Um grupo independente de cientistas diz ter detetado sinais da existência de metano numa cratera em Marte, diz um artigo publicado esta segunda-feira na Nature. As primeiras provas da existência dessa molécula orgânica — substâncias que têm pelo menos um átomo de carbono — em Marte foram encontradas através da Mars Express, uma sonda da Agência Espacial Europeia (ESA) enviada para a órbita do planeta em 2003. Nos últimos anos, essa existência tem sido posta em causa. Mas agora há mais provas a sustentá-la.

Este é o mais recente capítulo na saga da busca por metano em Marte –uma novela que começou em 2004 quando ESA anunciou ter encontrado quantidades pequenas de metano na atmosfera do planeta, mas que entretanto já sofreu muitas reviravoltas. A 30 de março de 2004, a ESA confirmou a existência de uma concentração de 10 partes em mil milhão de metano na atmosfera marciana.

Logo à época se conjeturou que deve haver um mecanismo que reabastece a atmosfera de metano: se assim não fosse, ela sobreviveria pouquíssimo tempo no ar — umas centenas de anos — já que oxida rapidamente para dar origem a água e dióxido de carbono.

Ora, a presença de metano num planeta despertou imediatamente o interesse dos cientistas em Terra. O metano é um composto orgânico que, na Terra, é libertado par a atmosfera quando a matéria orgânica — como as folhas das árvores ou os cadáveres dos animais — entra em decomposição. Encontrar metano em Marte podia significar, especulavam os cientistas à época, que o Planeta Vermelho podia ter tido vida no passado. Ou, no mínimo, podia ter condições de habitabilidade. Hoje a teoria é outra, mas já lá vamos.

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Quando a agência europeia deu o sinal de alerta para a existência de metano no planeta aqui do lado, a NASA, que é a agência espacial norte-americana, preparou o rover Curiosity para levar até Marte um instrumento que confirmaria se havia mesmo metano por lá. A primeira experiência aconteceu entre outubro de 2012 e junho de 2013, mas não deu frutos: a máquina não encontrou quaisquer concentrações de metano no planeta. Só à segunda experiência, começada em junho de 2013, é que o Curiosity encontrou os mesmos sinais e detetou metano durante quatro meses.

Mas nem as descobertas da NASA unidas às da ESA foram suficientes para ter certezas absolutas. O rover Curiosity encontrou concentrações muito baixas de metano na segunda experiência: 0,25 partes por mil milhão durante o inverno e 0,65 partes por mil milhão no verão, com alguns picos que podiam chegar às 7 partes por mil milhão. Foi o suficiente para teorizar que havia uma espécie de sistema cíclico de libertação de metano em Marte que reabastecia a atmosfera de tempos a tempos — sobretudo no verão marciano. Mas não passava disso mesmo, uma teoria: eram valores tão residuais que caíam nas margens de erro dos computadores. Aquele metano até podia ter vindo da Terra a bordo do Curiosity.

Todas essas ressalvas foram feitas à época pela NASA. E adensaram-se ainda mais quando, em dezembro de 2018, a agência europeia torceu o nariz à ideia de poder haver metano em Marte. É que o ExoMars Trace Gas Orbiter, uma sonda enviada pela ESA que chegou a Marte em 2016, não tinha encontrado ponta de metano no planeta desde que lá tinha chegado até ao final do ano passado. A hipótese mais evidente? Se calhar, todos se tinham enganado e realmente não havia metano em Marte.

No entanto, as conclusões publicadas esta segunda-feira na Nature Geoscience podem dar uma lufada de ar fresco à ideia de haver metano no Planeta Vermelho. Apenas um depois de o rover Curiosity ter encontrado os tais sinais de metade numa cratera, a Gale, também a ExoMars encontrou exatamente as mesmas evidências. Segundo o relatório, os dados foram estudados através de uma técnica chamada espetrometria: “Cada composto tem uma impressão digital que podemos medir no espetro da luz visível. Tem a ver com a forma como cada molécula absorve a luz visível”, explica ao Observador a Joana Neto Lima, astrobióloga no Centro de Astrobiologia de Madrid.

Ou seja, os cientistas encontraram a assinatura do metano nos dados recolhidos pela ExoMars em 2013. Mas isso não significa que já houve, há ou vai haver vida em Marte, sublinha Joana Lima: “O metano é importante porque aqui na Terra geralmente significa que há material orgânico em decomposição. Em Marte não é isso. Aliás, aqui na Terra já havia metano na atmosfera antes da vida existir”, recorda a cientista.

O metano em Marte pode vir de um processo que havia nos primeiros anos da Terra chamado serpentinização. Esse fenómeno acontece quando uma rocha chamada olivina, uma das primeiras a formar-se na Terra e que existe em abundância na Lua, entra em contacto com a água. Quando isso acontece dá-se uma reação química que liberta metano. “De acordo com tudo o que sabemos até este momento é que isso também pode ter acontecido nos primeiros anos de Marte. Que o metano ficou guardado em bolsas e que agora é libertado, de tempos a tempos, para a atmosfera”, explica Joana Lima.

Certo é que, na Terra, este processo de “serpentinização” esteve na origem da vida no nosso planeta, conta a cientista portuguesa: “A serpentinização ajudou à formação da vida em Terra. A primeira forma de vida foi unicelular. Eram cianobactérias que usavam o metano para gerar energia. E era assim porque o metano é uma molécula muito simples, extremamente fácil de quebrar por microorganismos. Não precisavam de ser muito evoluídos”, conclui.