A estrela pop da música clássica está de volta a Portugal, 20 anos depois de encher o Coliseu de Lisboa. Desta vez André Rieu veio esgotar a Altice Arena por sete vezes: a 13, 14, 15, 16, 29, 30 e 31 de março. São 12 mil espetadores por concerto, que tornam André Rieu no artista que mais encheu a Altice Arena na história da sala. Entretanto, já anunciou mais duas datas para Portugal: 20 e 21 de novembro.

André Rieu é um artista pouco clássico: nos seus concertos o público canta, dança e bate palmas quando quer. O alinhamento é feito de música clássica, claro, mas também de canções populares e adaptações de bandas sonoras de filmes. O maestro e violinista holandês tem, aos 69 anos, a maior orquestra privada do mundo, a Orquestra Johann Strauss.

O pai já era maestro, os irmãos são todos músicos profissionais, e já na escola André Rieu perguntava aos colegas que tipo de violinos tocavam. Garante que a música clássica é a mais bela criação da Humanidade quer dar alegria às pessoas, e explicou como ao Observador numa entrevista por email.

André Rieu num concerto de Natal gravado em Munique, Alemanha, em 2016. (Hannes Magerstaedt/Getty Images)

O que é que faz o André Rieu esgotar uma arena enquanto muitas outras orquestras tocam em espaços muito mais pequenos?
É uma combinação de muitas coisas. Começa com a escolha do repertório. Eu só interpreto obras que me toquem no coração. O meu alinhamento é como uma boutique de flores e cada flor é diferente. Não categorizo. E depois, comunico com a minha audiência, falo com eles, convido-os a dançar e a cantar connosco. Quando vejo milhares de caras felizes à minha frente, eu também estou feliz. E claro que há muito humor. Portanto a chave são as emoções.

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O seu sentido de humor é uma parte essencial de como se expressa através da música?
Absolutamente. Para mim o humor e o amor são dois aspetos muito importantes da vida. Eu introduzi o humor na música clássica. Adoro entreter as pessoas. As pessoas escrevem cartas a dizer que a felicidade que sentiram no meu concerto lhes durou duas semanas. Os médicos contam-me que os meus DVDs animam os doentes nos hospitais. A vida é séria o suficiente. Espero que eu e a minha orquestra a possamos tornar um pouco mais bonita com a nossa forma de atuar.

Há alguma exibição, algum “show off” nas suas atuações…
Não. Muito pelo contrário. Sou exatamente a mesma pessoa em casa e no palco – pode perguntar à minha mulher! Tudo o que vê no palco é real. Eu e a minha orquestra nunca fingiríamos ser felizes 100 noites por ano. Encontra uma “exibição” na Broadway, com 20 mulheres a olhar para o mesmo lado e a pontapear o ar. As nossas noites não são uma “exibição”. Nós tocamos um concerto com um repertório misto, que também inclui música tradicional e local do país onde vamos atuar e a alegria que sentimos enquanto o fazemos é completamente genuína. A audiência ia perceber de imediato se não fosse real.

Quando toca uma versão de orquestra de temas como “A Loja do Mestre André”, os músicos clássicos mais conservadores menosprezam o seu trabalho?
Alguns talvez o façam, outros não. É uma música muito engraçada e fofa, portanto porque não tocá-la com uma orquestra? Acho que as pessoas a vão apreciar tanto como se se tratasse de uma valsa ou ária. É um momento divertido durante os encores. O que é importante para mim é que a audiência goste.

A música clássica e erudita é feita para as elites financeiras e sociais?
Não, claro que não. Porque é que música tão bela devia estar acessível apenas para um número seleto de pessoas? Eu odeio o snobismo. Todos os compositores, seja o Bach, o Mozart, o Beethoven, o Verdi ou os Beatles, os ABBA e o Andrew Lloyd Weber escrevem música para as pessoas. Música pop vem de “música popular”. A música clássica devia ser tão, ou talvez mais, popular [do que a música pop], como foi no passado, quando as pessoas do século XVIII assobiavam as melodias de Mozart na rua.

O bilhete mais barato para o seu espetáculo custa 40 euros. Com um preço destes, consegue atrair público fora das elites?
Nos meus concertos encontra toda a gente — da senhora da limpeza ao professor catedrático, famílias, casais e solteiros. Portugal é um bom exemplo. Neste momento temos quase 100 mil bilhetes vendidos. A minha música é realmente para todos. Não se esqueça de que eu tenho a maior orquestra privada do mundo e que faço tudo sozinho, com a equipa técnica e os músicos. Eu não recebo dinheiro do Estado, não tenho financiamento. Emprego 110 pessoas. Elas e as famílias delas dependem nas vendas dos nossos bilhetes. E os meus preços não são diferentes dos de um concerto pop, até devem ser mais baratos.

Vê-se como a estrela pop da música clássica?
Não. Vejo-me como um músico que tinha um sonho: viajar pelo mundo com a minha própria orquestra. E se conseguir tocar os corações de milhões de pessoas por todo o mundo fazendo aquilo que mais adoro, tenho é que estar mais do que grato por isso.

O que é que o motiva a continuar depois de ter atingido tanto sucesso?
Tem de vir a um concerto e olhar para as caras das pessoas. Só aí é que vai perceber. A felicidade nas caras das pessoas motiva-me a continuar. E o amor pela música e pelos meus músicos. Muitos deles estão comigo há mais de 20 anos. Somos uma família grande.

André Rieu regressa a Lisboa em novembro depois de sete datas esgotadas em março

Porque é que envolve o público na sua atuação, ao convidá-los a ficarem de pé e a dançar?
Porque a valsa é uma DANÇA! Por que não envolvê-los? Porquê desencorajá-los de dançar? Isso não seria triste? Esta música foi composta para dançar, portanto encorajo-os de forma completamente natural. Quando tocamos “Danúbio Azul” claro que  encorajo o meu público por todo o mundo a levantar-se e a dançar. E também durante os encores. Eu vejo casais que não dançavam há anos a valsar alegremente pelos corredores.

A música clássica típica é aborrecida para a maior parte das pessoas?
Não. Mas acho que algumas pessoas podem ter medo da música clássica porque não sentem que tenham conhecimentos suficientes. Também não existe “música clássica típica”. Monteverdi é completamente diferentes de Strauss. Algumas pessoas podem não gostar de Wagner mas adorar Mozart. Esta música sobreviveu durante centenas de anos. Eu acho que vale a pena explorá-la. É importante introduzir as crianças à música clássica desde cedo.

Os maestros e músicos atuais fazem justiça ao espírito dos compositores e intérpretes originais?
As versões variam sempre dependendo de quem as interpreta, e saber se nos toca é um sentimento muito subjetivo. Mas eu tenho a certeza de que todos os músicos querem ser tão bons e sinceros perante o compositor como possível. Portanto, sim os maestros e os músicos clássicos atuais fazem justiça ao espírito [dos compositores e intérpretes originais] porque todos fazem o seu melhor.

Até onde é que pode ir com a sua orquestra?
Adorava tocar na Lua um dia! Já falei com o Richard Branson [Fundador da empresa aeroespacial Virgin Galactic]. Quando ele abrir o hotel, quero ser o primeiro a tocar. Mas o meu calendário está muito cheio, portanto espero que ele se despache.