Leonor Cipriano, condenada pelo homicídio da filha Joana, saiu esta quinta-feira de manhã em liberdade, avança o Jornal de Notícias. A reclusa cumpriu cinco sextos da pena de 16 anos e 8 meses a que foi condenada, tendo-lhe sido por isso concedida a liberdade condicional. De acordo com o Código Penal, “o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

A mulher estava a cumprir pena na prisão de Odemira, em Beja, e tinha tido a primeira saída precária em 2010. Esta quinta-feira, enquanto saía, voltou a afirmar a inocência que sempre defendeu durante o processo: “Fui condenada sem provas. Não matei a minha filha. Nunca lhe faria mal. Só confessei tudo porque fui agredida na PJ de Faro”, afirmou.

“Vou à procura da minha filha. Hei-de encontrá-la nem que seja no céu”. Leonor Cipriano sai da prisão

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Leonor voltou a frisar o mesmo em declarações à TVI, dizendo que entrou na cadeia de Odemira “sem fazer mal” à filha. “Vou dizer sempre até ao resto da minha vida: onde quer que ela esteja, quem a levou, quem lhe fez mal, por favor, devolvam-na. É o que eu tenho a dizer”, disse, acrescentando que sai do estabelecimento prisional regional “de cabeça erguida”. A mulher adiantou ainda ter arranjado um “trabalhinho”, ao qual se vai dedicar.

Joana “saiu e nunca mais voltou”. Quem diz o contrário, está a mentir

Joana tinha oito anos quando, a 12 de setembro de 2004, desapareceu sem deixar rasto. Questionada pela TVI sobre o que aconteceu à criança, Leonor Cipriano disse que a filha “saiu e nunca mais voltou”. “Se disserem que ela regressou a casa, é mentira. Não regressou, isso é mentira. Não regressou mais a casa desde que saiu”, disse a mulher à porta do estabelecimento prisional de Odemira, em Beja.

Leonor foi detida no final do mesmo mês de setembro na situação de principal suspeita do homicídio da filha, pelo qual acabou por ser condenada, em novembro de 2005, a 20 anos e 4 meses. A pena foi depois reduzida para 16 anos e 8 meses em 2008, pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas a decisão, como lembra o Diário de Notícias, não reuniu consenso. Dois juízes conselheiros defenderam a absolvição da mãe de Joana cujo corpo nunca foi encontrado.

Apesar de uma condenação sem prova física ser rara em Portugal (um dos poucos casos é o do primeiro julgamento de Francisco Leitão, o Rei Ghob, condenado pelo homicídio de três jovens, Tânia, Ivo e Joana, cujos cadáveres nunca foram descobertos), o Tribunal de Portimão deu como provado, em 2005, que Joana foi espancada pela mãe e o tio, João Cipriano, depois de ter regressado a casa com o leite e conservas que lhe tinham pedido comprasse no café da aldeia da Figueira, nos arredores de Portimão, onde moravam. Além de evidências recorridas na casa da família, as autoridades sustentaram a acusação no relato de João, que confessou o crime.

Segundo o acórdão, citado pelo Diário de Notícias, Leonor e João “agiram com plena consciência das consequências dos seus atos ao espancarem violentamente a pequena Joana”. Usando a “sua força desproporcional relativamente à de uma criança de oito anos”, os dois irmãos só pararam de bater em Joana “quando a mataram, apesar de ela sangrar pelo nariz, boca e têmpora”. O Tribunal foi especialmente duro com a mãe da criança, por considerar que esta tinha o dever de defender a filha. Não só não o tinha feito, como ainda tinha sido a responsável pela sua morte.

Leonor e João Cipriano foram julgados em 2005, no Tribunal de Portimão. Joana desapareceu em setembro de 2004 (LUIS FORRA / LUSA)

Depois da morte de Joana

A morte da criança terá sido provocada por uma forte pancada na cabeça. “A dada altura, os arguidos começaram a dar sucessivas pancadas na cabeça da menor Joana, levando-a a embater com a cabeça na esquina da parede”, referia o acórdão de 47 páginas, segundo o Jornal de Notícias.

