Edição número 52 da ModaLisboa, primeiro dia de desfiles no Pavilhão Carlos Lopes, mais uma sexta-feira à noite para o comum dos mortais, com tudo o que isso traz de bom. No espaço que, por questões de sobrevivência da moda portuguesa de autor, é reservado às criações dos designers nacionais, a amostra não podia ter sido mais completa. A agenda começou com Sangue Novo, com um total de seis participantes. São jovens designers com todas as opções do mundo ainda por tomar, incluindo a de virar as costas à passerelle e ir fazer outra coisa qualquer. Três deles receberam prémios, o que nos leva a um rácio bastante favorável a qualquer novato que, numa edição futura, pense em candidatar-se ao dito concurso.

Distribuídas as medalhas, o LAB, que nesta edição da ModaLisboa conta com um total de nove desfiles. É uma plataforma reservada a pequenos designers-marca, a caminho da consolidação dos seus negócios, logo, a apalpar terreno no mercado e, muitas vezes, na própria capacidade de surpreender a plateia, que, no momento do desfile, é mais relevante do que impressionar a clientela. Uns conseguem, outros não. Ainda assim, há lugar para todos e mesmo que uns não sejam tão constantes nas propostas apresentadas, têm sempre a desculpa de estarem no LAB, que vem de laboratório, sítio onde se fazem experiências, onde se erra e se acerta.

Coube a Ana Duarte e a Carolina Machado errar e acertar (não necessariamente por esta ordem, na verdade por ordem nenhuma) neste primeiro dia do calendário. A primeira traçou muito bem a figura central da sua coleção — um jovem consultor que ainda mal passou dos 30, de fato durante a semana e com a prancha de surf debaixo do braço ao sábado de manhã. Duarte, a marca, tem vindo a delimitar muito bem a sua praia, estação após estação — tem uma paleta de cores própria (verdes, laranjas, azuis, cinzentos), uma linha de padrões característicos (identificável logo ao segundo ou terceiro coordenado), uma abordagem invariavelmente desportiva e um apetite especial por macacões. Pois bem, para vestir o próximo inverno, tocou em todas estas teclas. Cruzou os fatos da Deloitte com os hoodies da Praia do Guincho, com materiais impermeáveis, neoprenes e malhas pelo meio.

Duarte © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

E se a Ana Duarte ninguém pode apontar falta de coerência, Carolina Machado decidiu romper com a visão diurna e equilibrada que passou nas suas últimas coleções. Quis sair à noite, mas não numa cidade qualquer. Quis sair à noite em Berlim, inspiração que veio ao de cima através do verde néon (aplicado de forma tão inusitado como um fato de cetim), do vinil preto, de um tie-dye meio psicadélico e do xadrez, aparentemente clássico, mas com um acabamento iridescente. Mais uma vez, a tal consultora quis mostrar-se versátil — abriu o armário e vestiu algo com que pudesse sair do trabalho e ir direta para uma technoparade.

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Carolina Machado © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A noite no Pavilhão Carlos Lopes evoluiu no sentido da antiguidade, que é como quem diz: rumo ao topo da pirâmide. “The Future is Now” (O Futuro é Agora) pode ser uma expressão batida, mas Valentim Quaresma puxou-a para título da sua coleção com uma pertinência genuína. O criador retomou o futuro, mais especificamente o ano de 2020, tal como o projetava quando tinha dez anos. Na altura, a imaginação levou-o ao universo manga e à banda desenhada japonesa, imagem que trouxe para a coleção outono-inverno 2019/20. Os longos cabelos apanhados das manequins, os vestidos acima do joelho e a utilização do cor-de-rosa (momento raro na produção do criador) deram força a este futurismo construído há quase 40 anos. As peças de joalharia, imponentes, resultaram do upcycling, prática que Valentim Quaresma mantém desde o início da sua carreira.

Valentim Quaresma © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ricardo Preto: “Sou made in Italy, embora de coração português”

Ricardo Preto encerrou a noite com um exercício de contemplação de cor e forma. O criador eliminou os padrões do desfile e concentrou todas as atenções nas cores sólidas, tudo para realçar uma construção geométrica “de retângulos encaixados em quadrados, por sua vez encaixados em círculos”. “Parti também da hierarquia do clero, as formas também vêm daí. Abrimos com o papa, um coordenado todo branco. Vieram os sacristães, as catequistas, depois as freiras e fechei com uma madre. Inclusive, tenho um cardeal”, conta ao Observador, no final do desfile. De referências tão díspares como a igreja católica e a nova arquitetura da cidade de Manila, onde atualmente vive, Ricardo Preto fez nascer a coleção “Here” (Aqui).

As suas criações para a Rustan’s são vendidas em todo o mercado asiático. O designer sabe bem o que é produzir em grande escala, mas também conhece as dificuldades de aliar a moda de autor à capacidade produtiva do setor têxtil português. Atualmente, as suas coleções em nome próprio (caso da que trouxe, mais uma vez, à passerelle da ModaLisboa) são feitas em Itália. “Tem havido imenso investimento na indústria em Portugal. Acho que esse dinheiro tem sido bem distribuído e bem aplicado, mas também acho que não existe um investimento no design nacional. Não vejo um casamento entre os designers e a indústria têxtil. Vejo uma indústria têxtil muito boa a trabalhar para os outros, enquanto os nossos designers lutam constantemente para terem a sua própria marca”, admite.

Ricardo Preto © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Numa espécie de manifesto, continua: “Eu próprio não tenho, em Portugal, quem me faça as coleções, porque não tenho uma produção muito pequena, nem muito grande. Neste momento, faço tudo em Itália. Isso deixa-me completamente triste. Sou made in Italy, embora de coração português”.

A ModaLisboa continua até domingo, com as propostas de designers portugueses para a próxima estação fria. Para este sábado, estão marcados os desfiles de Constança Entrudo, João Magalhães, Imauve, David Ferreira, Carlos Gil, Awaytomars, Kolovrat e Luís Carvalho. Na fotogaleria, fique com as imagens de sexta-feira, o primeiro dia de desfiles.