As operações de concessão de crédito da Caixa Geral a investidores para adquirirem ações (nomeadamente do BCP) são “incompreensíveis” e não têm lugar num banco público como é a CGD.  A opinião é de João Costa Pinto, economista e antigo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, no decorrer de uma audição na comissão parlamentar de inquérito à atuação da Caixa.

“Há operações que foram conduzidas no banco público que eu não entendo e nunca entendi, nomeadamente operações de natureza puramente financeira. Uma coisa é um banco financiar uma atividade económica, até imobiliário de maior risco – e que merece especial cuidado, dada a sua natureza especulativa sobre terrenos”, “outra coisa distinta é quando um banco aceita financiar uma operação financeira, como a aquisição de ações. Isso não entendo”.

Entre essas operações “puramente financeiras” contam-se vários dos créditos mais problemáticos da Caixa entre 2000 e 2015, como os empréstimos a Joe Berardo e a Manuel Fino para aquisição de posições no BCP, de 2006 a 2008. João Costa Pinto não se referiu especificamente a estes créditos, mas foi muito crítico quanto a qualquer tipo de operações do género praticadas pelo banco público.

Costa Pinto disse que se trata de operações quem nem cabem nos “padrões habituais de risco”, porque depende das grandes oscilações de valor no mercado das ações dadas como garantia. “Por outro lado, não considero que uma operação seja boa porque tem um bom colateral ou uma boa garantia. A operação deve ser avaliada pelo seu mérito: ‘trata-se de um destino que se justifica? É uma operação que vai gerar um ‘cashflow’ que vai pagar o serviço dessa dívida? Essa é que é a primeira linha de defesa para justificar esse investimento”.

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“O colateral é uma mera segunda linha de defesa. Aquisição de ações é uma operação puramente financeira, de elevadíssimo risco, que não concebo, sobretudo para valores tão elevados. Não consigo entender por que razão essas operações foram feitas”, completou.

João Costa Pinto também salientou que seria preciso definir com clareza para que serve um banco publico e como deve contribuir para ser um promotor da economia nacional.  “É que eu penso que ter um banco público não é para fazer o que os outros fazem”, disse o responsável, recordando que os sucessivos governos não tem feito a definição acerca do papel da Caixa.

O economista também foi confrontado, pela deputada do PSD Conceição Bessa, com o facto de o Banco de Portugal ter recebido alertas acerca das práticas da Caixa Geral sobre os créditos mais problemáticos. “Estava verificada na CGD uma estratégia comercial que se aplicava aos grandes devedores, em que não se cobrava nem contabilizava juros para não forçar uma situação de incumprimento definitivo”, disse a deputada.

“Esse tipo de práticas eram irregulares, se existiram eram irregulares. Primeiro, não deviam acontecer. E segundo, se foram ao conhecimento da supervisão, a supervisão teria de atuar”, disse João Costa Pinto. O economista recordou ter entrado para o Banco de Portugal “como estagiário” e ter saído como vice-governador, passando pelos cargos de assessor, técnico, diretor de departamento e administrador.

“O termo desta caminhada foi no ano longínquo no ano de 1997. Depois, entre outubro de 2014 e maio de 2018 exerci as funções de presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal”, salientou aos deputados.

Relatório Costa Pinto deveria ser tornado público, para que não se repitam os erros

Foi nesta última passagem pelo supervisor, que elaborou — a convite do governador, Carlos Costa — o famoso “relatório Costa Pinto”, um documento que os deputados andam — há, pelo menos, três comissões de inquérito: BES, Banif e CGD – a tentar obter. O documento inclui uma avaliação à forma de atuação do Banco de Portugal em relação ao Banco Espírito Santo e à sua liderança, nos três anos que antecederam o colapso do banco de Ricardo Salgado. Esse relatório nunca viu a luz do dia, mas acredita-se que conterá muitos reparos críticos à atuação do Banco de Portugal e do próprio governador, Carlos Costa.

O responsável foi muito questionado sobre ele, mas remeteu sempre a sua divulgação para a entidade que o encomendou, o próprio governador do BdP, que já disse que não o vai disponibilizar à comissão. João Costa Pinto considerou que o relatório deveria ser publicitado, já que “pode ser de grande utilidade para tirar lições que evitem repetir erros do passado”.

“É um trabalho que não é comum entre nós e não conheço nenhum com as mesmas características. As opiniões que lá estão representam apenas a comissão e nele está vertida uma opinião consensual dos membros que a compõem”, disse o economista. João Costa Pinto coordenava a comissão, que incluía também o especialista em direito financeiro Luis Morais e em direito administrativo Roby de Andrade, além de Maximiano Reis Pinheiro e Norberto Rosa, do Banco de Portugal. A comissão também teve apoio técnico da consultora Boston Consulting Group.

Questionado pela deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre se não acha estranho que Norberto Rosa tenha integrado uma avaliação à atuação do supervisor, mas depois o Banco Central Europeu não lhe tenha dada idoneidade para ir para o BCP (devido ao seu passado na Caixa Geral de Depósitos), João Costa Pinto concordou. “Partilho a 100 por cento da estranheza da senhora deputada”, disse.

Sobre o relatório em si, um documento com cerca de 500 páginas, Costa Pinto salientou que desconhece se o Banco de Portugal fez ou não uma reflexão interna sobre ele, nomeadamente para evitar erros eventualmente cometidos ao lidar com a crise do BES/GES. “Não tenho conhecimento que tenha havido uma reflexão no interior do BdP sobre o relatório”, disse o responsável, salientando porém que algumas das sugestões que este contém (ao nível de propostas legislativas e regulatórias) têm vindo a ser seguidas.

João Costa Pinto salientou, por outro lado, que o trabalho da comissão que dirigiu “não foi um trabalho de auditoria”. “De maneira nenhuma. O objetivo da comissão não era conduzir uma auditoria, mas sim proceder a uma avaliação em relação aos problemas que afetaram o Grupo Espírito Santo, especialmente em 2011, 2012 e 2013. Mas houve casos em que a natureza dos problemas obrigava a vir muito atrás. Mas era um trabalho de avaliação sobre se o BdP, nas suas ações seguiu o melhor caminho. O que fez de melhor, o que fez de pior”, completou.

E quem teve acesso à versão final? “Os membros da comissão e a pessoa que o pediu, o governador”. E aos restantes membros do Conselho de Administração do BdP?  “Não, tanto quanto é do meu conhecimento não”.

Ou seja, deve ser Carlos Costa — e só ele — a decidir publicitá-lo. “Eu não penso que deva ser eu, que presidi à comissão que elaborou o relatório, que deva ser eu a publicitar o seu conteúdo. Foi entregue a quem o pediu e deve ser essa entidade que o deve publicitar. Depende da decisão de quem o tem”.