Ao se aperceberem que Joana não respirava, “e não querendo ser responsabilizados pela morte da filha e sobrinha”, decidiram apagar todos os vestígios e investir na história de que a menor teria sido raptada. Enquanto Leonor ficava em casa a limpar o sangue com uma esfregona, João deslocou-se ao café da localidade para informar o companheiro de Leonor, António Leandro, que a criança de oito anos tinha desaparecido.

Enquanto Leandro procurava Joana com a ajuda de um amigo, Carlos Alberto, os dois irmãos trataram de desfazer-se do corpo da menor, recorrendo para isso a uma faca e a uma serra de cortar metal. O processo “não terá levado mais de 30 minutos”. Depois disso, o cadáver da menor foi colocado em três sacos de plástico, que a mãe e o tio da criança terão, “pelo menos”, tentado por dentro de uma pequena arca frigorífica. A polícia encontrou vestígios no local, mas não foi possível comprovar que o sangue era de Joana.

Depois disso, o corpo terá sido dado a comer aos porcos. Isso não ficou claro na acusação, mas essa era a convicção dos inspetores da Polícia Judiciária (PJ). De acordo com o noticiado na altura, o cadáver esquartejado de Joana terá sido “lançado aos porcos” numa pocilga próxima da Mexilhoeira Grande, perto de Portimão, onde a polícia terá encontrado cabelos e pequenos pedaços de roupa.

O que também nunca ficou claro foi o motivo da agressão. Mas havia teorias. A acusação do Ministério Público referia a tese de que a criança de oito anos teria surpreendido a mãe e o tio a terem relações sexuais no sofá da sala. Isso nunca ficou provado.

Mais sete meses de prisão por agressões que ninguém conseguiu explicar

Como recorda o Jornal de Notícias, Leonor Cipriano foi posteriormente condenada a mais sete meses de prisão por declarações contraditórias durante o julgamento de cinco inspetores da PJ acusados de a terem agredido quando esteve detida na Diretoria do Sul, em Faro. Esta quinta-feira, em entrevista à TVI, Leonor Cipriano voltou a afirmar ter sido vítima de agressões por parte da PJ. Terá sido por causa da tortura de que diz ter sido alvo que terá admitido ter assassinado a própria filha: “Não dizia coisa com coisa”, afirmou.

Apesar de ter confessado à PJ ter sido responsável pela morte da filha, Leonor negou tudo em tribunal. Mais tarde, o seu advogado tentou defender a hipótese de que Joana tinha sido vendida para Espanha e que a família do padrasto, ilibada durante o processo de investigação, tinha ficado com o dinheiro.

As agressões foram de facto dadas como provadas pelo Tribunal de Faro mas não foi possível apurar a identidade dos atacantes. Três dos cinco inspetores da PJ — Leonel Marques, Paulo Pereira Cristóvão e Paulo Marques Bom — foram absolvidos. Os restantes, Gonçalo Amaral e António Nunes Cardoso, foram condenados a ano e meio de prisão, com pena suspensa, por falsidade de depoimento. Este julgamento aconteceu em maio de 2009.

O advogado dos inspetores da PJ, António Colaça, mostrou as fotografias tiradas a Leonor Cipriano depois da agressão no início do julgamento em Faro, em 24 de Outubro de 2008 (LUIS FORRA / LUSA)

João Cipriano continua a cumprir pena na Carregueira

João Cipriano encontra-se a cumprir a mesma pena que a irmã — 16 anos e 8 meses — na cadeia da Carregueira, em Sintra. Originalmente condenado a 19 anos e 2 meses, o tio de Joana também viu a sua pena ser reduzida em 2008 pelo Supremo Tribunal de Justiça. Gozou a primeira saída precária durante a Páscoa de 2015, cerca de um ano depois de ter apresentado um primeiro recurso, que foi recusado pelo Tribunal de Execução de Penas (TEP).

Na altura, o TEP argumentou que, apesar de João ter cumprido metade da pena no final de setembro de 2013, não assumia a prática dos crimes, exteriorizava sentimentos de vitimização, não demonstrava empatia para com a vítima, tinha cadastro e quatro sanções disciplinares enquanto recluso.