Hoje, partir de Berlim e a pretexto da abertura das pré-reservas para a edição de lançamento do primeiro modelo da nova família de eléctricos ID., a Volkswagen fez uma comunicação ao mundo: “A revolução está em marcha.” De que revolução estava a marca a falar? Daquela que a leva a investir 11 mil milhões de euros no desenvolvimento de novas tecnologias até 2023, dos quais 9 mil milhões são inteiramente canalizados para a mobilidade eléctrica.

Mas se estes números são impressionantes, quando vistos à escala do grupo, o impacto é (muito) maior. Nos próximos anos, o objectivo do conglomerado germânico é passar de seis modelos puramente eléctricos para mais de 50. Isto só “na primeira vaga” da ofensiva eléctrica, o que obriga a um investimento global que ascende aos 30 mil milhões de euros.

À Volkswagen, a marca que dá o nome ao grupo (e grande parte do “fôlego” financeiro), caberá o maior esforço desta aposta, como se pôde perceber quando Jürgen Stackmann, membro do conselho de administração da Volkswagen, com o pelouro das vendas, assumiu que o construtor de Wolfsburg quer ser líder nos veículos eléctricos e, mais do que isso, “arrastar” o resto da indústria para uma mobilidade cada vez mais sustentável.

Volkswagen vai perder 3.000€ em cada ID que venda

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A meta do fabricante alemão é vender 100.000 carros eléctricos em 2020 e 1 milhão em 2025, cabendo ao ID.3 dar o pontapé de saída numa ofensiva “verde” que, só com a insígnia Volkswagen, tem programados 20 modelos para os próximos anos.

3 razões para não querer um eléctrico (e comprar o ID.3)

Para rapidamente assumir a liderança nos veículos eléctricos, a Volkswagen concebeu uma estratégia que está muito longe de passar “só” pelos carros. Mas disso trataremos noutro artigo.

A marca está perfeitamente consciente que os veículos eléctricos, embora tenham vindo a aumentar a sua quota de mercado nos últimos tempos, ainda estão muito longe das expectativas mais optimistas. Basicamente, porque nem todos os consumidores (que são quem tem a última palavra) estão convencidos da mais-valia da solução. E isso acontece, essencialmente, por três razões: os carros eléctricos ainda são pouco acessíveis, oferecem uma autonomia curta e exigem longos tempos de carregamento, em postos que não abundam. Ora, são estes os argumentos de venda com que o hatchback alemão pretende impor-se no mercado, propondo exactamente o inverso: um eléctrico barato, que recarregue depresse e que não tenha uma autonomia aflitiva.

Vamos por partes. Primeiro, a democratização do carro eléctrico. Tal como já aqui tínhamos antecipado, a Volkswagen confirmou agora que o ID.3 vai ser comercializado por valores abaixo dos 30.000€. A marca promete preços equivalentes aos de um Golf com o mesmo nível de potência e de equipamento, garantia que só é possível porque o conglomerado alemão já está a fazer as contas àquilo que poupará com as economias de escala, conseguidas à conta da MEB. Esta arquitectura modular especificamente desenvolvida para veículos eléctricos é o grande trunfo que vai permitir arrasar os preços:

Cerca de 10 milhões de veículos em todo o grupo serão baseados nesta plataforma logo na primeira vaga. A MEB é a espinha dorsal económica e tecnológica da nossa estratégia do carro eléctrico para todos”, sublinha o responsável da Volkswagen para a e-mobilidade, Thomas Ulbrich.

À curta autonomia, a Volkswagen responde com no mínimo 330 km e, no limite, até 550 km, sendo que a marca tem convicção de que a maior procura residirá precisamente na oferta intermédia, 420 km. Os valores anunciados são estimados para o ciclo WLTP, o que significa que não deverá haver grandes desvios em condições reais de utilização. Mas se no passado a marca revelou a potência disponível das baterias que asseguram estes valores, agora prefere concentrar-se em falar na potência útil (porque as baterias têm sempre uma pequena reserva para garantir que todos os sistemas ficam salvaguardados quando a energia “acaba”). Assim, em vez dos anteriores 48 kWh aponta 45 kWh úteis para o acesso à gama, depois 58 kWh (62 de capacidade total) e, no topo da oferta, 77 kWh (cerca de 80 total). Esta clarificação não será inocente, pois se as contas se fizerem em relação à capacidade “útil” e não em relação à total, os consumos saem beneficiados do exercício.

Sem segredos. Já sabemos como vai ser o VW I.D. Neo

Questionado pelos jornalistas, Stackmann assegurou que as baterias do I.D. oferecem uma garantia de oito anos ou 160 mil quilómetros, período findo o qual ainda deverão ter 70% da sua capacidade. Tal como já aqui escrevemos, neste ponto, não se pode dizer que a marca alemã revoluciona, pois é já essa a bitola para os eléctricos que rodam por aí há algum tempo, do Nissan Leaf ao Renault Zoe.

Quanto ao derradeiro argumento de venda, o tempo de recarga, a Volkswagen esclarece que todos os ID. vêm preparados de fábrica para aceitar carga rápida. Um standard que lhes permite carregar a 100 ou a 125 kW, sendo que este último valor só é aplicável ao acumulador de maior capacidade. Com isso, o fabricante garante que em meia hora o hatchback armazena 80% da carga.

Mas por que razão se chama ID.3?

