O eurodeputado socialista Francisco Assis demitiu-se do cargo de coordenador da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-American (EuroLat), depois de ter sido “impedido de participar” num debate de urgência no Parlamento Europeu sobre a Venezuela, realizado esta terça-feira. Francisco Assis considera, na carta de demissão à qual o Observador teve acesso, que a sua “dignidade parlamentar e pessoal” foi posta em causa. Esta tarde, em declarações aos jornalistas, o eurodeputado Francisco Assis confirmou as razões da demissão e acusou os responsáveis do grupo parlamentar europeu a que pertence de “censura”, uma acusação que o grupo parlamentar europeu rejeitou.
O grupo parlamentar europeu recusou as acusações, em nota enviada ao Expresso, ao dizer que “o S&D não pratica censura” e que “todos os parlamentares têm direito a exprimir-se”, sem deixar de dizer que “existem regras a respeitar, uma vez que os tempos de palavra são limitados”.
O grupo explica que “neste caso concreto, o Sr. Assis não fez o pedido [para falar no debate]”, um formalismo que Francisco Assis nega ao dizer que “o coordenador — cargo que ocupa — não tem de se inscrever para o debate”. O S&D considera que “todos os deputados, incluindo o presidente do grupo, têm de pedir por escrito o tempo de palavra”, diz a porta-voz.
A reação dos socialistas europeus surge depois da delegação portuguesa do PS no Parlamento Europeu negar ter tido qualquer envolvimento nesta decisão e a socialista Ana Gomes – que falou no debate – ter questionado a veracidade dos argumentos do colega de bancada.
Inexplicavelmente, fui impedido de participar no debate hoje [terça-feira] realizado no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, sobre este tema, sem que me tenha sido apresentada uma explicação plausível”, lê-se na carta de demissão de Francisco Assis.
No debate desta segunda-feira, o eurodeputado socialista pediu para falar, depois de o candidato do PSD às eleições europeias, Paulo Rangel, ter falado. Mas, ao contrário do que costuma acontecer, o grupo parlamentar a que pertencem os eurodeputados do PS não lhe deu autorização para falar, alegando que não se tinha inscrito para o fazer.
O eurodeputado não compreendeu este impedimento especialmente porque “até à presente data”, acrescenta, participou “ativamente em todos os debates levados a cabo neste Parlamento sobre a situação vivida neste país”.
Considero tal facto ofensivo da minha dignidade parlamentar e pessoal, pelo que, para a devida salvaguarda da mesma, venho apresentar a demissão das funções de Coordenador dos Socialistas & Democratas no EUROLAT, com efeitos imediatos”, escreveu ainda.
Já esta quarta-feira, aos jornalistas portugueses que o questionaram em Estrasburgo depois da carta divulgada pelo Observador, Francisco Assis esclareceu: “Eu não tinha de inscrever porque era o coordenador e o coordenador não tem de se inscrever para um debate porque o coordenador, por natureza, está inscrito no debate, só se não quiser falar é que tem de dizer que não quer falar”.
Posto isto, o eurodeputado não poupou nas palavras para classificar o facto de não lhe ter sido dada a palavra no debate de segunda-feira: “Isto tem um nome e é censura, fui vítima de censura no S&D [sigla em inglês do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas]”.
Foi por isso que escreveu a carta de demissão depois do debate e a entregou ao presidente do S&D, Udo Bullmann, ainda na terça-feira. Fonte próxima do eurodeputado confidenciou ao Observador que Francisco Assis sentiu que estava a “ser encostado” pelo PS e que lhe estavam a tirar a liberdade e a responsabilidade numa área onde, aliás, é coordenador.
No entanto, fonte oficial da delegação portuguesa dos eurodeputados do PS, contactada pelo Observador rejeita que tenha havido “qualquer indicação para que Francisco Assis não falasse sobre a Venezuela ou qualquer outro assunto que tenha a ver com a América Latina, antes pelo contrário”. A mesma fonte alega ainda desconhecimento da carta de demissão.
