O pacote final de leis para o reforço da transparência na vida pública, discutido esta quinta-feira no parlamento, vai baixar, sem votação, à comissão eventual que está a tratar deste “dossier”, de acordo com a agência Lusa.

No total são sete os projetos de lei e dois projetos de resolução que estiveram esta quinta-feira em discussão – a criação da entidade para a transparência, regras para as nomeações governamentais, o Códigos de Conduta para os deputados à Assembleia da República e alterações ao funcionamento da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap).

A decisão de baixar sem votação à comissão eventual para o reforço da transparência em funções públicas será tomada na sessão de sexta-feira do plenário da Assembleia da República, no período de votações.

Os diplomas esta quarta-feira em debate complementam e regulamentam os já aprovadas em 07 de junho pelo parlamento, do primeiro lote de leis saídas da comissão eventual para o reforço da transparência – a lei sobre lóbi, impedimentos e incompatibilidades e estatuto dos deputados.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para que as leis sejam aprovadas, e não caduquem, é preciso que todo o trabalho na especialidade, na comissão eventual, com textos consensuais entre os vários partidos, esteja concluído até 19 de julho, dia do último plenário antes de férias e do fim da legislatura.

O debate de hoje à tarde, no parlamento, mostrou divisões sobre a criação da entidade para a transparência entre PS, PSD e BE e CDS e PCP, que os críticos rotulam de “polícia dos políticos”, reeditando, na prática, a discussão já havida na comissão eventual nos últimos meses.

Apesar das divisões, há uma maioria, PS, PSD e BE, favorável à criação desta nova entidade.

Pedro Delgado Alves, do PS, apresentou os projetos socialistas – código de conduta dos deputados, criação da entidade para a transparência e as regras para as nomeações governamentais, na sequência do caso “familygate” – e sublinhou que o objetivo é ter toda a legislação pronta para entrar em vigor no início da próxima legislatura, após as legislativas de outubro.

O deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira (ex-PS) afirmou que este pacote legislativo é um “importante passo em frente na credibilização” de quem exerce funções públicas, advertindo para a necessidade de, no debate, recusar o populismo.

As críticas vieram do CDS e do PCP, que discordam da criação da nova entidade para a transparência.

O deputado do CDS António Carlos Monteiro diz que o que está para aprovação, no que diz respeito à transparência, é “desanimador” e resulta de uma “legislação a reboque de casos concretos”. “O que acabam de fazer é acelerar os populismos em vez de os combater. É preciso muita desfaçatez para para que um governo confrontado com as nomeações familiares e cruzadas tenha atirado para a Assembleia da República a legislação”, disse.

Num tom mais irónico, o deputado perguntou ainda aos socialistas se se tinham esquecido dos “padrinhos”, dos “afilhados” ou dos “amigos” na lista de nomeações proibidas, já que os socialistas preveem limitar até aos parentes em quarto grau as nomeações para cargos.

O Bloco de Esquerda, pela voz do deputado Pedro Filipe Soares respondeu ainda ao CDS acusando-os de “viverem para fazer discursos populistas”. “Se CDS vive bem com esta realidade, nós não vivemos. Se outros vivem bem com esta realidade nós não vivemos”, acusou, criticando também o PS por “correr atrás do prejuízo”, um prejuízo que “parece estar para lá de qualquer remendo”.

Já o deputado do PSD, Paulo Rios de Oliveira apontou o Governo como o “o maior responsável do descrédito que incide sobre os governantes e os políticos” e acusou-o de continuar a “não fazer parte da solução” ao não responder ao problema das nomeações cruzadas, com nenhuma das suas propostas.

O PCP está contra aquilo que chama de “polícia dos políticos” e continua a defender que a criação da entidade da transparência “tem tudo para dar errado”. Jorge Machado recuperou alguns dos alertas deixados na terça-feira na audição do presidente do Tribunal Constitucional para criticar a criação da entidade que deverá funcionar na esfera do Tribunal Constitucional. “Não haverá capacidade para acompanhar tantas obrigações declarativas que foram inseridas nesta entidade”, alertou o deputado.

Para o PCP, um dos problemas é o de não haver aplicação efetiva para a fiscalização das declarações dos deputados. “E quê? E quê?” questionava o deputado. Para Jorge Machado trata-se apenas de um “exercício de autoflagelação” da Assembleia da República que é “incompreensível”.

