O cardeal australiano George Pell, antigo número 3 da hierarquia do Vaticano, foi considerado culpado por cinco crimes de abuso sexual de menores por um júri do tribunal de Melbourne, confirmou esta segunda-feira a justiça australiana, dois meses depois de a decisão ter sido noticiada por alguma imprensa internacional apesar da reserva a que estava sujeita pelo tribunal. Pell vai recorrer da decisão do júri.
George Pell, que em 2014 foi nomeado pelo Papa Francisco para colocar as finanças do Vaticano em ordem, é culpado de ter penetrado um rapaz de 13 anos e de, em quatro ocasiões, ter cometido “atos indecentes” com outro menor de 13 anos. Estes episódios terão ocorrido entre dezembro de 1996 e o início de 1997 na Catedral de São Patrício, em Melbourne, poucos meses depois de Pell ter sido nomeado arcebispo da cidade.
Segundo explica o The Guardian, um dos meios de comunicação que estiveram presentes no julgamento, o júri considerou verdadeira a acusação do Ministério Público australiano, segundo a qual Pell terá cometido abusos sexuais sobre menores que faziam parte do coro da catedral de São Patrício, em Melbourne.
Uma das vítimas contou em tribunal que ele e outro colega, que na altura tinham 13 anos, abandonaram discretamente a procissão do coro no final de uma missa, e dirigiram-se para a sacristia, onde beberam do vinho utilizado para a celebração. A dada altura, Pell entrou na sacristia e disse-lhes que não podiam estar ali.
Depois, Pell abriu as vestes litúrgicas que trazia de forma a mostrar o pénis e obrigou os dois menores a fazerem-lhe sexo oral. A seguir, obrigou um dos menores a tirar as calças e acariciou-lhe os genitais enquanto se masturbava. Pell repetiu os ataques a um dos menores mais tarde, já em 1997.
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Este processo já tinha sido julgado em agosto do ano passado mas, ao contrário do que aconteceu agora, o júri não tinha conseguido elaborar um veredito final. O caso voltou à estaca zero e foi reavaliado pelos tribunais australianos, que cinco meses depois, com um novo júri, consideraram o ex-tesoureiro do Vaticano culpado pelos cinco crimes.
A pena em si ainda não é conhecida, sabe-se apenas que o júri considerou o clérigo culpado. Cabe agora ao juiz aplicar a sentença, mas tudo indica que será uma pena de prisão efetiva. George Pell encontra-se em liberdade por ter pagado a fiança e por estar a recuperar de uma lesão no joelho. Uma realidade que pode ser alterada já na quarta-feira, o dia em que Pell deverá falar em tribunal e poderá ser levado sob custódia se confessar os crimes. A leitura sentença está marcada para a próxima semana.
O cardeal George Pell, hoje com 77 anos, foi nomeado em 2014 pelo Papa Francisco para o cargo de prefeito da Secretaria para a Economia do Vaticano, com o objetivo de conduzir a reforma económica da cúpula da Igreja Católica e limpar a imagem de uma instituição marcada pelos escândalos financeiros dos últimos anos. Pell era, até esta semana, um dos membros do poderoso C9, o restrito conselho de consultores do Papa Francisco.
Porém, em junho de 2017, o cardeal australiano foi formalmente acusado pelas autoridades australianas por ter cometido crimes sexuais. A investigação que se sucedeu viria a revelar mais crimes, nomeadamente os cometidos contra aqueles dois menores na década de 90. Na sequência da acusação, Pell deixou temporariamente as suas funções em Roma e regressou à Austrália para se defender em tribunal.
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Em 2017, o cardeal Pell deu uma entrevista ao Observador na qual negou as acusações de que era alvo — não só as que recaíam sobre si próprio, mas também as de que teria ocultado abusos cometidos por padres da sua diocese.
Em dezembro de 2018, dois dias após a decisão do júri australiano, o Papa Francisco anunciou a dispensa de três cardeais do C9, incluindo George Pell. A justificação oficial comum a todos os dispensados era a idade avançada dos cardeais — embora dois deles, Pell e Javier Errázuriz, estejam envolvidos em casos relacionados com abuso sexual de menores nos seus países de origem.
Bispos australianos chocados com crimes. “Todos são iguais à luz da lei”
O arcebispo de Brisbane, Mark Coleridge, presidente da conferência episcopal da Austrália, garantiu esta terça-feira que “os bispos concordam que todos devem ser iguais à luz da lei”, num comunicado em que sublinhou que “as notícias sobre a condenação do cardeal George Pell por crimes de abuso sexual históricos chocou muitos na Austrália e em todo o mundo, incluindo os bispos católicos da Austrália”.
“Nós respeitamos o sistema legal australiano. O mesmo sistema legal que chegou ao veredicto vai considerar o recurso que a equipa legal do cardeal apresentou. Esperamos, em todos os momentos, que através deste processo, a justiça seja servida”, afirmou Coleridge.
“Entretanto, rezamos por todos aqueles que sofreram abusos e pelos seus entes queridos, e comprometemo-nos novamente a fazer todo o possível para assegurar que a Igreja é um lugar seguro para todos, especialmente para os mais novos e vulneráveis”, acrescentou o bispo.
Jornalistas que divulgaram informação antes do tempo podem ser condenados
A decisão do júri foi tomada em 11 de dezembro do ano passado, mas foi mantida sob reserva pelo tribunal devido ao facto de haver um segundo processo contra o cardeal relativo a outras alegações relativas à década de 70. A ordem de supressão proibia os jornalistas presentes nas sessões do julgamento de divulgarem notícias sobre a decisão do júri, para que os membros do júri do segundo processo não fossem influenciados por essas informações.
Ainda assim, em dezembro, vários meios de comunicação social internacionais, incluindo o Daily Beast, o Washington Post ou a CNN divulgaram a notícia, que chegou rapidamente a toda a imprensa especializada católica — já que apenas os meios de comunicação australianos ou os que tivessem estado presentes no julgamento estavam abrangidos pela ordem do tribunal que impedia a publicação de notícias sobre o caso.
Isso explica que jornais como o The Guardian, que tem uma edição australiana e que tinha um repórter dentro do tribunal, não tenha publicado nenhuma informação sobre a condenação de Pell até esta segunda-feira.
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De acordo com o The Guardian, a justiça australiana notificou mais de 100 jornalistas pelo facto de terem alegadamente rompido o embargo que existia sobre aquela informação, podendo levar jornalistas, editores e diretores de jornais a responder em tribunal por desobediência.
Nas cartas enviadas aos jornalistas, o Ministério Público australiano explicou que a ordem tinha como objetivo prevenir “um risco real e substancial de prejuízo para a administração correta da justiça” e acusam os meios de comunicação social de terem potencialmente interferido com o processo judicial.
A maioria dos meios de comunicação social australianos que publicaram notícias sobre a decisão do júri em dezembro fizeram-no citando meios internacionais ou não referindo o nome de George Pell, mencionando apenas uma alta figura da Igreja Católica australiana.
Os jornalistas que receberam as cartas tiveram de responder até ao dia 15 de fevereiro com os motivos pelos quais não deviam ser acusados de desobedecer à ordem do tribunal. De acordo com o que disse o juiz em tribunal, há jornalistas e editores que podem mesmo vir a ser condenados a penas de prisão.