“Compreendemos bem o sinal que os eleitores nos quiseram dar”. “Lemos bem os resultados”. Foi assim que Assunção Cristas reagiu, a quente, à noite eleitoral que deixou o CDS, o partido que quer ser “a alternativa”, a valer apenas 6% dos votos dos portugueses. O que quis dizer com isso? Que a estratégia seguida por Nuno Melo, de agarrar o eleitorado da direita conservadora com um discurso carregado de ideologia, foi chumbada nas urnas, e que agora é preciso despir esse fato. Nuno Melo, que se “sacrificou” pelo mau resultado, até já o disse em entrevistas: Cristas é mais à esquerda do que ele, e é a isso que Cristas se vai agarrar.

A ordem agora é virar a página e retomar a “missão São Bento” a todo o gás. Prova disso são as jornadas parlamentares do CDS, marcadas para a semana (3 e 4 de junho), que vão ser dedicadas ao tema da Saúde e onde deverão já constar propostas do CDS que serão incluídas no programa eleitoral. Adolfo Mesquita Nunes é o responsável pela coordenação do programa e também ele deverá estar presente. “Estamos já de mangas arregaçadas para outubro”, diz Cristas numa publicação no Facebook.

Resta saber se daqui até outubro há tempo suficiente para recuperar de uma derrota. Segundo o Observador apurou junto de fontes próximas da direção, há preocupação, sim, ninguém esconde que “ficou mais difícil” atingir o objetivo, mas não há tempo a perder. Até porque a premissa que Cristas traçou para ela própria, logo no congresso de março de 2017, “continua válida”: o CDS sabe de onde parte, tem ambição para chegar mais longe (mesmo que não seja já) e quer contribuir o mais possível para uma maioria de 116 deputados do centro-direita — onde se inclui a soma de todos os partidos que partilhem este espaço, seja o PSD, seja o Aliança, ou até mesmo o PAN.

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“O ponto de partida agora ficou mais difícil, mais exigente, porque já não partimos de uma base de 18 deputados, mas partimos de uma base de 6% nas urnas”, ouve o Observador de uma fonte conhecedora da estratégia, que admite que é hoje “mais difícil de atingir” o objetivo. O caminho passa agora por regressar ao discurso pré-europeias. Ou seja, estas eleições são encaradas como uma espécie de interrupção onde veio à tona uma veia do CDS que não é a veia onde pulsa Assunção Cristas. E essa veia, mais conservadora, com um discurso securitário, alarmista e ideologicamente demarcado, foi chumbada nas urnas. Agora, com Nuno Melo em Bruxelas, é preciso recentrar: “Somos da direita democrática, sim, mas devemos voltar a pôr o foco na resolução dos problemas concretos das pessoas”, diz uma fonte, sublinhando que a ideia de que só um voto no CDS é que não serve para viabilizar nenhum governo de António Costa é para manter.

Depois do fracasso da campanha das europeias, onde o CDS não conseguiu eleger Pedro Mota Soares, Assunção Cristas quer recentrar a mensagem a tempo das legislativas

Nuno Melo, Pedro Mota Soares e todos aqueles que desenharam a estratégia da campanha do CDS para as europeias, entenderam que a melhor forma de combater a abstenção e de mobilizar o eleitorado da direita era através do discurso ideológico: assustar com o papão da extrema-esquerda (pedindo que o CDS tivesse mais votos do que o BE e PCP) e assumir diariamente que o CDS não tem “medo”, e tem “orgulho”, de ser de direita. A par da ideologia, o eurodeputado e cabeça de lista punha na agenda temas como o da segurança, defesa dos polícias, insistindo que o CDS dizia o que tinha a dizer sem olhar ao politicamente correto. As palavra “centro”, “centro-direita”, ou “espaço não socialista”, só apareciam na campanha quando Assunção Cristas pegava no microfone, ou quando Adolfo Mesquita Nunes, ou até mesmo Paulo Portas, surgiam como convidados. Ou seja, a “base eleitoral” em que Nuno Melo apostou foi o núcleo duro da direita conservadora, e a direção do CDS entende que a “base eleitoral” do CDS é mais ampla do que isso.

Como disse Adolfo Mesquita Nunes num jantar em Alcobaça, onde discursou na última semana de campanha, no CDS cabem todos, desde o “CDS do Melo” ao “CDS do Adolfo”. O ponto, agora, é provar ao próprio partido que os eleitores chumbaram nas urnas o “CDS do Melo”, e que por isso é melhor apostar noutro CDS em campanha, talvez o “do Adolfo” ou “o de Cristas”, menos conservador, mais liberal e democrata-cristão. Foi esse o “sinal” que Assunção Cristas acredita ter sido dado pelos eleitores, ainda que no núcleo duro da líder esteja clara a ideia de que a responsabilidade da derrota deve ser imputada a toda a direção do partido.

O Conselho Nacional do CDS reúne esta quinta-feira para avaliar os resultados das eleições e aprovar as contas do partido. Uma ocasião para começar a convencer a estrutura da nova estratégia. Críticos não vão faltar: esta terça-feira, ao Diário de Notícias, Abel Matos Santos, da Tendência Esperança e Movimento (TEM), já antecipava a viragem e criticava o CDS “moderninho ao centro” de Assunção Cristas, dizendo que o centro já está ocupado e que, por isso, era preciso voltar aos “princípios fundadores da democracia-cristã”.

A favor de Cristas joga, para já, o facto de Nuno Melo ter assumido ele próprio a derrota na noite eleitoral, embora ninguém na direção lhe tivesse pedido para o fazer, e o facto de ninguém poder apontar o dedo à líder por não ter estado ao lado do candidato. A presidente do partido esteve praticamente todos os dias num ou dois momentos da campanha, e nesses momentos procurava “dar uma visão complementar”, deixando para Nuno Melo o discurso ideológico, e optando por se centrar mais no ataque ao governo de António Costa. Foi o que aconteceu no último dia de campanha, no Porto, onde Assunção Cristas acabaria por contrariar Nuno Melo, que estava ao seu lado, ao responder aos jornalistas que a meta do CDS nunca tinha sido a de ficar à frente do PCP e do BE (meta traçada por Nuno Melo logo a meio da primeira semana de campanha), mas sim a de eleger pelo menos dois eurodeputados. Acontece que nem essa foi atingida.

Ou seja, Cristas pode dizer que ouviu o partido — deixou o CDS seguir o mote de campanha que os candidatos e a direção de campanha quiseram –, e esteve presente numa campanha que não foi desenhada por ela (se fosse, no núcleo duro da líder há quem diga que seria diferente). Agora é tempo de ouvir os sinais dados pelos eleitores. E inverter o sentido da marcha: deixar cair a ideologia, abandonar o papão da extrema-esquerda, lembrar que o PSD se encostou ao centro-esquerda, e pôr a tónica nas soluções concretas para os problemas reais. Depois do CDS “da direita”, agora virá mesmo o CDS “moderninho”, porque é esse que, segundo a leitura que é feita no Caldas, os eleitores querem.