O Ministério Público pediu esta terça-feira a condenação em pena efetiva de Abdesselam Tazi, o marroquino acusado em Portugal de um crime de adesão a organização terrorista internacional, outro de falsificação com vista ao terrorismo, quatro de uso de documento falso com vista ao financiamento de terrorismo e por um crime de recrutamento para terrorismo e um de financiamento do terrorismo. A defesa do arguido, por seu turno, pediu que fosse absolvido de todos os crimes relacionados com terrorismo e apenas condenado por apenas um crime de uso de documento falso e contrafação de moeda. “Estou arrependido”, disse o arguido no final da sessão. A sentença será conhecida a 2 de julho.

A última sessão do julgamento que decorreu no Campus de Justiça, em Lisboa, arrancou sem a presença do arguido a pedido da última testemunha que faltava ouvir. Iman, uma marroquina de 29 anos que trabalhava num call center, declarou que foi Tazi quem a ajudou a viajar para Portugal e lhe explicou tudo o que tinha que fazer para pedir asilo e depois conseguir ficar a viver no País. Viu-o depois uma segunda vez, no Centro de Acolhimento para Refugiados, na Bobadela.  E não estreitou ligação com ele.

Já em alegações finais, a procuradora Cristina Janeiro disse que ao longo do julgamento foi produzida prova suficiente para a condenação. Que ficou demonstrada a “doutrinação jihadista” de um jovem, que esteve dois meses na Síria e regressou a Portugal para angariar mais jovens no Centro de Refugiados da Bobadela com promessa de uma vida melhor.

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Segundo a acusação, esse jovem angariado por Tazi, 64 anos, atualmente preso na cadeia de Monsanto, foi Hicham El Hanafi, 26 anos, entretanto detido em Marselha (França) por suspeitas de estar a planear precisamente um ataque terrorista naquele país. Hicham é primo de Iman, a última testemunha ouvida.

Durante as alegações finais, enquanto o juiz presidente se mexia impaciente na cadeira, a magistrada usou o depoimento de Iman e de outras testemunhas que por ali passaram  para demonstrar como Tazi tinha um grande “ascendente” sobre Hicham. Iman afirmou que quando vou Hicham em Portugal ele recusou cumprimentá-la por ele estar de saia. Que se tornou “uma pessoa muito severa”, quando em Marrocos era um jovem com quem saía à noite e bebia uns copos.

O próprio irmão de Hicham, Amine, disse perante o coletivo que ele esteve dois meses nas fileiras do Estado Islâmico, na Síria, e que depois o mandaram para Portugal. “Referiu que o próprio Tazi o convidou para ir para a Síria e que tentou demover o irmão, não tendo conseguido”, recordou a procuradora, num tom de voz baixo, enquanto Tazi a ouvia, de pescoço curvado, mas de olhos postos no seu discurso. Ao lado dele estava uma intérprete, em silêncio.

A magistrada descredibilizou a versão apresentada pelo arguido — que afirmou ter sido obrigado a sair de Marrocos por questões políticas — uma vez que há registo de, pelo menos, uma viagem feita de Portugal para Marrocos depois disso. “O arguido não dá também qualquer explicação credível sobre a forma como vivia em Portugal e de como se deslocava para outros países da Europa e da América do Sul”, apenas com um subsídio da Segurança Social que ele próprio disse ser insuficiente.

O arguido ainda chegou a argumentar que uma parte das suas viagens se justificava com um negócio de tâmaras que queria montar. “Não conjuga, são justificações que não oferecem qualquer credibilidade”, declarou a procuradora do Ministério Público.

Defesa diz que não há terrorismo e pede absolvição

Já o advogado de defesa de Tazi, Lopes Guerreiro, começou por desvalorizar a testemunha tão credibilizada pelo Ministério Publico, referindo-se a Amine.”O depoimento dessa testemunha vale zero”, atirou. “O que lhe interessava era manter-se em Portugal”, justificou.

Lopes Guerreiro dirigiu-se, depois aos juízes — que o ouviram atentamente. “Vossas Excelências vão ter que sanear 40% da acusação!”,  referiu. Segundo o advogado, 1/4 da acusação, “são 40 pontos”, são factos inócuos.

“Daqui não se retira nada que ele tenha aderido ao Daesh, que ele tenha financiado o terrorismo ou que ele seja terrorista. Não se conclui absolutamente nada e as suas declarações são credíveis”, reforça, por seu turno, o advogado de defesa.

Se a procuradora do Ministério Público enalteceu o que as testemunhas diziam sobre uma suposta mudança de comportamento de Tazi em Portugal, o advogado focou-se naquelas que nada notaram. Nem na sua forma de vestir. A certa altura, o advogado virou-se para a procuradora e falou-lhe diretamente: “Senhora Dra. Chegou a perguntar se ele era salafita ou xiita. Ele não sabe o que é uma coisa nem outra, como podia ter sido contratado pelo Estado Islâmico?”, interrogou.

O advogado desvalorizou ainda todas as provas que constam no processo, desde as fotografias à informação dos cartões de crédito utilizados. “Provou-se que foram usados pela internet, não se provou que foi o meu cliente”, disse.

No final, depois de o juiz o chamar à atenção para o tempo que estava a dispor, o advogado pediu que o seu cliente fosse absolvido  de todos os crimes relacionados com terrorismo e apenas condenado por uso de identificação falsa e contrafação de moeda. Dado o tempo de prisão preventiva, o advogado sugeriu mesmo a libertação imediata.

Ainda antes de anunciar que a leitura da sentença seria feita a 2 de julho, o coletivo de juízes presidido por Francisco Henriques ainda deu a palavra ao arguido. Tazi, que passou todas as sessões com um conjunto de folhas A4 na mão e com um intérprete ao lado esforçou-se para falar português. Saiu mais um espanhol, com o arguido a dizer estar “muito arrependido” pelos únicos dois crimes que o seu advogado reconhece a culpa. Quanto ao terrorismo, nada.

“Estou em jejum sagrado e não estou aqui para mentir. estou verdadeiramente muito arrependido (…) eu quero viver em Portugal em paz e tranquilidade”, disse. “Os jihadistas que vão para o estado islâmico são voluntários, não mercenários, não precisam de dinheiro, isso é absurdo”, prosseguiu.

Os juízes cortaram-lhe a palavra quando falou no nome do juiz Carlos Alexandre para justificar a imputação de terrorismo. “Isso agora não é para aqui chamado”, respondeu o juiz.

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