A CP voltou a fretar comboios ao PS e a afetar o seu serviço regular para que os militantes socialistas pudessem chegar a horas à festa que se realizou no último sábado em Aveiro. Na manhã de sábado, às 8h55, partiu da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, um comboio com destino a Aveiro cujo único objetivo era transportar os militantes do PS para uma ação da pré-campanha para as eleições europeias. Pelo caminho foram feitas dezenas de paragens num circuito desenhado exclusivamente para o evento. O comboio circulou num canal isolado para não interferir com os restantes serviços e a CP nega atrasos — mas eles existiram. E houve outras peripécias, como comboios Alfa Pendular a fazer as vezes de Intercidades.
As carruagens da locomotiva utilizada pelo PS foram as mesmas que compõem habitualmente os comboios Intercidades da CP. Assim, e para que os socialistas conseguissem ter vagões suficientes para todos os militantes, a operadora teve de recorrer a Alfas Pendulares para serviços de Intercidades, como confirmou o Observador junto de uma fonte da CP. “O Intercidades das 6h30 de sábado, dia 27 de abril, o IC521, foi feito com um Alfa Pendular que devia estar no Porto para fazer a ligação de Alfa Pendular das 09h40, o AP120, do Porto para Lisboa”. Nenhuma destas viagens foi suprimida mas, segundo a mesma fonte, o comboio partiu do Porto com 20 minutos de atraso “por ter aguardado que a sua composição chegasse no IC521”.
Este foi um atraso diretamente causado pela circulação do comboio do PS. E, de acordo com o site da Infraestruturas de Portugal (IP), não seria o único caso. Isto porque, por volta da mesma hora e nas mesmas cidades ou estações de onde saía o comboio do PS para a festa, havia o registo de pelo menos três comboios atrasados: um suburbano que seguia de Lisboa para a Azambuja, um Intercidades que saía de Lisboa com destino a Guimarães e um suburbano que partia da estação de São Bento, no Porto, para Aveiro.
Às 22h00 de sábado, quando o Observador acedeu ao site da IP, era dada a indicação de um atraso de 829 minutos (mais de 13 horas) no suburbano que partia de Lisboa, um atraso de 629 minutos (mais de 10 horas) no Intercidades e um de 465 minutos no suburbano do norte. Nas respostas que enviou por escrito, a CP explicou que “todos os comboios foram realizados com partidas e chegadas dentro do horário estabelecido“. Houve apenas ligeiros atrasos — “6 minutos de atraso do comboio Intercidades à chegada a Braga e 1 minuto de atraso no comboio urbano do Porto à chegada a Aveiro”, segundo explica a operadora.
A CP não explica, no entanto, o motivo pelo qual no site da IP continuam a ser assinalados os atrasos referidos. Uma fonte ouvida pelo Observador explica que deve tratar-se de “um erro de grafismo”.
Já em agosto de 2018 — como noticiou o Observador — o PS tinha fretado um comboio para a Festa de Verão, a rentrée socialista que teve lugar em Caminha, nas mesmas circunstâncias. Naquele mês, a CP e o Governo estavam a ser alvo de críticas devido ao elevado número de atrasos na circulação e a outras falhas no serviço. A notícia de que a operadora aceitava “os atrasos resultantes” da circulação do comboio da festa socialista chegou na pior altura e veio colocar o Executivo e a CP debaixo de novos ataques da oposição.
Nesse dia, aliás, chegou mesmo a ser suprimido o comboio turístico de Mira Douro para que uma locomotiva fosse utilizada no comboio do PS que partiu do norte.
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Agora, o PS não publicitou nas redes sociais que ia disponibilizar o comboio, mas avisou as estruturas locais para que os militantes pudessem seguir para Aveiro. Algumas foram divulgando ao longo do dia no Facebook oficial o caminho até à festa. Foi precisamente o caso da Federação do PS de Setúbal, presidida pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes (que aparecia num post a tirar uma selfie com vários militantes dentro de uma carruagem).
https://www.facebook.com/FederacaoDistritalDeSetubalDoPartidoSocialista/photos/a.361121977291899/2592736704130404/?type=3&theater
CP alterou comunicação interna e apagou formulação que aceitava “atrasos”
Desta vez — após a polémica de agosto de 2018 — a Carta Impressa, que permite que o comboio do PS tenha prioridade sobre todo os outros, surge com alterações. Esse documento, a que o Observador teve acesso, já não diz o que dizia antes: “O operador CP aceita os atrasos resultantes a outros comboios pela realização dos comboios da presente Carta Impressa”. Agora, em alternativa, é escrito: “Chama-se a atenção a todo o pessoal interessado para o rigoroso cumprimento do que se encontra regulamentado sobre circulações extraordinárias, particularmente no que se refere a AVISOS À VIA”. Apesar de não estar explícito, o que está regulamentado é precisamente esse privilégio: o comboio fretado é prioritário sobre os comboios do serviço regular da CP.
Uma alteração na comunicação interna que a torna mais abrangente e que deixa de fora a confirmação de que se aceitam os atrasos causados pela circulação do comboio do PS. Nas respostas enviadas por escrito ao Observador, a CP não explica a razão pela qual fez alterações à carta impressa, limitando-se a constatar que esta não é a primeira vez que a formulação surge modificada. “[A frase em questão] já constava da carta impressa anterior”, explica a operadora.
A CP, à semelhança do que tinha respondido em casos anteriores, assegura ainda que o PS não é mais beneficiado do que outra qualquer entidade com que negoceie termos semelhantes. “O comboio fretado pelo Partido Socialista foi um serviço especial igual aos variados comboios especiais que a CP realiza“, adianta ao Observador.
Certo é que, por falta de equipamento, a CP já chegou a recusar fretar comboios a entidades com as quais mantinha um serviço semelhante com alguma regularidade como, por exemplo, o Benfica. Também certo é que a operadora tem sempre respondido de forma positiva a estes pedidos do PS.
Mas os socialistas não são a única formação na área política a ter recorrentemente luz verde da CP. Em novembro, tal como o o Observador noticiou, a CGTP também recorreu a este serviço para levar sindicalistas a uma manifestação. A central sindical teve as mesmas condições: prioridade na passagem, nem que para isso fossem atrasados outros comboios.
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