao Tribunal julgar os último recursos apresentados contra a entrega de dados sobre grandes devedores.