A peça “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, que estreia na quarta-feira no Teatro Nacional de São João, no Porto, confronta em palco o drama de uma família “pouco ortodoxa” e a fatalidade da sociedade moderna.

Com estreia marcada para o Dia Mundial do Teatro, a 27 de março, a peça “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, que o dramaturgo inglês Martin Crimp escreveu em 2013, volta a juntar os encenadores Nuno Carinhas e Fernando Mora Ramos, após “O Fim das Possibilidades”, de Jean-Pierre Sarrazac.

Em declarações aos jornalistas depois do ensaio de imprensa que se realizou esta quinta-feira no Teatro Nacional de São João (TNSJ), Nuno Carinhas afirmou que esta é uma peça “particularmente feliz”, e que, ao apropriar-se da tragédia grega “Fenícias”, de Eurípides, mantém-se “muito fiel ao original”.

“Martin Crimp dentro de toda a sua poesia, aquilo que é extraordinário, atira-nos com expressões de hoje completamente coloquiais, de uma família mesmo malcriada e isso de alguma maneira nos desperta”, frisou.

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Em palco, as personagens Jocasta, Édipo, Antígona, Creonte, Etéocles e Polinices são confrontadas com “um coro”, representado por um grupo de quatro raparigas, as Fenícias, que “falam das nossas coisas de hoje e dos nossos fenómenos”.

“Isto é uma forma de nos estar permanentemente a tirar o tapete de uma perceção mais natural do que será o drama, portanto, está-nos a convocar para outro imaginário, e não só aquilo que estamos a ver que é a história da família”, apontou Nuno Carinhas.

Na perspetiva de Fernando Mora Ramos, as Fenícias com a “sua voz muito assertiva, muito crítica”, fazem, ao longo de toda a peça, perguntas “inconvenientes” relacionadas com “a espécie de caminhada do planeta para o abismo”.

“É no feminino que elas [fenícias] fazem as perguntas. São muito operacionais, muito ativas, muito capazes de transformar as coisas, não são moles nem tem nada a ver com o estereotipo feminino mais antigo, elas são fisicamente fortes”, salientou.

Em “O Resto Já Devem Conhecer do Cinema”, Martin Crimp descreve a história de Édipo, que amaldiçoa os seus filhos, Etéocles e Polinices, dando-lhes a governação da cidade de Tebas (onde atualmente se situa a Síria, Líbano, Palestina e Israel). Como recusa à maldição do pai os dois irmãos alteram a governação entre si, mas assim que Polinices regressa à cidade para o seu ano de comando, Etéocles recusa-se a ceder-lhe a cidade.

Repleta de questões de índole política, guerra, justiça e caos, Fernando Mora Ramos salientou que a peça é o reflexo do “teatro de crueldade” de Martin Crimp, que não “cede um milímetro ao lamechismo”, e contraria a tendência atual “generalizada para o entendimento lacrimejante das coisas”.

“Há um grande mau estar hoje, e Crimp vai ao encontro disso para escrever as suas coisas, e o modo como ele não desiste da racionalidade e da pergunta, e ao mesmo tempo faz um teatro que é duro fisicamente e se dirige ao corpo, entendemos as coisas também através do que é físico. Eu creio que, desse ponto de vista, é um teatro que mistura a lição ‘brestiana’ [Bertolt Brecht] da estranheza com uma coisa muito física”, sublinhou Mora Ramos.

A peça, que é uma produção própria do TNSJ em colaboração com o Teatro da Rainha, pode ser vista de 27 de março a 14 de abril, com representações, à quarta-feira e sábado, às 19:00, à quinta e sexta-feira, às 21:00, e, ao domingo, às 16:00.

O preço dos bilhetes varia entre os 7,50 e os 16 euros.

Nos dias 24 e 25 de maio, a peça estará em cena no Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha.