Se em Portugal o Governo é atacado pela oposição por exagerar na contenção orçamental, lá fora o FMI estica a corda, pedindo só mais um esforço a Mário Centeno. E não é pequeno: dois mil milhões de euros em dois anos, para que as contas públicas possam ficar em território ainda mais seguro.
Na sequência da habitual visita que o fundo monetário faz aos mais diversos países do mundo, a missão a Portugal pede cautela com a despesa salarial e incentiva o Governo a investir.
É bom, mas não chega. FMI pede mais a Centeno
No espaço de um mês, o FMI melhorou a previsão de défice deste ano de 0,6% do PIB para 0,2%, mas a missão a Portugal sublinha que “um maior esforço orçamental ajudaria a melhorar a resistência” da economia. As autoridades deveriam, portanto, “considerar um esforço orçamental adicional, agora e no próximo ano”.
A organização avisa que o país deve obter uma margem de conforto para implementação de reformas. E sugere que Mário Centeno acelere a redução da dívida pública, “ainda elevada”, para “diferenciar melhor Portugal de outros países altamente endividados”. Até porque – reforça o FMI – essa margem ajudaria também o país a preparar-se face a eventuais cenários adversos e perante pressões na despesa, tendo em conta o envelhecimento da população.
Mas quanto esforço é afinal necessário? A missão do FMI recomenda “um aperto adicional de 1 por cento do PIB” no saldo estrutural primário “ao longo dos próximos dois anos”. Ou seja, a diferença entre as receitas e as despesas do Estado, sem contar com medidas temporárias, com o efeito da conjuntura económica e os gastos com juros da dívida, deveria ser mais baixa em cerca de 2.000 milhões de euros no conjunto dos dois anos. O FMI quer que o ministro das Finanças “tire vantagem do ainda ambiente favorável, incluindo as condições monetárias vantajosas”.
Em todo o caso, o FMI afirma que a meta para o défice, de 0,2% do PIB este ano, “parece alcançável”. Isto, “apesar da transferência para o Novo Banco mais alta do que o esperada”. O Governo inscreveu no Orçamento do Estado para este ano apenas 400 milhões de euros para reforço de capital, mas o esforço total pedido pelo Novo Banco ascende a 1149 milhões de euros.
História diferente é o próximo ano. Embora preveja uma melhoria e um histórico saldo zero em 2020, as previsões da missão do FMI estão abaixo das que foram feitas pelo Governo no Programa de Estabilidade (saldo positivo de 0,3%).
A entidade liderada por Christine Lagarde destaca que o défice teve em 2018 uma melhoria de 2,5 pontos percentuais do PIB, alcançando um resultado de -0,5%, porque os custos com a recapitalização de bancos tiveram “uma grande queda”, porque há uma diminuição dos gastos com juros, “uma execução orçamental apertada” e “um crescimento económico mais forte do que o potencial” da economia.
O FMI está ainda satisfeito com as metas do Governo para a queda da dívida – para menos de 100% do PIB em 2024. “É uma perspetiva claramente positiva”, entende a organização.
Em relação ao andamento da economia, o FMI faz questão de alertar que Portugal tem de se preparar para cenários adversos. Sendo uma pequena economia aberta, “Portugal sentiria diretamente as consequências negativas de um arrefecimento” da economia global e de um crescente protecionismo. Mais: “Um Brexit desordenado poderia ser especialmente sentido através do turismo”.
Depois de crescimentos de 2,7% em 2017 e de 2,1% em 2018, o FMI sublinha que o segundo semestre do ano passado foi marcado por uma desaceleração. Para 2019, a missão do FMI perspetiva uma melhoria do PIB de 1,7%, abaixo da previsão de Mário Centeno (1,9%).
Portugal acelera 1,8% no primeiro trimestre, acima da média europeia
FMI pede cuidado com despesa salarial e apoia esforços de investimento na Saúde
É tema habitual nos relatórios e comunicados do FMI sobre Portugal e, depois da discussão sobre salários dos professores, a organização reforça agora a posição nesta matéria. “As últimas projeções oficiais do Governo para gastos salariais nos próximos anos são significativamente maiores do que os projetados no ano passado”, alerta o FMI. O que “implica pressão adicional sobre as finanças públicas, mesmo tendo em conta a solução encontrada para a difícil questão das progressões nas carreiras”, considera.
A organização de Washington pede mudanças nas carreiras, porque “colocam-se questões sobre a sustentabilidade” dessa despesa, “face a flutuações económicas”. “Uma revisão abrangente do nível, composição e regras do emprego público deveria constituir a base para controlar melhor a trajetória da despesa corrente, sem sacrificar a qualidade do serviço prestado”, sugere o FMI.
O fundo monetário insiste ainda nas pensões, afirmando que o sistema beneficiaria se tivesse ajustamentos para controlar aumentos de despesa relativos ao envelhecimento da população e para “reduzir a igualdade entre pensionistas”. Desigualdade que, na opinião do FMI, “é elevada, pelos parâmetros europeus”.
Apesar de querer um controlo mais apertado da despesa corrente, o FMI considera que “os esforços que estão em curso para dar prioridade ao investimento público em áreas como a Saúde são bem-vindos, bem como o aumento do investimento projetado no Programa de Estabilidade”. Embora note que os valores inscritos no documento apresentado em abril estão “um pouco mais abaixo do que o orçamentado” em outubro.
“Fortalecer um crescimento de médio-prazo requer maiores investimento e produtividade”, avisa o FMI, que sugere novamente melhorias do ambiente regulatório, mais concorrência, melhorias das qualificações e uma utilização mais eficiente da mão-de-obra.
Ora, para sustentar taxas de investimento mais elevadas é fundamental poupar mais e o FMI alerta que “as poupanças das empresas e (especialmente) das famílias estão abaixo das médias europeias”.
Preocupações dos supervisores “são legítimas”
O FMI lembra que houve melhorias no sistema financeiro português, com os rácios de capital e os lucros a melhorarem, e com o crédito mal-parado a descer. Mas nem tudo está feito. A missão do FMI recomenda que os supervisores assegurem que os bancos reduzem ainda mais o crédito mal-parado, melhoram a gestão e os mecanismos de controlo, tornando-se igualmente mais eficientes e lucrativos.
Em relação ao modelo de supervisão financeira, que está no Parlamento à espera de um desfecho, o FMI entende que “os três supervisores nacionais (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) levantaram preocupações legítimas, que merecem a consideração do Parlamento” antes de aprovar a lei”. Um novo modelo de supervisão financeira “tem de assegurar a independência dos supervisores”, conclui o Fundo Monetário.