Está aprovada a contagem integral do tempo de carreira congelada aos professores: os nove anos, quatro meses e 18 dias (3.411 dias). Foi aprovada uma proposta conjunta do PSD, CDS, PCP e BE que avançava com este princípio, tendo o voto contra apenas do PS. Os mesmos partidos entenderam-se também para antecipar já para este ano o pagamento dos dois anos, nove meses e dois dias já aprovados pelo Governo — o decreto que previa a reposição deste tempo de forma faseada até 2021. O PSD fez aprovar proposta que tenta contornar a lei travão, que impede o Parlamento de impor ao Governo despesas não previstas no Orçamento; o PS ameaça com uma verificação de constitucionalidade.

A comissão esteve esta quinta-feira à tarde (numa reunião de mais de quatro horas) a votar na especialidade as três propostas (do PCP, BE e PSD) com alterações ao decreto do Governo sobre o descongelamento das carreiras dos professores. Todos os partidos defendiam a contagem integral do tempo congelado e a aprovação era temida pelo Governo tendo em conta o seu impacto orçamental. Ainda esta terça-feira o ministro das Finanças, Mário Centeno, disse que contar todo o tempo de serviço dos professores representaria “o maior aumento de despesa desta legislatura” e iria abrir “uma caixa de Pandora” sobre a recuperação do passado nas carreiras.

As propostas do PCP e do BE, que determinavam um calendário para a recuperação de todo o tempo até 2025, foram chumbadas. Mas a proposta conjunta passou, sem definir um calendário para a reposição — a única coisa que foi acordada foi que a partir de 2020 o Governo tem de estabelecer um “processo negocial” para efetivar a recuperação do tempo (o que era proposto pelo PSD e pelo CDS). O PS ficou isolado também nesta votação.

No entanto, os partidos da esquerda acabaram por não aprovar as limitações que as propostas da direita definiam para a recuperação de todo o tempo congelado. PSD e CDS queriam fazer depender essa negociação da situação económica e financeira do país, tendo em conta a taxa de crescimento do PIB e a evolução da dívida pública ou a sustentabilidade do sistema público de educação. Mas BE, PCP e PS votaram contra. Na negociação, a direita cedeu nestas condições para conseguir ter a esquerda ao seu lado no resto.

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Assim, a primeira proposta a ser aprovada nesta longa reunião foi a que definiu “o modelo de recuperação integral do tempo de serviço, nomeadamente, os termos e forma, para efeitos de progressão  na carreira e respetiva valorização remuneratória ou outro efeitos a serem considerados em processo de negocial, prestado em funções docentes (…) num total de 3.411 dias, período de tempo em que se verificou o congelamento no qual não houve qualquer valorização remuneratória” — os tais nove anos, quatro meses e 18 dias reclamados pela oposição ao Governo socialista, incluindo os seus parceiros parlamentares desta legislatura. Esquerda e direita entenderam-se neste ponto contra o PS.

Dois anos, nove meses e dois dias terão de ser pagos já este ano

A esquerda e a direita também se juntaram quanto à recuperação de parte deste tempo (os dois anos, nove meses de dois dias) por inteiro e já este ano. O Governo propunha que fossem devolvidos de forma faseada, e não na sua totalidade, até 2021 — mas a coligação negativa voltou a funcionar e a travar as intenções do Governo.

A primeira parte do tempo será, assim, recuperada já este ano, mas apenas se houver capacidade orçamental. Caso não exista o montante suficiente para fazer face a esta despesa, ela passa para o Orçamento de 2020 mas com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019. Esta foi a forma encontrada pelo PSD para contornar a norma travão que está na Constituição e que proíbe a apresentação de projetos de lei ou propostas de alteração “que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”.

Segundo a proposta do PSD, “cumpre ao Governo a aprovação orçamental em 2019 da aplicação do impacto financeiro” previsto pela reposição dos quase três anos do tempo de serviço dos professores. “Não se verificando” capacidade orçamental, “as verbas são inscritas no Orçamento para 2020 com efeitos retroativos a 1 de janeiro 2019”.

PSD e CDS votaram a favor, BE e PCP abstiveram-se e o PS voltou a ficar isolado na defesa do decreto do Governo. No final desta votação, o deputado socialista Porfírio Silva disse que “a norma tem o mérito de reconhecer que existem inconstitucionalidades nas propostas”.

A proposta que o PSD alterou à última hora — durante os trabalhos da comissão parlamentar de Educação — pretende “evitar pedidos de inconstitucionalidade que possam durar dois anos a ter resposta”, explicou a deputada Margarida Mano:

“A nossa proposta visa tirar a possibilidade de ficarmos reféns de um direito formal do Governo de solicitar a inconstitucionalidade e colocar o ónus na Assembleia da República”.

Ainda assim, o PSD considera que o valor em causa “nunca será mais de um terço dos 196 milhões” que o Governo estima de impacto com a reposição dos dois anos já a contar de 1 de janeiro. “Do ponto de vista do PSD é um valor perfeitamente acomodável e que o Governo só não acomodará se não quiser”.

O Governo tem estado a ameaçar com a inconstitucionalidade da aplicação do seu decreto a todo o ano de 2019, alegando não ter capacidade orçamental para o fazer. E o PS está a acompanhá-lo nisso.

Direita e esquerda a negociar com Mário Nogueira a assistir

Os socialistas avisaram logo no início da reunião da comissão parlamentar, pela voz do deputado Porfírio Silva, que o PS vai pedir que o que for aprovado nesta comissão seja sujeito a verificação de constitucionalidade no Parlamento. “O PS tomará as iniciativas necessárias para que dentro de casa, com recursos próprios da Assembleia da República, possa ser verificada a constitucionalidade do texto”, disse o deputado socialista. Questionado pelo Observador sobre de que forma pode isto acontecer no Parlamento, o deputado recusou-se a esclarecer.

A comissão parlamentar decorreu no meio de negociações que aconteceram em simultâneo entre as bancadas da esquerda e da direita durante toda a tarde. O presidente da comissão, Alexandre Quintanilha, teve de interromper os trabalhos por duas vezes, para que os partidos pudessem chegar a conclusões antes de submeterem textos e alíneas a votação, concretamente nos dois pontos principais: a contagem integral do tempo congelado das carreiras dos professores e a contagem dos dois anos já a partir de 1 de janeiro de 2019.

Os deputados do CDS, PSD, BE e PCP tentam chegar a entendimento num intervalo da comissão parlamentar

A assistência na sala da comissão chegou a estar lotada, sobretudo com membros dos sindicatos dos professores a ocuparem as cadeiras à volta da mesa de trabalhos. Entre eles esteve o presidente da Fenprof, Mário Nogueira.

A meio de abril, a Rádio Renascença chegou a noticiar, citando fonte próxima do primeiro-ministro, que o Governo estaria a ponderar a demissão se fosse aprovada a reposição da totalidade do tempo dos professores. Ao Observador, nesse mesmo dia, o gabinete do primeiro-ministro garantiu: “O cenário não está em cima da mesa”. Ainda assim, São Bento reconhecia “a gravidade das propostas que estão a ser discutidas, porque no limite podem significar a insustentabilidade das contas públicas”.

Professores. Gabinete do primeiro-ministro diz que demissão “não está em cima da mesa”

Artigo corrigido na votação quanto aos limites que a direita pretendia para a negociação do tempo integral a partir de 2020.