Foi criado o primeiro organismo vivo com um código de ADN totalmente sintético e radicalmente alterado. O feito de uma equipa de cientistas do laboratório de biologia molecular da Universidade de Cambridge, resultou de dois anos de investigação, e foi agora publicado pela revista Nature.
Em causa está ADN da bactéria Escherichia coli, mais conhecida por E.coli, muito resistente, que vive nos solos, mas também no intestino humano. Os investigadores conseguiram criar células com uma versão sintética do genoma alterado, que é quatro vezes maior e muito mais completo, em comparação com os ADN criados artificialmente até aqui.
Jason Chin, biólogo da Universidade de Cambridge que conduziu o estudo, quis compreender porque é que todos os organismos vivos codificam a informação genética da mesma maneira. Ao fazer o anúncio, reconheceu que o ponto de partida era incerto:
Não era nada claro que fosse possível criar um ADN tão grande nem que mudasse tanto”.
Creating an entire bacterial genome with a compressed genetic code https://t.co/RcBtfBtZtd #LMBresearch @JuliusFredens @LFunke8 pic.twitter.com/Cec8maSNM0
— MRC LMB (@MRC_LMB) 16 de maio de 2019
Foi preciso muito trabalho de laboratório. Cerca de 18.000 alterações depois, os investigadores chegaram ao Syn61, o tal organismo vivo, um bicho maior do que a bactéria E.coli, que cresce mais lentamente, e que, apesar de tudo, consegue sobreviver.
Como chegaram ao “bicho”?
O ADN é formado por distintas combinações conhecidas pelas letras A, T, G e C. Cada gene é comandado pela união de três delas. Cada trio forma um código genético.
Praticamente todos os organismos vivos são compostos por 64 códigos genéticos: 61 produzem 20 aminoácidos naturais que ajudam a construir as proteínas, na natureza. Contudo, muitos fazem exatamente o mesmo trabalho, ou seja, produzem o mesmo aminoácido. E os outros três códigos genéticos em falta, fazem o quê? Dizem ao ADN quando para de produzir.
Com recurso a um computador, os cientistas perceberam que são precisos apenas 61 códigos genéticos para produzir todos os aminoácidos necessários. Por exemplo, em vez de exigir seis códigos para produzir serina, um aminoácido, o genoma que criaram usa apenas quatro. Foram reescrevendo os códigos genéticos: cada vez que encontraram um TCG modificaram-no para ACG e chegaram à conclusão que fazia o mesmo trabalho.
Resistência a vírus: um novo caminho?
Na prática, acredita-se que esta inovação científica abre um novo caminho para os organismos resistentes aos vírus, como destacam o The Guardian e o The New York Times. A recodificação permite criar células para impedir a entrada de determinados vírus.
A indústria farmacêutica utiliza micróbios para fabricar medicamentos. Micróbios como a E.Coli, precisamente, são utilizados para produzir insulina e outras substâncias químicas úteis (também usadas para produzir detergentes, por exemplo).
Esta mesma bactéria é utilizada no tratamento de doenças como a diabetes, o cancro, a esclerose múltipla e no tratamento que se segue a ataques cardíacos.
Ora, se um vírus entrar nos tanques de fermentação pode comprometer toda a operação, mas um micróbio com ADN sintético e reestruturado poderá ser imune. Daí a perspetiva de, futuramente, se criar um código genético livre que possa ser reutilizado para fazer com que as células produzam enzimas, proteínas e medicamentos.
Em 2010, cientistas norte-americanos já tinham anunciado a criação do primeiro organismo do mundo com um genoma sintético, mas não era totalmente reestruturado e partiu de um organismo mais pequeno do que a E.coli.
Tom Ellis, investigador de biologia sintética do Imperial College, em Londres, não tem dúvidas de que esta descoberta eleva a biologia sintética “a um novo nível”.
Congratulations to all the amazing team in Jason Chin's lab for taking synthetic genomes to the next level - 4 Million bp, 18,500 recoding changes. https://t.co/jfgFz7iPtt
— Tom Ellis (@DrTomEllis) 15 de maio de 2019
UK ???????? holds the synthetic genome records now.
Outras universidades estão com investigações em curso, como a equipa do próprio Ellis, que está a construir um genoma sintético para levedura de padeiro. Em Harvard, também há equipas a produzir genomas bacterianos com mais mudanças de codificação.