Porque é que o relator do documento, o ex-ministro Álvaro Santos Pereira, não esteve presente na apresentação do relatório da OCDE? A polémica metia acusações de que era o governo que tinha vetado a presença, e o governo a negar as acusações. Questionado sobre esta matéria, esta quarta-feira no parlamento, o próprio ex-ministro da Economia do Governo PSD/CDS quis “ser totalmente claro”. “Recebi um telefonema do secretário-geral da OCDE, que, depois de ter tido duas conversas com o Presidente do Eurogrupo, o ministro Mário Centeno, lhe foi manifestado o incómodo com a minha presença na reunião de apresentação“, revelou. A reunião com o Governo aconteceu, mas apenas com a presença do secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. Da parte do Governo estiveram presentes o ministro-adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e o Secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.
A presença de Santos Pereira na apresentação do relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) sobre as perspetivas económicas para Portugal, o Economic Survey, esteve prevista, mas depois foi cancelada. O relatório acabou por ser apresentado ao Governo e sem a presença do ex-ministro, tendo ficado para mais tarde a apresentação técnica e pública do documento. Uma situação que deixou no ar duas dúvidas: por que razão o ex-ministro, relator do documento, não marcou presença na apresentação ao Executivo? Qual o motivo para a apresentação técnica ter sido cancelada? Para esclarecer o tema, o PSD chamou Santos Pereira ao Parlamento, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Uma audição que teve lugar na tarde desta quarta-feira na Assembleia da República.
“Entendeu-se que seria melhor que a apresentação técnica ficasse para mais tarde e entretanto não houve mais nada. Estou aqui na comissão”, explicou. O ex-ministro acredita que a apresentação venha mesmo a acontecer, mas sem conseguir adiantar grandes detalhes. Será “apenas mais tarde“.
Governo “quis expurgar palavra corrupção”
Esta revelação foi feita já no fim da audição, numa resposta ao deputado socialista Fernando Anastácio. Antes, e durante mais de uma hora e meia, os deputados e o ex-governante falaram principalmente sobre o conteúdo do documento. A parte que terá causado mais incómodo ao Governo terá sido aquela que se referia à corrupção.
Álvaro Santos Pereira garantiu, perante os deputados, que um membro do Governo e a delegação portuguesa na OCDE quiseram remover a palavra corrupção do relatório da OCDE sobre Portugal, divulgado em fevereiro.
“Houve pelo menos algum incómodo. Quer a delegação portuguesa na OCDE, quer mais tarde um membro do Governo revelaram algumas preocupações com o relatório, nomeadamente manifestaram a sua intenção de remover a palavra corrupção do relatório, porque disseram que o problema da corrupção em Portugal não é dos mais graves”
“Nada do que está neste relatório é extremamente controverso, o que não podíamos aceitar é só porque um governo diz que não gosta da palavra corrupção, essa palavra não apareça”, frisou Álvaro Santos Pereira.
Questionado sobre por que terá o Governo querido retirar a palavra corrupção do relatório, Álvaro Santos Pereira indicou que “não faz o mínimo sentido fingir que está tudo bem e não falar da corrupção”.
“Acham que os investidores que vêm para Portugal não sabem o que se passa e precisam do relatório da OCDE para saberem? Porque é que o Governo não quis? Têm de lhes perguntar”, declarou, salientando ainda que “não houve nenhuma recomendação que a OCDE fez no texto original que não ficasse no texto final”.
“Não sei porque é que o Governo quis expurgar a palavra corrupção. A nossa intenção foi sempre que a questão da luta anticorrupção lá estivesse”, sublinhou o antigo ministro.
Quanto às falhas no combate ao problema, o ex-ministro de Passos Coelho não teve dúvidas sobre os principais responsáveis e apontou o dedo diretamente aos deputados: “Toda a gente disse, os senhores deputados disseram-no, que o combate à corrupção deve ser um desígnio nacional. Mas onde é que estiveram a Assembleia da República e o Governo nesse combate à corrupção? Onde estiveram para o tornar um desígnio nacional?”.
Perante o silêncio, auto-respondeu-se: “Sinceramente, não tenho visto muita ação nesta área. E não vale a pena acusar a Justiça de ser lenta – que o é -, mas esta casa não está a fazer aquilo que devia estar a fazer”, acusou. Novo silêncio dos deputados, mais ataques ao Parlamento por parte de Álvaro Santos Pereira. “Porque é que a lei sobre o enriquecimento ilícito, que está a ser discutida há quatro anos aqui, ainda não foi para a frente?“, questionou.
Certo é que algumas das batalhas travadas durante esta legislatura para fazer frente à corrupção foram consideradas inconstitucionais. Mas esse argumento não convence o ex-ministro. Convicto de que os deputados podiam fazer mais e melhor, continuou ao ataque. “A corrupção e o compadrio foram uns dos responsáveis por o país ter ido à falência. Não se podem escudar na Constituição, não faz sentido que a Constituição seja um bloqueio ao combate à corrupção“, vaticinou, sugerindo depois que os deputados não podiam ter “medo de abrir a Constituição”.
Pelo meio, deixou uma lista com onze medidas para combater a corrupção em Portugal. Entre elas: “a criação de um Plano Nacional contra a Corrupção, que dure entre cinco e dez anos e que contenha com medidas concretas”; “a criação de um Tribunal especializado no combate à Corrupção” [uma das medidas que podem ser consideradas inconstitucionais, segundo Santos Pereira]; “a delação premiada”; e acabar “com a pouca vergonha dos recursos ilimitados para condenados de corrupção”.
“Se queremos moralizar a política devemos tomar medidas como estas”, resumiu. Algumas destas propostas fazem parte do relatório da OCDE, outras são apenas sugestões do próprio. Aliás, ao longo da audição, o ex-governante assumiu mesmo duas personagens: a de relator e a pessoal – a frase “aqui estou a falar como Álvaro Santos Pereira” foi, de resto, uma das que mais utilizou esta tarde na audição que trouxe mais uma novidade para esta novela: afinal, terá sido o próprio Mário Centeno o porta-voz do incómodo do Governo perante a presença de Álvaro Santos Pereira na apresentação do relatório.
Com Agência Lusa