Primeiro recorreu ao carjacking para roubar um carro. Depois conduziu até um elétrico em Utrecht, na Holanda. E a seguir, eram 10h45, matou pelo menos três pessoas e feriu outras cinco. A caça ao homem das autoridades holandesas terminou esta segunda-feira com a detenção de Gökmen Tanis, um turco de 37 anos residente na Holanda, tendo sido também detidas mais duas pessoas. Ninguém sabe o que o motivou a disparar contra os passageiros daquele elétrico. Ninguém sabe se este foi um atentado terrorista organizado por um grupo radical ou um evento “doméstico”, como diz a polícia. Na verdade, ao fim de sete horas de caça ao homem, há mais perguntas do que respostas.

Quem é (mesmo) o principal suspeito?

Chama-se Gökmen Tanis, tem 37 anos, nasceu na Turquia e, de acordo com as declarações das autoridades na segunda conferência de imprensa, era conhecido da polícia holandesa. Nenhum órgão oficial quis especificar porque é que Gökmen Tanis estava a ser vigiado pelas autoridades, mas tudo indica que o principal suspeito do tiroteio esta manhã em Utrecht esteja também indiciado pela crime de violação.

De acordo com o jornal holandês AD, o ataque ao elétrico aconteceu duas semanas depois de Gökmen Tanis, que alegadamente seria traficante de droga, sobretudo de cocaína e ecstasy, ter sido presente a tribunal por suspeitas de ter violado várias vezes a ex-namorada no verão de 2017. Depois de a atacar, ameaçou-a. Se contasse a alguém o que tinha acontecido, iria procurá-la para lhe bater e incendiar a casa onde a vítima vivia. A mulher apresentou queixa à polícia e a investigação ainda está a decorrer. Contactado pelos jornalistas, o advogado de Gökmen Tanis não tece comentários sobre as novas suspeitas que recaem sobre o seu cliente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda antes desse crime de violação, Gökmen Tanis tornou-se suspeito de tentativa de homicídio culposo e maus tratos severos após ter aberto fogo contra um apartamento no distrito de Kanaleneiland — um ataque que, naquele dezembro de 2013, não fez vítimas. Foi então que o turco de 37 anos saltou à vista das autoridades. Podia não ser um mero delinquente — já tinha sido detido por conduzir embriagado, por roubar um camião, furtar lojas e cuspir no rosto de um agente da polícia. As autoridades temiam que podia estar influenciado pelo irmão, ele próprio vigiado pela polícia por causa das suas “ideias extremistas”.

Segundo a investigação do AD, Gökmen Tanis sempre foi adjetivado pelas autoridades, sobretudo pelo Serviço Geral de Informação e Segurança da Holanda (AIVD), como “mentalmente instável”. Houve uma época em que se dizia muçulmano, deixou crescer a barba e vestia túnicas compridas. Num momento, abordava pessoas que bebiam na rua para as repreender. No momento seguinte era encontrado a cometer os mesmos atos.  Se fosse chamado à atenção “agia de forma agressiva e não mostrava respeito por ninguém ou nada”.

É assim que os vizinhos contactadas pelo jornal AD o recordam. Uma pessoa que lhe era próxima lembra-se, por exemplo, de, no verão de 2011, Gökmen Tanis ter abordado uma mulher loira que trabalhava para o blogue holandês GeenStijl e ter-lhe dito que “tinha o rabo todo à mostra”. “E és democrata”, acrescentou o atacante em tom pejorativo.

Outros dois homens, de identidades desconhecidas, foram também detidos pelas autoridades holandesas. A casa de Gökmen Tanis e outras residências a que estaria ligado foram alvo de buscas da polícia.

Quais foram as motivações do atacante?

Ainda não se sabe o que motivou Gökmen Tanis a entrar num elétrico em Utrecht às 10h45 de esta segunda-feira e ter disparado contra os passageiros, matando três pessoas e ferindo outras cinco, três delas com gravidade.

