O papa emérito Bento XVI publicou um documento com as suas reflexões sobre o abuso sexual na Igreja Católica, argumentando que a sua origem está no “colapso” moral da sociedade ocorrido na década de 60. O documento de 18 páginas intitulado “A Igreja e os abusos sexuais” será publicado na revista mensal Klerusblatt, dedicado ao clero católico na Baviera, e foi antecipado hoje por vários meios de comunicação social, incluindo o jornal italiano Corriere della Sera ou a agência católica de notícias.
Bento XVI denunciou ainda no documento uma justiça que durante anos foi baseada em garantias a padres pedófilos. O texto não fornece orientações sobre como erradicar os abusos de menores dentro da Igreja e conclui que a pedofilia atingiu “essas proporções” diante da “ausência de Deus”.
O papa emérito defendeu que a publicação deste texto pretende contribuir para este “momento difícil” que atravessa a Igreja Católica e decidiu fazê-lo após a reunião realizada em fevereiro no Vaticano, a convite do papa Francisco aos presidentes da Conferências Episcopais de todo o mundo. Joseph Ratzinger, que renunciou ao pontificado em fevereiro de 2013 e quebrou o seu silêncio em algumas ocasiões, disse que antes de publicar o documento, contactou Francisco e o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin.
No trabalho, que está dividido em três partes, Bento XVI começa por analisar o contexto histórico que levou a este flagelo do abuso argumentando que, desde os anos 1960, “os padrões vinculados à sexualidade colapsaram completamente” na sociedade e cita alguns exemplos da sua terra natal, a Alemanha. Assegura que entre as liberdades pelas quais a revolução de 1968 lutou — por “uma total liberdade sexual” sem mais normas — isso está “fortemente relacionado a esse colapso mental”. E, ao mesmo tempo, “a teologia moral católica sofreu um colapso que deixou a Igreja indefesa diante dessas mudanças na sociedade”, argumentou.
De acordo com Bento XVI, mesmo “em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que atuavam mais ou menos abertamente, o que mudou significativamente o clima que se vivia naqueles” seminários. O papa emérito revelou que num seminário no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e ministério leigo de especialistas pastorais (Pastoralreferent) viviam juntos e até mesmo os casados, por vezes, estavam com suas esposas e filhos; e às vezes com as suas namoradas”.
Para Ratzinger, “o clima neste seminário não ofereceu o apoio necessário para a preparação da vocação sacerdotal”. Em outra parte do documento, explica que “a garantia”, um sistema baseado “em assegurar acima de todos os direitos do acusado” chegou “ao ponto em que se excluiu completamente qualquer tipo de condenação”.
Contou que foi quando, “de acordo com o papa João Paulo II”, ficou decidido que era “apropriado para atribuir estes crimes à Congregação para a Doutrina da Fé”, que Ratzinger então dirigia. E que isso “tornou possível impor a pena máxima, isto é, a expulsão do estado clerical, que não poderia ter sido imposta sob outras disposições legais”.