Passaram três anos desde que os britânicos The Cure, liderados pelo vocalista Robert Smith, o único membro sobrevivente da banda original, passaram por Portugal. Na altura, tocaram na MEO Arena (o espaço só mudou de nome no ano seguinte) durante três longas horas que pareceram três curtos minutos. Em 2012, quando tocaram no Alive, não foi muito diferente. Parecia que os anos teimavam em não passavam pelo grupo fundado no final dos anos 70 (que desde então já teve 13 membros diferentes) ou por Smith.
A grande pergunta desta quinta-feira era se, desde 2016, os The Cure tinham mantido o mesmo vigor. Ou melhor, o mesmo feeling que parece impedir que canções com três ou mais décadas envelheçam, percam a graça ou a novidade, até porque, verdade seja dita, nunca houve nada como elas. As reviews que surgiram do concerto no festival inglês Glastonbury, no passado dia 1 de julho, pareciam indicar que tudo se mantinha na mesma. O espetáculo terá sido tão arrebatador que terá deixado o crítico do The Independent de rastos — Jazz Monroe escreveu que o concerto “ilustrou todo o sentimento que pode ser vivido numa só vida”, que a sua música é “intemporal” e que Smith parecia planar “sobre as portas da morte”, ocupando um espaço limiar que nunca deve faltar à boa música gótica (ainda que os The Cure tenham transgredido há muito o género, houve uma melancolia que nunca os deixou).
Não foram precisos muitos minutos para perceber que o concerto no Passeio Marítimo de Algés não seria muito diferente do que foi dado pelos britânicos há duas semanas em Inglaterra. E também não foram precisos mais do que alguns segundos para perceber que eram, sem sombra de dúvidas, a banda mais esperada da noite. Ao som dos primeiros acordes de “Shake Dog Shake”, o Alive, que junto ao palco principal parecia ter passado o dia a meio gás, acordou numa ovação. Manteve-se mais ou menos assim do início ao fim do concerto, uma prova difícil de superar até para os mais duros. Como é já costume, os The Cure tocaram durante três horas e percorreram a sua já longa discografia, começando no Seventeen Seconds e terminando no 4:13 Dream, último álbum lançado em 2008. O tempo passou a correr e Smith e restante companhia pareciam rejuvenescer à medida que o tempo avançava. Afinal, talvez nem todos estejam destinados a sentir o peso dos anos.
Intercalando temas mais calmos e longos com temas mais mexidos, os The Cure fizeram questão de incluir vários grandes hits (que, de resto, não faltam na história do grupo), como “Just Like Heaven”, “Pictures of You” ou “Lovesong”, estas últimas duas retiradas do aniversariante Desintegration, que comemora 30 anos. Foi precisamente em “Lovesong” que Smith largou pela primeira vez o baixo e, num gesto raro, deambulou sozinho pelo palco, tão grande que o fazia parecer pequeno. Um ponto negro numa plataforma ainda mais negra. Já mais para o final, já perto das duas da manhã, chegou a tão esperada “A Forest”, consagrado misterioso hino gótico que continua a dar arrepios na espinha. Nesse campeonato, faltava ainda “Lullaby”, mas o tema do Desintegration só chegou no encore, que acabou feliz com canções como “Friday I’m In Love”, “Why Can’t I Be You” e “Boys Don’t Cry”, que fez levantar do chão até os já menos capazes.
Quarenta anos depois de os The Cure terem surgido numa cidade inglesa chamada Crawley, continuam a dar concertos memoráveis, como ficou provado esta quinta-feira no NOS Alive. Qual é o segredo para a longevidade? Não nos cabe a nós tentar descobrir o que escondem as paredes da casa de Robert Smith (talvez um pacto com o diabo?), mas não conseguimos evitar apostar tudo numa joia rara — uma sinceridade tão intensa e verdadeira capaz de se manter imaculada ao longo das décadas. Smith, um quase-vampiro, canta e compõe como se estivesse em 1976, e isso ressoou pelo chão do Alive e por cada um que ali esteve esta noite. Os bons nunca morrem, e os The Cure parecem destinados a viver para sempre.