O encontro era à porta fechada mas nem o ‘olhar atento’ do Presidente da República faltou ao plenário dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias, onde ficou definido que a greve vai mesmo avançar na segunda-feira por tempo indeterminado. Na sala do primeiro piso da Junta de Freguesia de Aveiras de Cima, de liderança comunista, a fotografia oficial de Marcelo Rebelo de Sousa ‘presidiu’ ao encontro que culminou com aplausos e frases de ordem: “Nem um passo atrás”, gritaram repetida e entusiasticamente, durante vários segundos, os trabalhadores presentes. Um “grito de guerra” recuperado do SEAL, o Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística, de António Mariano, e audível no exterior do edifício.
Não só o olhar de Marcelo esteve atento. Segundo apurou o Observador, as regras e as instruções dadas aos presentes foram apertadas. Ao ponto de os motoristas terem sido instruídos a “servir de olheiros”: se encontrassem alguma cara desconhecida no interior da sala, teriam de pedir a identificação. Pelo menos três associados do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) foram chamados a mostrar o Cartão de Cidadão. Além disso, sabe o Observador, as gravações foram proibidas.
A sala esteve cheia e muitos não conseguiram um lugar sentado, aglomerando-se, em pé, junto às janelas — de onde, entre aplausos, atiravam sorrisos aos jornalistas que esperavam no exterior. Outros tantos foram fazendo pausas para fumar um cigarro (também Pedro Pardal Henriques, o advogado do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas — SNMMP — foi visto a fumar junto à janela) ou simplesmente conversar à porta do edifício. Sempre alinhados e sem nunca abrir o jogo.
“Não vos posso dizer nada sobre o que se passa lá dentro”, ouviu-se dizer por diversas vezes. Os motoristas só pareciam autorizados a falar sobre as condições de trabalho: as horas que passam longe da família para estarem na estrada, os perigos a que estão sujeitos. Mas a vontade de avançar para a greve já era aí visível. “Estamos muito descontentes”, atiraram alguns.
Motoristas estão a receber mensagens para se apresentarem ao serviço na segunda-feira
Há motoristas que já receberam uma SMS das empresas transportadores onde trabalham para se apresentarem ao serviço na segunda-feira, dia 12, o primeiro dia da paralisação. O Observador teve acesso a uma mensagem enviada pela Atlantic Cargo aos funcionários, na qual a empresa especializada no transporte rodoviário de matérias perigosas pede que, nesse dia, os trabalhadores se desloquem para a sede da empresa, em Porto Alto.
“Bom dia, segunda feira, até indicações em contrário, deve apresentar-se nas instalações da empresa no Porto Alto pelas 08h, sem iniciar qualquer atividade com a viatura. Obrigado.”, refere a mensagem. Num dia normal de trabalho, os motoristas destas empresas costumam começar na Companhia Logística de Combustíveis (CLC) de Aveiras, onde abastecem os camiões. É para lá que planeiam ir os grevistas, na próxima segunda-feira.
Trabalhadores vão “aumentar reivindicação” à ANTRAM, se os patrões não apresentarem contraproposta
Segundo apurou o Observador, o SIMM e o SNMMP alinharam as posições durante a reunião deste sábado para que os representantes de cada sindicato não se contradigam em público. Foi nesse âmbito que as duas associações sindicais acordaram que, a partir da meia-noite de dia 12, segunda-feira, vão voltar a dar 48 horas à ANTRAM para que os patrões apresentem uma contraproposta. Se no final desse período, tal não acontecer, os sindicatos aumentam as reivindicações. E vão fazê-lo em conjunto, numa única proposta.
Durante o plenário, os trabalhadores foram tomando a palavra, colocando questões e pronunciando-se sobre a greve e sobre o aumento das reivindicações. Houve vários momentos de votação — a decisão de não desistir da greve terá sido unânime. Cá em baixo, à espera, os jornalistas chegaram a ouvir os gritos abafados – “Nem um passo atrás! Nem um passo atrás!”. Poucos minutos depois o plenário acabava.
“Pardal! Não deixes que te cortem as asas!”
Pouco mais de duas horas depois do início do plenário, foi Jorge Cordeiro, presidente do SIMM, que anunciou: “A greve é para avançar, por tempo indeterminado”. Os motoristas exigem um salário base “nada abaixo dos tais 900 euros prometidos pela ANTRAM desde o início das negociações”, acrescentou o presidente do SNMMP, Francisco São Bento. E querem o fim da cláusula 61, relativa à isenção de horário e que garante que os trabalhadores deslocados recebam sempre o pagamento de duas horas extraordinárias (mas não mais do que isso, quando são feitas mais horas) e pedem que as ajudas de custo deixem de ser pagas por quilómetro.
No momento decisivo em que os motoristas deram luz verde à greve, Pardal Henriques fez uma pequena marcha-atrás e deixou o protagonismo para os presidentes de ambos os sindicatos que convocaram o protesto. Aliás, tiveram de ser os jornalistas a procurá-lo, por entre a multidão, para que prestasse alguns esclarecimentos.
De propósito ou não, ao mesmo tempo que falava Francisco São Bento no final do plenário, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, também prestava declarações à imprensa, no final de uma reunião na Proteção Civil. Eduardo Cabrita apelou aos cidadãos para que façam “uma gestão criteriosa das suas necessidades de utilização de combustível”, reservando-o apenas para as “deslocações absolutamente indispensáveis”. “Não há um problema de falta de combustível. A greve coloca-nos um problema de distribuição de combustíveis e, portanto, a primeira resposta é: o estrito cumprimento dos serviços mínimos”, disse.
Já depois foi Pedro Pardal Henriques a referir aos jornalistas que os motoristas “têm todo o direito em não aceitar trabalhar 14, 15, 16, 18 horas por dia em troco de 630 euros e o restante ser pago da forma gritante que é paga, o que faz com que haja uma fuga ao fisco tremenda”.
“Desde o início dissemos que os serviços mínimos iam ser cumpridos”, garantiu. Mas alertou: “A lei geral diz que as associações patronais devem enviar para os sindicatos com 48 horas de antecedência as escalas de um dia normal de trabalho. As 48 horas já passaram e a ANTRAM não nos enviou aquilo que é uma escala normal de trabalho”. “Aquilo que a ANTRAM está a fazer é não deixar que nós nos possamos escalar.”
E enquanto falava, um motorista atirou “Pardal! Não deixes que te cortem as asas!”. Foi o outro grito que saiu do plenário dos motoristas que se preparam para a greve.