O secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) assumiu como sua a decisão de sugerir ao diretor da organização, Álvaro Santos Pereira, que não participasse na apresentação do Economic Survey sobre Portugal que se realizou esta segunda-feira em Lisboa. Em resposta aos jornalistas, Angel Gurría explicou que deu essa sugestão depois da “fuga infeliz” de uma versão preliminar do relatório sobre a economia portuguesa onde era especialmente desenvolvida a necessidade de combater a corrupção, com medidas concretas.
“A minha decisão de sugerir a Álvaro de não participar foi depois desta fuga desafortunada, porque não desejava que a conferência fosse sobre Álvaro, mas sim sobre Portugal”.
Sublinhando que o Sr. Pereira “é um profissional sério e competente” e que participa enquanto diretor do departamento de economia da OCDE na discussão de todos os casos, sublinhou também que “a responsabilidade é do comité onde participam todos os países membros. O objetivo foi transmitir as mensagens substanciais da OCDE e não alimentar esta controvérsia, justificou ainda Gurría.
Em causa está não apenas a divulgação de um draft do relatório sobre Portugal, mas também a manifestação de desconforto por parte das autoridades portuguesas sobre o retrato feito do país, ao nível de indicadores internacionais, e em relação a medidas para combater os casos de corrupção. Esta versão preliminar que o Observador divulgou continha propostas concretas, como a criação de um tribunal especializado para julgar casos de corrupção e a redução do tempo e frequência de recursos por parte da defesa para adiar a execução de sentenças de condenação. O documento final mantém algumas das recomendações, mas não vai tão longe.
O secretário-geral da organização foi detalhado na descrição do processo “não muito sexy do ponto de vista noticioso” de elaboração destas análises económicas por país que são feitas de dois em dois anos. Começa com uma primeira missão para recolha de estatísticas e meses mais tarde há uma discussão com as autoridades sobre as políticas. Com estes dois elementos, as equipas técnicas preparam um draft e depois são dedicados alguns dias à discussão da versão preliminar. A versão que é submetida à discussão com os representantes de Portugal, em regra já uma delegação importante, é ainda preliminar, esclareceu Gurría. Depois há uma “decantação, uma conclusão, uma versão definitiva que é esta”. Segundo o secretário-geral da OCDE, há muitas versões preliminares, como a que foi divulgada que gerou controvérsia. “É lamentável, mas não é irreparável”
“Temos um processo de diálogo que não pretende gerar controvérsia”. Mas por outro lado, sublinha, o relatório da OCDE “não seria útil se dissesse que tudo estava perfeito. Portugal tem de se olhar no espelho. E perceber se gosta de se ver no espelho. É assim com todos os países da OCDE. Não desejamos dizer aos portugueses o que fazer de Portugal, porque sabem mais do que nós. O que fazemos é dizer o que fazem os outros sobre os mesmos problemas: produtividade, educação, capitalização dos bancos, etc. “
Questionado sobre o mal-estar manifestado pelo Governo, o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, lembrou que relatórios preliminares são documentos de trabalho que estão sujeitos à discussão e que a OCDE é uma organização independente, razão pela qual as análises que produz são credíveis.
“Mas poderei dizer, sem entrar em pormenores, que vários aspetos foram objeto de discussão, como a identificação de medidas de política pública, bem como a discussão da importância relativa de aspetos a considerar. O Estado fez chegar as suas observações e discutiu-as e o comité decidiu qual devia ser a versão definitiva.”
Sem especificar que aspetos foram discutidos, Siza Vieira sublinhou que o Economic Survey é produzido pela OCDE, há interação, mas é a OCDE quem tem responsabilidades pelas propostas de políticas pública. O ministro recordou ainda que no passado a organização fez propostas de políticas, algumas foram seguidas e outras não. E exemplificou com sugestões do documento apresentado esta segunda-feira: “É verdade que a OCDE defende que se podem subir as receitas do IVA, sobre os combustíveis e do imposto sobre imóveis, mas o Governo não tem de seguir” essas recomendações.
Santos Pereira não foi à apresentação do Economic Survey, realizada no salão Nobre do Ministério da Economia, no Chiado. Mas a sua fotografia estava na sala da apresentação enquanto ex-ministro da Economia entre 2011 e 2013.
Antes da mini-conferência de imprensa, na qual só houve direito a duas perguntas de jornalistas. o ministro Siza Vieira sublinhou quatro mensagens apresentadas no documento. E nenhuma delas era sobre justiça.
- A recuperação económica do país está consolidada. É reconhecido o crescimento assinalável das exportações e a notável recuperação do desemprego. A política de recuperação de rendimentos, o consumo privado está a dar um contributo positivo.
- A OCDE assinala que a economia está sustentada em bases sólidas, como a redução da divida. O crescimento das exportações assentou muito na melhoria da qualidade e dos bens e serviços prestados e aumentou intensidade tecnológica e a qualificação de recursos humanos. Os custos de financiamento às empresas têm diminuído e o fluxo de crédito às empresas recomeçou a crescer. Apesar de se manter a tendência de redução da divida, o investimento empresarial aumentou com mais auto-financiamento e a execução de fundos europeus, onde destaca o papel do Programa Capitalizar. Foram dados passados no sistema de insolvência e recuperação de empresas e na redução dos tempos pendentes nos processos judiciais.
- Em terceiro lugar, a OCDE reconhece que apesar das vulnerabilidades em algumas áreas — que resultam do elevado endividamento externo e de incerteza com o Brexit e as guerras comerciais — os fatores de risco para a economia portuguesa diminuíram de forma significativa. E aponta a melhoria consistente das finanças públicas, a estabilização do sistema financeiro e a redução do endividamento empresarial e dos riscos para as famílias.
- Em quarto e ultimo, as perspetivas de crescimento económico para os próximos anos são sólidas e estáveis. As projeções assinalam que o crescimento português deverá continuar a ser superior ao da média da União Europeia.
Siza Vieira admite que ainda há trabalho a fazer e que o relatório discute alguns problemas que afetam o país e faz sugestões de algumas políticas publicas. “O Governo reconhece-se em muitas delas”, como a diminuição da população ativa e a necessidade recuperar emigrantes.