De acordo com a descrição que é feita por um socialista português a partir de Bruxelas, “Assis é o ponta-de-lança” do PS nessas matérias e o caso ter-se-á dado como o culminar de “um conjunto de situações entre o eurodeputado e o grupo do S&D que se têm acumulado nos últimos tempos”, sem especificar quais são essas situações.
Já no Twitter, Ana Gomes partilhou a notícia e disse ser falsa. “É falso que o PS o tenha impedido”, detalhou a eurodeputada do PS em declarações ao Observador. “É uma interpretação que tem uma intenção política de atingir a campanha eleitoral”, acrescenta garantindo que “o PS não impediu nada, não meteu nem prego nem estopa. A questão é saber se o Francisco Assis pediu a palavra” para intervir no debate. Ana Gomes pediu e foi-lhe concedida, depois de ter endereçado um email ao coordenado do grupo socialista na sexta-feira passada. Esta segunda-feira teve o aval para intervir. “Isto é o normal”, diz sobre o procedimento.
“Se eles tivessem pedido para ceder o meu minuto ao Francisco Assis, eu teria cedido”. Ana Gomes diz que nem viu Francisco Assis no debate, mas considera que é quase certo que lhe teria sido dada palavra se a tivesse pedida atempadamente já que “ele é o coordenador da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana”. “Ele terá pedido formalmente a palavra?”, questiona a eurodeputada.
Isto é falso! https://t.co/5zTn3bRV4x
— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) March 13, 2019
Em resposta à colega de bancada, Francisco Assis admitiu não se ter inscrito, mas notou que “a questão da inscrição ou não inscrição é um absurdo” e salientou que “o que é verdade é que, pela primeira vez, num debate sobre a Venezuela”, foi impedido de falar. “Compreendo que a deputada Ana Gomes fale nela [na inscrição] porque ela tinha de se inscrever”, continuou dizendo que, enquanto coordenador dos socialistas europeus na EuroLat, era inclusive “chamado sobre quem é que deve falar em debates sobre a América Latina”.
Quanto ao Partido Socialista, Assis respondeu que nunca falou do PS e centrou a questão no S&D, mas acrescentou: “As razões pelas quais isto aconteceu eu não sei quais são, acho isto tudo muito estranho, de facto”.
Eurodeputado sente-se posto num palco secundário “para não tirar protagonismo a Pedro Marques”
Fontes próximas do eurodeputado explicaram ao Observador que Francisco Assis tem-se sentido colocado em segundo plano desde que começou o período de pré-campanha para as eleições europeias, sobretudo depois de o anúncio dos candidatos do PS. Têm-no posto num palco secundário, “claramente para não tirar protagonismo ao Pedro Marques que não é ainda eurodeputado e aos outros nomes da lista que já estão em Bruxelas”, alega a mesma fonte.
Um dos exemplos apontados aconteceu na última segunda-feira, quando a RTP emitiu o programa “Prós e Contras” a partir de Estrasburgo, para falar de Europa, e onde o eurodeputado que foi cabeça de lista pelo PS nas últimas Europeias não só não esteve no palco, como ficou sentado na segunda fila, na plateia. Algo que terá desagradado a Assis, que terá visto aqui mais um sinal de desvalorização do seu papel.
As mesmas fontes lembram ao Observador que Assis sempre foi uma voz crítica do regime venezuelano e já publicava crónicas de opinião a denunciar a situação vivida naquele país “mesmo quando o PS ainda andava enfeitiçado com as políticas chavistas, mesmo até colocando-se em confronto com o próprio Augusto Santos Silva que tinha uma posição de alguma tolerância inicial com o regime”.
Francisco Assis ocupou o cargo, do qual agora se demitiu, durante dois anos e meio “com empenho e dedicação”, escreve na carta de demissão, “acompanhando de muito perto tudo quanto se passa na América Latina assim como tudo o que tem que ver com a relação entre esta região do mundo e a UE”. “Ademais, na qualidade de presidente da Delegação para as Relações com o Mercosul, segui nos últimos anos com especial atenção a evolução da dramática situação política e económica da Venezuela”, lê-se também na carta.
Notícia atualizada ao início da tarde desta quarta-feira com as declarações da eurodeputada socialista Ana Gomes e novamente ao final da tarde com as declarações de Francisco Assis