O ex-líder da ETA, José Antonio Urruticoechea, mais conhecido como Josu Ternera, foi detido na manhã desta quinta-feira em Sallanches, nos Alpes franceses, depois de ter estado 17 anos em fuga. Esta detenção de Josu Ternera ter anunciado a dissolução e desmantelamento da ETA, o que pode levar a um derradeiro ponto final na história daquele grupo terrorista, que matou pelo menos 829 pessoas.
Josu Ternera foi surpreendido por uma operação da Guardia Civil (Espanha) com a Direction Générale de la Sécurité Intérieure (França) no parque de estacionamento de um hospital, naquela localidade francesa. Depois da detenção, Josu Ternera, que terá um cancro não identificado, foi hospitalizado.
Josu Ternera, de 69 anos, foi um dos últimos líderes da ETA, até aquela organização terrorista ter anunciado a 3 de maio de 2018 a sua dissolução e desmantelamento total. Numa mensagem gravada num vídeo igual a tantos outros, com três encapuzados sentados a uma secretária rodeada por imagens alusivas à ETA e também pela bandeira do País Basco, um dos militantes ali sentados dava por terminado o “ciclo histórico e a função” da ETA e acrescentou: “A ETA surgiu deste povo e agora dissolve-se nele”. É precisamente a voz de Josu Ternera que se ouve naquele vídeo.
Enhorabuena a la @guardiacivil y a la Direction Générale de la Sécurité Intérieure (DGSI) por la detención en Francia del dirigente de ETA Josu Ternera, un nuevo logro de la cooperación hispano-francesa. Nuestro recuerdo permanente a las víctimas del terrorismo.
— Ministerio del Interior (@interiorgob) May 16, 2019
A detenção foi celebrada pelo Ministério da Administração Interna espanhol. No Twitter oficial, lia-se: “Parabéns à Guardia Civil e à DGSI pela detenção em França do dirigente da ETA Josu Ternera, um novo feito da cooperação hispano-francesa. Temos permanentemente na nossa memória as vítimas do terrorismo”.
Essa mesma ideia foi sublinhada pelo Presidente de Governo em funções, Pedro Sánchez. “A cooperação franco-espanhola volta a demonstrar a sua eficácia. O meu reconhecimento para a Guardia Civil e para a DGSI, pela detenção do dirigente da ETA, Josu Ternera, em França. Hoje, mais do que nunca, envio um abraço a todas as vítimas do terrorismo”.
La cooperación franco española vuelve a demostrar su eficacia. Mi reconocimiento a la @guardiacivil y al Servicio de Inteligencia francés, la #DGSI, por la detención del dirigente de ETA, Josu Ternera, en Francia. Hoy más que nunca un abrazo a todas las víctimas del terrorismo.
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) May 16, 2019
Da vandalização de campas ao atentado que matou 11 pessoas, entre elas 5 crianças
A história da ETA e de Josu Ternera têm vários pontos em comum, já que o ex-líder detido esta quinta-feira atravessou grande parte do período da “luta armada” daquele grupo, que matou pelo menos 829 pessoas.
Josu Ternera estreou-se como membro da ETA numa ação que consistiu na vandalização de campas nas vésperas do Dia de Todos os Santos. Tinha 18 anos quando entrou. Depois dessa prova iniciática, avançou para ações cada vez mais violentas — para as quais foi essencial a sua especialização em explosivos, utilizados tanto em atentados como em assaltos a bancos e empresas.
Em 1968, na reta final do franquismo, a ETA cometeu o seu primeiro crime: assassinou o guarda civil José Antonio Pardines. Três anos depois, Josu Ternera fugia para França. Ali, dedicou-se ao roubo de explosivos para utilizar em ações da ETA. Regressado a Espanha, já na década de 1980, Josu Ternera, foi um dos membros da ETA responsáveis pelo assalto à empresa da família Orbegozo (Saturnino Orbegozo, o patriarca, esteve sequestrado por aquele grupo terrorista entre novembro de 1982 e janeiro de 1983), que terá rendido cerca de 4 milhões de pesetas àquele grupo terrorista.
Porém, o caso mais violento em que Josu Ternera esteve envolvido remete para 11 de novembro de 1987. Na manhã daquele dia, uma bomba explodiu em Saragoça, mais propriamente numa residência onde viviam guardas e as suas famílias. Ao todo morreram onze pessoas, entre as quais cinco menores — dos três aos 16 anos. À altura dos factos, Josu Ternera já fazia parte da direção da ETA, à qual ascendeu depois da morte de Domingo Iturbe Abasolo (mais conhecido como Txomin Iturbe) na Argélia.
A 11 de janeiro de 1989, Josu Ternera viria a ser detido em Bayonne, localidade francesa próxima dos Pirinéus e que também faz parte do território para o qual os separatistas bascos defendem a independência. Em 1990, foi condenado a dez anos de prisão em França, mas, quando já levava mais de metade da pena cumprida, foi extraditado para Espanha em 1996. No tempo em que esteve preso, fez um curso de cozinha por correspondência e chegou a escrever um livro de receitas para recuperar de greves de fome — começava nos caldos e passava depois para pratos mais substanciais.
