Os governos de Myanmar (antiga Birmânia) e da China não conseguiram conter o tráfico de mulheres e meninas de etnia kachin como “noivas” para famílias chinesas, denunciou a organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) num relatório divulgado esta quinta-feira.

“Dê-nos um bebé e nós deixamos vocês irem: Tráfico de ‘Noivas’ kachin de Myanmar para a China” é a designação do relatório, de 112 páginas, que documenta a venda de mulheres e meninas kachin e dos Estados do norte de Shan para serem escravas sexuais na China.

Sobreviventes do tráfico relataram à HRW que “pessoas de confiança”, incluindo membros das suas próprias famílias, prometeram-lhes empregos na China, mas em vez disso venderam-nas pelo equivalente entre 3.000 (2.642) e 13.000 dólares (11.450 euros) para famílias chinesas.

Na China, estas mulheres, geralmente, eram trancadas num quarto e violadas até ficaram grávidas, segundo indica a organização de defesa dos direitos humanos.

“Myanmar e as autoridades chinesas estão a olhar para o lado enquanto traficantes sem escrúpulos estão a vender mulheres e meninas kachin em cativeiro e abuso indescritível”, alertou Heather Barr, codiretora dos direitos da mulher na HRW e autora do relatório.

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A escassez de meios de subsistência e as proteções básicas dos direitos tornaram estas mulheres presas fáceis para os traficantes, que têm poucas razões para temer a aplicação da lei em ambos os lados da fronteira”, acrescentou a mesma fonte.

Ao longo do relatório, a HRW refere o caso de uma mulher de etnia kachin que foi traficada aos 16 anos pela cunhada.

“A família [chinesa] levou-me para um quarto. Naquele quarto eu estava novamente amarrada… Eles trancaram a porta — por um ou dois meses. Quando era a hora das refeições, eles mandavam as refeições. Eu chorava… cada vez que o homem chinês levava comida ele violava-me”, contou a mulher à HRW.

Outras sobreviventes disseram que as famílias chinesas “muitas vezes pareciam mais interessadas em ter um bebé do que uma ‘noiva'”.

De acordo com a HRW, mulheres e meninas são vendidas por traficantes a famílias chinesas que tentam encontrar noivas para os seus filhos, face ao desequilíbrio de género na China relacionado com a “política de um só filho” em vigor de 1979 a 2015.

Esta ONG considerou ser “difícil” calcular o número total de mulheres e meninas traficadas como noivas para a China, contudo o Governo de Myanmar registou 226 casos em 2017.

Agentes da lei na China e em Myanmar, incluindo responsáveis da Organização Independente de Kachin, fizeram pouco esforço para recuperar mulheres e meninas traficadas”, lamentou a HRW acrescentando que aquelas que escaparam e foram à polícia chinesa foram “por vezes presas por violações de imigração, em vez de serem tratadas como vítimas de crimes”.

Segundo a HRW, em Myanmar “existem muito poucos” serviços para sobreviventes de tráfico, e “as poucas organizações que fornecem assistência desesperadamente necessária não podem atender às necessidades dos sobreviventes”.

Para Heather Barr, os Governos de Myanmar e da China, assim como a Organização Independente de Kachin, “deveriam fazer muito mais para prevenir o tráfico, recuperar e ajudar as vítimas e processar os traficantes”.

“Doadores e organizações internacionais devem apoiar os grupos locais que estão a fazer o trabalho duro que os Governos não vão resgatar mulheres e meninas traficadas e ajudá-las a recuperar”, rematou Barr.

O relatório da HRW baseia-se principalmente em entrevistas com 37 sobreviventes do tráfico, três famílias de vítimas, autoridades do governo e polícias de Myanmar e membros de grupos locais, entre outros.