Ainda não era oficial, mas já aqui tínhamos revelado que o hatchback iria perder o nome de código “Neo” e assumir a designação comercial ID.3. Confirma-se, mas agora tivemos direito a uma explicação, pois na Volkswagen – ao contrário de outras marcas, como a BMW, por exemplo – não havia a tradição de numerar em função do segmento. Até agora.

Jürgen Stackmann

Stackmann esclareceu que a nova família ID funcionará como uma espécie de submarca no portefólio da Volkswagen, sendo o acrónimo de Inteligent Design. Já o “3” visa situar a marca naquele que é o “coração” da sua performance comercial, ou seja, o segmento dos compactos, onde Golf e Tiguan são best-sellers. Por outro lado, numerar a família ID. permite ainda à Volkswagen ampliar a sua oferta puramente eléctrica, fazendo-a crescer para cima, numa primeira fase, e depois para baixo. A terceira razão que explica que o 3 do ID. nada tem que ver com a Tesla (Model 3) é a história, pois se o Carocha escreveu um capítulo e o Golf marcou o segundo, o novo ID.3 encarrega-se de encetar uma nova era – a era da mobilidade eléctrica “para o povo”.

“Now you can.” Mas só se correr!

“Now you can” – esta foi a frase que Stackmann mais vezes repetiu no evento de abertura das pré-reservas do ID.3. Para posicionar o novo eléctrico como o primeiro impulso na democratização dos veículos eléctricos, a marca alemã adaptou o slogan do (democrata) Obama e prepara-se para dar início a uma campanha de esclarecimento público, através de uma plataforma online que visa responder às principais dúvidas dos consumidores. A isto vai somar um agressivo plano de comunicação, quando ainda estamos a um ano da chegada do ID.3, que deverá sair da fábrica de Zwickau ao ritmo de 100.000 unidades/ano a partir de 2020 – sendo que a fábrica, exclusivamente dedicada a veículos sobre a plataforma MEB, terá uma capacidade instalada de 330.000 unidades/ano.

4 fotos

No segundo trimestre de 2020, à partida em Abril, começam a ser entregues as primeiras 30.000 unidades da chamada 1st Edition. Não haverá “nem mais uma”, asseverou Stackmann. Dessas, 50 estão reservadas ao mercado português, mas duas horas depois de o prebooking ter aberto já havia 20 portugueses a sinalizar o interesse com o depósito de 1.000€. Com esta quantia, garantem que depois do Salão de Frankfurt, altura em que abrem as reservas, ganharam o passaporte para formalizar a encomenda num concessionário à escolha.

Disponível em 25 países, o ID.3 1st Edition apresenta-se apenas em quatro cores e em três versões (1st, 1st Plus e 1st Max), sendo invariavelmente equipado com a bateria de 58 kWh, a tal que garante 420 km de autonomia. Em troca, a Volkswagen vai cobrar um valor inferior a 40.000€ e oferecer energia durante o primeiro ano.

https://www.youtube.com/watch?v=af1qkiGAKjQ

A produção arranca no final do ano, estando previsto que o ID.3 standard (ou seja, fora desta edição especial) comece a ser entregue aos clientes em Junho de 2020. Há uma derrapagem de seis meses, face ao programa inicial, mas a marca não se pronunciou a esse respeito.

Mas o ID.3 tem bom aspecto? É giro?

Excepção feita para a possibilidade de existirem fugas, esta pergunta só terá resposta dentro de quatro meses. Na abertura das pré-reservas, o ID.3 voltou a surgir com um camuflado daqueles que até baralha a vista (a ideia é mesmo essa), com a confusão visual a ser potenciada pelo jogo de luzes. Mas, entretanto, as fotos libertadas pela marca já deixam pouco à imaginação. Embora o camuflado persista, por aquilo que nos é dado a ver, parecem ser  poucas as alterações face ao showcar revelado no Salão de Paris, em 2016. Isto em relação ao exterior, porque o interior permanece uma incógnita.

O interior do Seat el-Born, o “mano” espanhol do eléctrico alemão

Só no Salão de Frankfurt, em Setembro, é que a marca promete deixar cair por completo o véu que cobre o primeiro elemento da nova família eléctrica. E será também nessa ocasião que serão divulgadas as especificações do modelo. Para já, fica a certeza de que estamos perante um modelo ligeiramente mais curto que um Golf, mas que oferece a habitabilidade de um Passat, em virtude de estar montado sobre uma plataforma pensada de raiz para acolher baterias.

Outra das certezas é que, mesmo que o cliente queira, é impossível fazer upgrades à bateria. Quem compra um ID.3 de 45 kWh não pode, mesmo querendo pagar para isso, passar a ter ao seu serviço acumuladores de 58 kWh. Segundo a marca, tem tudo a ver com o peso.

De resto, ficam três promessas: além de começar a ser proposto por um valor “abaixo de 30.000€”, este 3 vai ser “realmente divertido de conduzir” e “actualizável ao longo de todo o ciclo de vida” do produto. Será controlável por voz e “recebe o condutor com um sorriso” (desenhado pelas luzes).

Mas o que fará sorrir grande parte dos consumidores é que, depois do ID.3, a concorrência não terá alternativa se não a de baixar (consideravelmente) os preços dos seus eléctricos, sob pena de perder clientes para uma proposta mais moderna, mais acessível e mais prática. Isto porque será difícil explicar a um cliente que é melhor negócio adquirir um Renault Zoe (300 km de autonomia) por 33.200€, ou um Nissan Leaf (270 km) por 35.400€, em vez do ID.3 (330 km) por menos de 30.000€.