As autoridades insistem que há duas teorias em cima da mesa:

  • A primeira é de que este é um “incidente doméstico“, motivado por problemas familiares do atacante;
  • A segunda é de que este foi um atentado terrorista e que Gökmen Tanis é um extremista aliado a um grupo radical.

A hipótese de o ataque representar um “incidente doméstico” é suportada pelo facto de uma pessoa ter dito à Anadolul, agência turca de notícias, que Gökmen Tanis disparou primeiro contra um familiar que seguia dentro do elétrico e depois contra quem o tentava ajudar. O facto de ter atacado a ex-namorada no passado pode indicar problemas de relacionamento entre o homem de 37 anos e a família. O próprio pai, quando abordado pelos jornalistas, pediu que o filho fosse castigado pelo tiroteio em Utrecht.

Já a hipótese de este ataque ser um atentado terrorista ganha consistência à conta da ligação entre o principal suspeito e o irmão, vigiado pela polícia por causa das suas ideias extremistas. E também por, em tempos, Gökmen Tanis ter-se assumido como “muçulmano devoto”. É pouco claro até que ponto é que este atacante pode ter-se radicalizado nessa época. Mas a polícia insiste que esta é a opção em que mais acredita neste momento.

Uma vítima do tiroteio em Utrecht deitada no chão e tapada por um pano. Créditos: ROBIN VAN LONKHUIJSEN/AFP/Getty Images

Pode o Estado Islâmico estar envolvido neste ataque?

As páginas de apoio ao Estado Islâmico chegaram a utilizar imagens falsas de um suposto jihadista que representa, alegavam, o atacante em fuga na Holanda. As fotografias são muito antigas e já foram postas a circular na Internet por ocasião de outros ataques noutros países, mesmo em ataques que não estavam relacionados com grupos terroristas.

Nessas imagens, um homem com um passa-montanhas preto a tapar-lhe o rosto aparece a apontar uma arma para a câmara em frente a um edifício em Ultrecht. Mas a fotografia não é real. Foi, na verdade, tirada num campo fora da Holanda e depois manipulada, avisa o jornalista Daniël Verlaan, especialista em cibercrime. Embora as autoridades não descartem a hipótese de este tiroteio ter motivações terroristas, essa é uma teoria que ainda não foi comprovada. A autoria do ataque não foi reivindicada por nenhum grupo terrorista.

Apesar disso, não é impossível que este ataque esteja relacionado com o Estado Islâmico. O alerta é dado por Rita Katz, diretora do SITE Intelligence Group, através do Twitter. Segundo ela, os contornos do tiroteio “coincidem com o estilo do Estado Islâmico” e “acontece três dias depois do ataque terrorista da Nova Zelândia, para o qual grupos jihadistas exigiram vingança”. “Estamos à vossa espera. E vamos fazer algo pior do que isto”, publicaram vários sites pró-Estado Islâmico pouco depois desse ataque.

Há notícias falsas a circular sobre este ataque?

Sim, as redes sociais foram inundadas por notícias falsas durante as primeiras horas após o tiroteio em Utrecht, enquanto o atirador ainda estava a ser procurado pelas autoridades. Por exemplo, estão a ser criadas inúmeras contas de Instagram com fotografias do atacante, assinadas com o nome dele e com descrições como: “Estou a lutar pela Turquia”. Nenhuma desses murais é verdadeiro e nenhuma página de redes sociais foi formalmente associada ao atirador.

Além disso, o rosto do youtuber Drachenlord também está a ser associado ao ataque, mas tudo não passa de um embuste. As fotografias dele já foram manipuladas no passado para serem relacionadas com outros ataques. E mostram-no de arma em punho, como se estivesse prestes a atacar alguém. Foi por causa de fenómenos como este que as autoridades pediram que se partilhassem apenas informações vindas da Polícia de Utrecht, do Ministério Público ou da Câmara Municipal de Utrecht.

As eleições na Holanda vão manter-se?

