Mais uma audição, mas o tema continua envolvo em mistério. Nem António Vieira Monteiro, apontado como o administrador com o pelouro destas operações, conseguiu explicar o que aconteceu entre a passagem do milénio e a transição de mandatos na Caixa Geral de Depósitos que resultou num produto financeiro que gerou perdas de 340 milhões de euros nos anos seguintes.

A operação conhecida como a Boats Caravela foi aprovada no conselho de administração liderado por João Salgueiro e onde estava António Vieira Monteiro, então vice-presidente da Caixa com os pelouros do mercado, tesouraria e internacional em dezembro de 1999. Já passaram 20 anos, começou por justificar o gestor que agora é presidente não executivo do Santander Totta, mas Vieira Monteiro fez um esforço de memória e pediu documentação à Caixa sobre o tema para responder aos deputados na comissão de inquérito à Caixa esta terça-feira.

E logo na intervenção inicial apresentou o argumento que viria a repetir ao longo das mais de três horas de audição. O contrato final que foi assinado com o Crédit Suisse tem “discrepâncias” em relação às condições que foram aprovadas pelos conselho de administração. Ao longo da audição, o gestor acabou por concretizar a “discrepância” que afinal se traduziu na introdução de uma cláusula no produtivo derivado, que permitiu ao banco suíço trocar a seu belo prazer os ativos que compunham a tranche do veículo onde as perdas eram todas assumidas pela Caixa. Essa condição, garantiu, não estava prevista na operação que aprovou em dezembro de 1999.

As caravelas que levaram 340 milhões da Caixa Geral de Depósitos

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Vieira Monteiro sublinhou que só podia falar sobre o que aconteceu na fase de preparação da operação, que acompanhou e cuja iniciativa — garante — não partiu de si, nem da administração da Caixa, mas dos “serviços” do banco. Sem especificar.

Como foi possível que o contrato final assinado fosse diferente daquele que foi aprovado pela administração? O antigo gestor da Caixa não sabe porquê. Quando o contrato foi finalizado, a 22 de dezembro de 1999, Vieira Monteiro estava ausente do país, em Macau, a assinalar mais uma passagem, desta vez de soberania para a China, enquanto presidente do Banco Nacional Ultramarino que veio a ser integrado na Caixa.

O gestor, que tem 50 anos de banca, admitiu que só dois anos mais tarde, num almoço com João Salgueiro e António de Sousa — o presidente que sucedeu na administração da Caixa —, é que foi confrontado com as perdas geradas por este produto contratado nos últimos dias enquanto administrador. E confessou que ficou “estupefacto” quando percebeu as perdas geradas pelo produto em tão pouco tempo e confirmou a existência das tais cláusulas contratuais que alteraram o que foi aprovado pelos administradores da Caixa.

Esta explicação não convenceu os deputados, com Mariana Mortágua a confrontá-lo com as condições iniciais aprovadas pela administração da Caixa, que não teriam expressas as garantias que Vieira Monteiro disse terem sido acauteladas na proposta que foi apresentada e aprovada. Entre estas, a de que estaríamos perante um fundo fechado, o que não permitiria ao Crédit Suisse trocar os ativos que compunham este veículo.  E um ainda um alerta manuscrito na ata do conselho, de autor não identificado, que apontava para o facto de a Caixa “sancionar”, dar luz verde à política de investimentos do banco suíço.

Como é que uma operação definida nestes termos aparece com aqueles resultados?” Não sei explicar porquê e não quero fazer deduções sobre como foi executado”. Apesar das responsabilidades que tinha neste pelouro, Vieira Monteiro afirmou que não pode sentir uma responsabilidade, quando não esteve presente na assinatura do contrato. E sublinhou que houve uma delegação de competências e poderes concreta que consta da ata e há uma prova de confiança entre o conselho e as direções.

É o “segundo mistério” desta operação, comentou a deputada do CDS, Cecília Meireles. Se a administração sabia o que estava assinar, mas a operação que aprovou não foi aquela veio a ser executada no contrato assinado com o banco suíço, então quem mudou as condições e por que razão o fez?

O antigo gestor da Caixa afirmou que, com uma mudança tão relevante das circunstâncias, o contrato deveria ter voltado à administração, o que não aconteceu, e até admitiu que essa cláusula fosse inválida. Mas essa avaliação e a eventual tirada de consequências seria da responsabilidade da administração que veio a seguir, a de António de Sousa. Vieira Monteiro até partilha com os deputados algumas das perguntas e dúvidas, apesar de recusar a tese de que a Caixa e os seus quadros não teriam competências para compreender todas as implicações e riscos deste produto estruturado.

Vieira Monteiro reconheceu ainda que o objetivo da contratação deste produto, que tinha associado um swap de troca de taxas de juro de fixa por variável, era o de evitar o reconhecimento de perdas nas contas da Caixa naquele ano com obrigações do Tesouro. Mas ainda que a simulação feita à data tivesse apontado para perdas futuras, estas não eram de todo da dimensão das que se vieram a verificar. O gestor afastou contudo a ligação entre a contratação deste produto e o fim do seu mandato. Na altura nem sabia que não seria reconduzido.