Em 2000 foi libertado e, no seguinte, concorreu às eleições para o parlamento basco nas listas do Euskal Herritarrok (partido abertzale entretanto ilegalizado) e foi eleito. Como deputado, chegou a ser membro da Comissão de Direitos Humanos daquele parlamento, por designação dos partidos independentistas.
A carreira política de Josu Ternera foi abruptamente interrompida quando, em 2002, foi constituído arguido pelo atentado de 1987 em Saragoça. Perante este desenvolvimento, Josu Ternera tornou à clandestinidade e o Tribunal Supremo emitiu uma mandado de captura internacional, que foi aceite pela Interpol.
O caminho para as negociações — e a detenção, que foi à terceira
Em 2006, na qualidade de “general” da ETA e também de membro da ala que defendia um diálogo com as autoridades espanholas, Josu Ternera chegou a sentar-se à mesa, na Noruega, com enviados do governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero. As negociações duraram entre 2004 e 2006, ano em que falharam. Enquanto as negociações duraram a ETA não matou ninguém — porém, em 2006, voltou à carga e matou duas pessoas.
Após o fracasso das negociações em 2006 na Noruega, Josu Ternera terá voltado para a sua vida clandestina em França. Porém, em 2011, ano em que a ETA anunciou o “fim definitivo da atividade armada”, voltou àquele país nórdico para uma nova ronda negocial, desta vez com a Comissão Internacional de Verificação — o governo espanhol, à altura liderado por Mariano Rajoy, não aceitou sentar-se àqueal mesa. Em 2013, a Noruega expulsou Josu Ternera e os dois restantes líderes da ETA (David Plá e Iratxe Sorzabal) depoisde estes terem recusado o desarmamento e dissolução daquela organização terrorista. À altura, escrevia o El País, havia discordâncias no seio do grupo terrorista quanto ao modo para prosseguir — entre a continuação do grupo, com armas a postos, e a dissolução total.
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Desde então, Josu Ternera terá estado sempre em França. Vivia em Sallanches, e, a partir dali, coordenava o processo de dissolução da ETA. Os últimos anos daquele grupo foram marcados pela detenção de outras personalidades de todo da ETA (inclusive David Plá e Iratxe Sorzabal), o que terá aberto o caminho para que Josu Ternera, enquanto veterano daquele grupo, pudesse levar avante o anúncio da dissolução e desmantelamento da ETA.
De acordo com o El Correo, houve duas ocasiões em que Josu Ternera esteve muito perto de ser detido. A primeira foi em 2011, na região francesa de Sabóia, quando esteve perto de ser apanhado juntamente com o seu filho, Egoitz Urrutikoetxea, também ele membro da ETA — este, por sua vez, viria a ser detido em Paris, em outubro de 2015. A segunda terá sido em julho de 2013, em Durban Sur Arize, uma pequena aldeia no lado francês nos Pirinéus. À altura, Josu Ternera vivia com a sua mulher e um filho de três meses.
A permanência de Josu Ternera em liberdade, quando tantos outros membros de topo da ETA eram detidos, levantou dúvidas, desde os setores afetos ao terrorismo e ao separatismo basco até à direita unionista espanhola. Há vários anos que se escreve que Josu Ternera tem um cancro, doença que o obrigaria a fazer tratamentos regulares. De acordo com o El Correo, a última detenção falhada, em 2013, não teve sucesso porque Josu Ternera saiu de casa para fazer os tratamentos ainda de madrugada, horas antes de os polícias franceses terem iniciado a sua missão — até porque, em França, as buscas domiciliárias só podem ser iniciadas entre as 6h00 e as 21h00.
O último ato de Josu Ternera em nome da ETA terá sido precisamente o anúncio da sua dissolução e desmantelamento, em maio do ano passado. Ao contrário do que era hábito daquele grupo, a comunicação foi feita apenas em áudio, sem vídeo. Naquele vídeo, defendia a realização de um referendo à independência na Catalunha, apontando para um “processo” assente em três eixos.
“Daqui em diante, o principal desafio será construir como povo um processo que tenha como eixos principais a acumulação de forças, a ativação popular e acordos, seja para abordar as consequências do conflito ou para abordar a sua raiz política e histórica. Materializar o direito a decidir para chegar ao reconhecimento nacional será crucial. O independentismo de esquerda trabalhará para que isso leve à constituição do Estado basco”, anunciou Josu Ternera. “Adotamos esta última decisão para favorecer uma nova fase histórica. A ETA surgiu deste povo e agora dissolve-se nele.”
Em 2017, o militante da ETA foi condenado à revelia a oito anos de prisão, por pertencer a um grupo terrorista. Tudo indica que será, agora, essa a pena que terá de cumprir — mas nada invalida que não venha a ser extraditado para Espanha, caso haja um pedido nesse sentido.