No final, Pedro Delgado Alves respondeu de forma telegráfica às críticas e desafiou os partidos que contestam as soluções sobre a nova entidade para a transparência ou as regras para as nomeações que apresentem alternativas, prometendo abertura dos socialistas para as discutir.

“Se discordam proponham melhor”, rematou.

A nova legislação já acordada alarga o universo de cargos sujeitos a obrigações declarativas a autarcas, magistrados e gestores públicos, pior exemplo, além dos que são abrangidos, como membros dos governos e deputados.

Consenso nos abonos aos deputados

Já no diploma que regula os princípios gerais de atribuição de abonos para apoio à atividade política dos deputados, houve amplo consenso no parlamento, mas Bloco, CDS-PP e PCP não deixaram de lamentar que se tivesse legislado em função de casos.

No debate, em plenário, todos os grupos parlamentares congratularam-se por se ter conseguido encontrar um “mínimo denominador comum” nas mudanças de regras no que respeita ao pagamento de abonos e subsídios aos deputados, e foi elogiado o trabalho desenvolvido pelo coordenador deste grupo de trabalho, o socialista Jorge Lacão.

No entanto, em paralelo, também a maioria das bancadas, incluindo o PSD, expressou insatisfação por não se ter ido mais longe no sentido de se operar uma reforma mais profunda neste domínio da transparência no pagamento de subsídios e abonos aos deputados. E não se foi mais longe por o calendário parlamentar (fim de legislatura) não o ter permitido.

Na origem das mudanças que serão em breve efetivadas, estiveram problemas ou casos como dúvidas sobre a efetividade das moradas declaradas pelos deputados, a existência até agora de duplicação de apoios para o pagamento de viagens, ou o pagamento de abonos para despesas independentemente da sua demonstração.

A resolução que irá entrar em vigor prevê três alterações essenciais: Impõe que a morada que conta para efeitos de pagamentos com a Assembleia da República é aquela que consta do cartão do cidadão de cada um dos deputados; fica impedido o recebimento duplo de quaisquer abonos (por exemplo, em viagens); e todos os abonos que são pagos, ou são tributados, ou estão dependentes da demonstração de efetividade dessas despesas.

“O PSD pretendia fazer uma reforma profunda, de máxima simplificação, através da criação de um subsídio único apenas diferenciado pelo círculo eleitoral e tudo sujeito a tributação, mas não foi agora possível. Não sendo a presente solução consensualizada uma reforma estrutural, penso que com ela todos poderemos viver”, declarou o dirigente da bancada social-democrata António Leitão Amaro.

O vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves elogiou “o esforço de concertação” entre os diferentes grupos parlamentares, sustentando que o resultado final “responde às questões essenciais”.

“Com a aprovação desta resolução, responde-se às dúvidas antes levantadas pelo Tribunal de Contas, bem como por parte de outras entidades que acompanham a atividade da Assembleia da República”, observou Pedro Delgado Alves.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, considerou que as matérias dos subsídios e dos abonos a pagar aos deputados “terão de ser revisitadas na próxima legislatura” e que só não se foi mais longe por a presente legislatura se encontrar perto do final.

“Acompanhamos algumas das soluções propostas e conseguimos responder às questões levantadas pelo Tribunal de Contas. Deixa de haver dupla subsidiação, em particular no pagamento de viagens aos deputados das regiões autónomas” da Madeira e dos Açores, apontou Pedro Filipe Soares.

Também o deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro se congratulou com o fim desses “duplos apoios”, alegou que a grande preocupação do seu partido foi “rever o sistema sem aumentar a despesa” e considerou que a presente solução “é minimalista, tendo em vista resolver casos que afetaram o prestígio da Assembleia da República”.

“Esta solução não é ótima, não é boa, mas é a possível. Por mais que se façam regras, deve contar a conduta de cada um dos deputados”, advertiu António Carlos Monteiro – um princípio também logo a seguir salientado pelo deputado do PCP António Filipe.

António Filipe fez questão de referir que “nenhum deputado do PCP” esteve envolvido nos casos que geraram elevada controvérsia na opinião pública, designadamente em termos de pagamento duplicado de viagens ou de comunicação de uma morada que não a de residência.

“Esta legislação é um denominador comum e um passo positivo para a fixação de critérios mais rigorosos. Mas é bom que os comportamentos [dos deputados] sejam compatíveis com aquilo que é eticamente aceitável”, acrescentou.