Um protesto contra o emprego científico precário e a “sombra” da saída do Reino Unido da União Europeia marcaram esta segunda-feira a abertura do encontro Ciência’19. Durante os discursos do ministro da Ciência e do primeiro-ministro, cerca de 40 investigadores em situação precária, alguns com camisolas negras, encheram e esvaziaram balões cor-de-rosa — a cor do grafismo do encontro — um protesto quase silencioso, exceto pelo som distinto de balões a esvaziarem-se.
No seu discurso, Manuel Heitor nunca se referiu ou dirigiu concretamente aos cerca de 40 precários que se levantaram durante a intervenção, mas assumiu “humildade no que não se conseguiu fazer” para garantir a estabilidade a “quem está em situação precária”.
A política de ciência exige paciência”, afirmou Manuel Heitor, citando números para contrapor às razões de queixa dos investigadores, como o aumento de “520 milhões de euros de investimento público e privado em investigação e desenvolvimento” em Portugal nos últimos três anos.
Em declarações aos jornalistas, a investigadora Ana Margarida Ricardo repetiu as razões que levam os precários da ciência a voltarem a manifestar-se no encontro nacional do setor, o facto de o programa de regularização dos vínculos precários na administração pública e os 5.000 novos contratos no emprego científico não terem resolvido o problema. Para os precários, o Ciência’19 é um “encontro-protesto” em nome dos trabalhadores do setor com “vínculos precários há muito tempo: 10, 15 e até 20 anos”.
Falar em cinco mil empregos científicos é falar na mesma de “contratos a prazo que daqui a poucos anos vão acabar e são só para investigadores com doutoramento”, referiu. “A prioridade é dignificar as carreiras científicas e promover o acesso às carreiras. Investir fundos em contratos a prazo é ineficiente” porque o problema persiste e os investigadores “nunca têm estabilidade nenhuma”, referiu a investigadora do Instituto Superior Técnico, argumentando que estes têm direito a manter “aspirações futuras profissionais, familiares e pessoais”.
Houve uma “melhoria inegável” com este Governo, admitiu, mas parte significativa do tempo dos investigadores continua a ser passado a candidatar-se à precariedade seguinte, em vez de estarem “focados no trabalho”.
“É preciso profissionalizar a investigação científica, de outro modo não conseguimos chegar a uma sociedade baseada no conhecimento”, argumentou.
Como país convidado, o Reino Unido esteve também no foco das intervenções, com garantias de Manuel Heitor de que mesmo após a saída da União Europeia, continuará a ser o maior parceiro de Portugal na investigação científica.
A prova dos números está no facto de mais de metade dos projetos a que Portugal concorre ao Horizonte 2020 — que tem no total 6,3 mil milhões de euros em fundos europeus para a ciência — serem em parceria com o Reino Unido (mais de 800), como referiram Heitor e o seu homólogo britânico, Chris Skidmore, que enviou uma mensagem em vídeo. O embaixador do Reino Unido em Lisboa, Chris Sainty, lembrou que o seu país “beneficia do trabalho dos investigadores portugueses” e manifestou vontade de “levar mais longe nos próximos anos” a vertente científica da aliança “de 600 anos” entre os dois países.
O presidente da comissão parlamentar de ciência, Alexandre Quintanilha, afirmou que por trás da inovação está sempre “investigação básica” e apelou aos investigadores reunidos em Lisboa até quarta-feira que consigam explicar o seu trabalho à sociedade civil e aos seus colegas, para que “a sociedade perceba o sentido da procura do conhecimento para a resolução dos problemas”.