A visita do Valencia ao Emirates e ao Arsenal era mais do que um jogo de futebol. Era quase um daqueles programas de daytime televisivo que promovem encontros entre familiares ou amigos há muito desencontrados. À cabeça, os três jogadores ainda presentes numa ou noutra equipa que já jogaram por ingleses e espanhóis: Mustafi, atualmente no Arsenal, Coquelin, que representa agora o Valencia, e Gabriel Paulista, que atua neste momento em Londres. Depois, o reencontro entre Unai Emery e Rodrigo e Garay, agora jogadores do Valencia que em maio de 2014, ao serviço do Benfica, viram o então treinador do Sevilha roubar-lhes a Liga Europa nas grandes penalidades. E, por fim, o enorme e significativo encontro entre Emery e o próprio Valencia.

O treinador espanhol orientou aquela que é a atual equipa de Gonçalo Guedes entre 2008 e 2012, numa altura em que David Villa e David Silva eram os heróis de Valencia. Unai Emery mudou-se para Sevilha em 2012, depois de uma passagem rápida pelo Spartak Moscovo, e foi em terras sevilhanas que se tornou o Mr. Europa League, ao conquistar a segunda competição europeia em três temporadas consecutivas, entre 2014 e 2016. Na primeira campanha, a tal em que acabou por derrotar o Benfica de Jorge Jesus na final, o Sevilha encontrou o Valencia nas meias-finais: depois de vencerem 2-0 em casa, os sevilhanos concederam três golos no Mestalla e foi um golo de Mbia, já nos descontos, que pôs Beto e companhia na final. Unai Emery, indiferente ao sítio onde estava, festejou a correr a la Mourinho em Old Trafford em 2004. Os adeptos do Valencia nunca o perdoaram.

Esta quinta-feira, o Valencia aparecia nas meias-finais da Liga Europa depois de ter deixado o Villarreal para trás na ronda anterior, ao passo que o Arsenal eliminou o Nápoles. Os ingleses começaram o dia com uma má notícia, já que Aaron Ramsey confirmou que a lesão que sofreu no jogo contra os italianos o vai afastar do resto da temporada — logo, o galês não voltará a jogar pelo Arsenal, já que assinou pela Juventus em janeiro e vai juntar-se a Cristiano Ronaldo e João Cancelo na próxima época.

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Gonçalo Guedes era titular num Valencia que também tinha o ex-Sporting Piccini e os ex-Benfica Garay e Rodrigo no onze inicial e o Arsenal apostava na dupla Aubameyang e Lacazette apoiada por Özil, que atravessa um pico de forma interessante e que recorda o médio alemão que em 2014 encantou o mundo no Mundial do Rio. Os ingleses começaram algo nervosos, a conceder a iniciativa ao adversário e com pouca posse de bola: os gunners precisavam desesperadamente de uma vitória, não só para ganhar uma vantagem caseira para a segunda mão como para esquecer as três derrotas consecutivas na Premier League (às mãos do Crystal Palace, do Wolves e do Leicester). O relativo sucesso da época de estreia de Unai Emery no Emirates depende de uma eventual conquista da Liga Europa e para garantir isso era necessário não sofrer golos em casa, marcar e chegar à final de Baku.

O primeiro revés a esse objetivo, porém, chegou logo aos 11 minutos. Num pontapé de canto que já tinha ensaiado anteriormente, o Valencia colocou a bola ao segundo poste, onde Rodrigo apareceu sem marcação e assistiu para o poste contrário, onde Diakhaby foi mais forte do que Mustafi, Xhaka e Lacazette e cabeceou para o primeiro do jogo. O Valencia não só estava a ganhar como estava a ganhar fora, garantindo desde longo um importante trunfo para o resto da eliminatória. Nos minutos que se seguiram ao golo, os espanhóis estiveram quase sempre mais perto de fazer o segundo do que o Arsenal esteve de empatar — principalmente num atraso inexplicável de Maitland-Niles para Petr Cech que Guedes não aproveitou por pouco (15′) — mas foi nessa altura que apareceu uma dupla que é sempre desvalorizada enquanto duo e apresentada enquanto individualidades mas que começa a funcionar como um verdadeiro relógio suíço.

Aubameyang e Lacazette nem sempre jogam lado a lado — ou melhor, raramente jogam lado a lado — mas estão dedicados a mostrar a Unai Emery que essa é a melhor opção para o ataque do Arsenal. Aos 18 minutos, o avançado francês lançou o gabonês em velocidade, Aubameyang destruiu Paulista, Garay e Neto e fez um compasso de espera até devolver a Lacazette, que só precisou de rematar para a baliza deserta. Empate feito no Emirates com um daqueles golos em que a assistência valeu tanto como o último toque e viragem na primeira mão da meia-final, já que a equipa inglesa ganhou uma confiança e mostrou uma vontade de chegar à área contrária que ainda não tinha desvendado desde o apito inicial. Por isso mesmo, e beneficiando de uma aparente desmotivação do Valencia face ao golo sofrido, o Arsenal não demorou sequer dez minutos a chegar ao segundo: Xhaka cruzou para o segundo poste a partir da esquerda e Lacazette, outra vez Lacazette, escapou a Roncaglia para cabecear para a vantagem inglesa (26′).

O Arsenal terminou a primeira parte à procura do terceiro golo que o levaria mais confortável para a segunda mão no Mestalla e foi assim que começou a segunda, com um enorme fluxo ofensivo que levou a percentagem de posse de bola dos ingleses para cima dos 60%. Gonçalo Guedes e Rodrigo estavam totalmente isolados na frente de ataque, o Valencia estava fechado dentro de si mesmo e sem linhas de passe para sair de forma apoiada e o Arsenal aproveitava, com lances de transição — sempre com prioridade pelo corredor esquerdo, para onde tombava Özil e onde Xhaka estava muito móvel — que visavam assistir Aubameyang ou Lacazette. O francês podia ter chegado ao hat-trick em duas ocasiões (63′ e 67′) mas falhou ambas de forma clamorosa e prolongou a ansiedade dos gunners.

O jogo mais partido e o cansaço acumulado pelo meio-campo do Arsenal motivou a aposta do Valencia nos piques de velocidade e nos contra-ataques que tentavam apanhar desprevenidos os defesas ingleses, já com dificuldades em encontrar o posicionamento correto. Ainda assim, e já sem Gonçalo Guedes nem Rodrigo em campo mas com Kevin Gameiro e Daniel Wass, foi o Arsenal a chegar ao terceiro que tanto procurou, num lance de insistência em que Kolasinac encontrou Aubamenyang ao segundo poste e o gabonês fuzilou Neto (90′). A equipa de Marcelino Toral esperou cinco anos para se vingar de Unai Emery e mostrar ao treinador o que significa o karma mas Emery teve esta noite uma preciosa ajuda francesa, um Lacazette inspirado que deu ao Arsenal metade do passaporte para a final da Liga Europa e se tornou o primeiro jogador dos gunners a bisar nas competições europeias desde 1995.