Os partidos políticos holandeses suspenderam as campanhas para as eleições locais do Conselho Provincial de Utrecht, logo após o tiroteio de esta segunda-feira. O Partido Popular para a Liberdade e Democracia escreveu no Twitter que “devido aos acontecimentos em Utrecht, os partidos decidiram parar a campanha até novo aviso”. O Apelo Democrata-Cristão (CDA) fez o mesmo: “Mensagens terríveis de Utrecht. Estou em espírito com as vítimas e as suas famílias. Muito respeito pela ação rápida dos serviços de emergência. Suspenderemos a campanha até novo aviso”, publicou o líder do partido.

A Holanda devia ir às urnas na próxima quarta-feira, 20 de março, para escolher os membros dos estados provinciais nas doze províncias da Holanda — o equivalente em Portugal às eleições autárquicas. Enquanto o principal suspeito do tiroteio em Utrecht esteve em fuga, e o nível de ameaça terrorista estava na categoria mais alta, o primeiro-ministro Mark Rutte disse não haver certezas sobre se as eleições iam mesmo acontecer. Mas na primeira conferência de imprensa após a detenção do homem, já avançou que, em princípio, as eleições vão mesmo acontecer.

Quem são as vítimas?

Três pessoas morreram e cinco ficaram feridas na sequência do tiroteio num elétrico em Utrecht. Todos os passageiros feridos durante o ataque foram levados para o Centro Médico da Universidade de Utrecht e três deles estão em estado grave. No entanto, ainda não há confirmação oficial das identidades das vítimas deste ataque.

O NLTimes avança que as três vítimas mortais serão um familiar do atirador e duas pessoas que o tentaram ajudar: Rinke Terpstra, pai de dois filhos e treinador de futebol; e Roos Verschuur, uma empregada de snack-bar de 19 anos. As autoridades não vão confirmar oficialmente a identidade das vítimas, nem voltar a falar do caso enquanto a investigação decorrer.

Como é que o atacante foi localizado?

Depois do ataque no elétrico em Utrecht, Gökmen Tanis fugiu do local e foi procurado durante sete horas. A polícia realizou buscas e organizou rusgas em vários locais nos arredores de Utrecht — tanto que as brigadas antiterroristas foram vistas a invadir uma propriedade em Trumanlaan, a curta distância do local do ataque. O primeiro passo nessa operação de busca foi dado graças ao carro com que Gökmen Tanis tinha sido visto a sair da cena do crime — um Renault Clio vermelho.

Entretanto, o automóvel, que tinha sido roubado a um cidadão por carjacking, foi encontrado abandonado em Tichelaarslaan. Foi então que a polícia decidiu dar “o arrojado passo”, palavras da mesma, de publicar fotografias, descrições e dados pessoais do indivíduo que procuravam. Era arriscado porque, embora pudesse motivar mais pessoas a dar às autoridades qualquer informação suspeita sobre o homem, também significaria que ele ficaria a saber que era procurado.

Utrecht. Suspeito do tiroteio detido pela polícia: uma das vítimas será sua familiar

O plano deu frutos. Gökmen Tanis foi encontrado num apartamento a poucos quilómetros do local do ataque, na zona histórica de Utrecht. Aconteceu tudo enquanto um porta-voz da Polícia de Utrecht estava a dar uma conferência de imprensa, em que confirmou a detenção de uma pessoa, que não seria o atacante procurado, em Oudenoord. Já no final do encontro, o porta-voz foi interrompido. Afinal, o homem detido era mesmo Gökmen Tanis e tinha sido encontrado graças “aos depoimentos” de quem estava dentro do elétrico no momento do ataque. E “de pistas” deixadas pelo atacante.

Gökmen Tanis terá sido levado para uma sala de interrogatório não muito longe da sede da Polícia de Utrecht. O vídeo aqui em baixo mostra o momento em que o atacante foi retirado do apartamento onde foi encontrado e posto dentro de um automóvel da polícia.