Não só porque esta terça-feira se celebra o Dia do Pai, mas também. A data serve de pretexto para recordar a importância do pai na gravidez, parto e pós-parto, momentos associados quase em exclusivo à mãe e mulher que vive, desde o começo, o impacto físico da maternidade. Mas o homem não tem de ser mero espetador: para reforçar esta ideia falámos com quatro especialistas sobre o papel do pai nestes diferentes estágios (e não só). Todas elas concordam: o seu apoio é fundamental, mas também ele merece ser apoiado.
“A maternidade pode e deve ser partilhada”
A maternidade não é uma coisa exclusiva da mãe, “pode e deve ser partilhada”. Em momentos tão delicados como a gravidez e o pós-parto, o cuidado em torno da mulher pode deixar o pai para segundo plano. Este, por sua vez, tem um papel cada vez mais ativo e ajuda a construir um “estilo de parentalidade mais saudável”, palavras de Carmen Ferreira, enfermeira especialista em saúde materna, ao Observador. “Uma criança que tenha os dois pais presentes vai ser mais saudável e vai ter um melhor desenvolvimento”, assegura a especialista da rede hospitalar CUF, que fala na necessidade de reforçar a presença do pai nos momentos que antecedem a chegada de um filho — um cuidado a ser tido também em conta pelos profissionais de saúde.
Entre homens e mulheres há vivências diferentes da parentalidade. Dito isto, Carmen Ferreira, que também é autora do blogue “Bebé Saudável”, dá exemplos de como os pais podem participar mais — seja indo às ecografias ou planeando o quarto do bebé, seja fazendo a gestão das visitas após o nascimento. É importante, diz, que eles comecem desde cedo a ter a perceção do filho que está por chegar. “Há pais que só percebem que vão ser pais quando veem a barriga e outros quando o bebé está finalmente cá fora.”
Os cursos de preparação para o parto também entram nesta equação, confirma Carmen Ferreira: “Às vezes temos muitos pais que pensam que não precisam de ir ao módulo da amamentação. É o contrário, uma vez que vão ser o suporte da mãe durante essa fase. Vários estudos confirmam que as mulheres, quando apoiadas na amamentação, têm uma experiência mais positiva”. É muito importante os pais munirem-se de informação para acompanharem a mãe tanto na gravidez como no pós-parto. “O projeto de parto deve ser trabalhado a dois durante a gravidez. Isto ativa a participação do homem e reforça o elo de ligação com o bebé”.
“Qualquer pai tem competência, à priori, para fazer as mesmas coisas que a mãe”
O pai pode sentir-se ligeiramente de parte e, por vezes, cabe à mãe o papel de envolvê-lo mais, assegura Inês Pessoa e Costa, psicóloga clínica do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas, cuja tese de mestrado no ISPA debruçou-se especificamente sobre o envolvimento do pai na parentalidade. “O que se vê é que os pais estão mais distantes nos cuidados indiretos, isto é, nas tarefas que não implicam uma relação direta com a criança. A mulher tende a ser mais prática. Vale a pena identificar os momentos em que é importante a presença dos dois”, continua.
Ter um filho mexe com a dinâmica da família e de cada pessoa. Findo os 9 meses de gravidez, a mãe deixa de ser a pessoa central de atenção para passar a ser, naturalmente, a criança. “Aqui é preciso ter cuidado com a mãe, que está sujeita a muitas alterações hormonais. O papel do pai não é fácil porque, ao mesmo tempo que está a tentar estabelecer uma relação com o bebé, que durante o tempo de gestação foi menos intensa, está a tentar apoiar a mãe”, refere ainda Inês Pessoa e Costa, que defende que os pais devem estar envolvidos nos cuidados do bebé desde o início.
A gravidez é efetivamente “um ciclo vital na família que implica uma dose de ajustamento” familiar e individual, reforça Inês Afonso Marques, psicóloga infantil da Oficina de Psicologia. No contexto do nascimento de uma nova dimensão familiar o pai “pode e deve ser uma figura que pode participar em todas as fases”, acrescenta, referindo que a comunicação entre o casal é essencial. “Qualquer pai tem competência, à priori, para fazer as mesmas coisas que a mãe”.
É no contacto direto que se tem com o bebé que se estabelecem os vínculos afetivos. Tocar, trocar a fralda e dar banho… Faz todo o sentido que o pai participe ativamente. O pai é também um fator de proteção tendo em conta o desenvolvimento da depressão pós-parto. O facto de uma mulher grávida sentir que tem um companheiro disponível faz diminuir o stress, promove segurança e constitui um factor de proteção”, continua a psicóloga infantil.
Inês Afonso Marques esclarece ainda que não existe uma forma única de cuidar dos filhos e que, havendo dúvidas, não há nada como pôr eventuais medos em prática. “Quando os casais comunicam e partilham os temas, estes receios iniciais acabam por se dissipar.”
“Acho que, muitas vezes, os pais sentem um pouco de medo em tomar conta de um ser tão frágil e delicado”, reforça Inês Pessoa e Costa, que assegura que isso não deve ser confundido com falta de vontade. Mas há mais a dizer: “Às vezes há mães que também não envolvem os pais porque sentem que as crianças estão melhores com elas. É um processo inconsciente que acontece com alguma frequência”.
Mimo, empatia e medos. 15 conselhos de uma psicóloga infantil para as horas mais difíceis
Gravidez psicossomática nos homens? “É cada vez mais comum”
Há homens que sentem uma gravidez psicossomática ao terem sintomas idênticos aos das mulheres, afirma a enfermeira Carmen Ferreira. “É cada vez mais comum porque a participação do homem na gravidez começa a ser trabalhada cada vez mais cedo”, atesta. Naturalmente que tal depende do tipo de homem e de casal em questão, mas há casos em que homens se sentem “igualmente grávidos”, como se em solidariedade com a parceira. “É muito psicológico. Acontece, por exemplo, com o sentir os ditos ‘desejos’.”
“Hoje há mais visibilidade e respeito pelo papel do pai”
Atualmente, o papel do pai tem maior destaque na sociedade, tanto no período da gravidez como após o parto. Não se trata apenas de prestar apoio e suporte à mãe, afirma a psicóloga infantil Vera Lisa Barroso, mas também de criar um vínculo especial com o bebé, que contribui para o desenvolvimento daquilo que vai ser a sua personalidade.
Esse papel tem vindo a ser mais respeitado. Hoje sabemos que os pais não têm só uma função de nutrir financeiramente a casa ou de colocar regras em momentos do desenvolvimento mais tardio. Nos primeiros anos de vida da criança é importante que esta estabeleça um vínculo de segurança e confiança com o pai”, continua.
Vera Lisa Barroso destaca ainda que hoje, tanto a escola como em contexto hospitalar, há uma procura por um maior envolvimento do pai. “Em termos sociais existe uma mudança, há mais visibilidade e respeito pelo papel do pai.”