O deputado do CDS/PP João Gonçalves Pereira partilhou nesta quarta-feira, no Twitter, uma imagem hentai (anime ou manga pornográficos) para criticar a nova lei da identidade de género. “Isto é o que a esquerda socialista e a extrema-esquerda querem nas nossas escolas”, escreveu, referindo-se à ilustração que mostra rapazes e raparigas a partilharem a mesma casa de banho e duas jovens estudantes com as saias levantadas a utilizarem os urinóis. Ao canto superior direito, foram acrescentadas as palavras: “Escola bué moderna. Vota Bloco”.
A partilha da ilustração, que tem circulado nas redes sociais, levou a que muitos utilizadores respondessem ao tweet de João Gonçalves Pereira, que conta com mais de 280 comentários. “Não acredito que isto é o tipo de deputado que temos no nosso país. Que miserável”, escreveu uma utilizadora, enquanto outra questionou se o deputado era “tarado sexual”. Várias pessoas acusaram o também vereador sem pelouro na Câmara Municipal de Lisboa de partilhar pornografia.
No único comentário que fez até agora, Gonçalves Pereira afirmou, no Twitter, também na quarta-feira, que “quem precisa de psicólogo é quem concorda com a lei e com a sua regulamentação”, partilhando print screens do Artigo 5.º do Despacho n.º 7247/2019 que estabelece as medidas administrativas para a implementação da nova lei.
Imagem começou por ser partilhada no Brasil e foi usada por Alexandre Frota
A imagem hentai publicada por João Gonçalves Pereira começou por ser partilhada no Brasil. A ilustração tornou-se viral nas redes sociais brasileiras depois de ter sido divulgada no Twitter pelo antigo ator pornográfico Alexandre Frota, atualmente deputado federal pelo PSDB (depois de ter sido expulso do PSL, o partido de Jair Bolsonaro, pelo qual tinha sido eleito). “Assim são os banheiros que o PT, o PSOl e o PCdoB querem para os nossos filhos”, escreveu Frota a 26 de setembro de 2017, referindo-se a uma alegada proposta dos partidos de esquerda para a criação de casas de banho unissexo nas universidades.
Esta proposta nunca aconteceu. O que aconteceu foi que, em agosto de 2017, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), uma das maiores instituições de ensino superior do país, anunciou que tinha criado uma casa de banho unissexo. A novidade levantou um aceso debate nas redes sociais e foi notícia em alguns jornais brasileiros, como a própria PUC-S deu conta no início de agosto de 2017. Passado um mês, começaram a surgir notícias de que o Ministério da Educação teria aprovado uma lei que obrigaria as escolas a implementarem casas de banho para rapazes e raparigas — o Banheiro Infantil Unissexo — em 2018. O objetivo seria combater o preconceito contra os alunos transgénero.
De acordo com o E-Farsas, um site do R7 Notícias sobre fake news, a fonte destas falsas notícias seria uma página humorística chamada Sociedade Oculta, que publicou a história no dia 27 de setembro, depois do tweet de Frota, que a lançou. Este Sociedade Oculta foi o mesmo que, um mês antes, tinha espalhado que o Ministério da Educação pretendia gastar cerca de 63 mil euros na compra de 500 mil vibradores com até 22 centímetros.
A página que Alexandre Frota usou para partilhar a imagem já não existe, mas ainda é possível encontrar o tweet de resposta do alegado autor da ilustração, o utilizador do Twitter kasuga391. “Olá, Alexandre, sou o criador desta imagem. Por favor, pare de usar a minha ilustração para propaganda política”, escreveu em novembro de 2018, mais de um ano depois do tweet original do ex-ator. Terá sido apenas nessa altura que kasuga391, que se dedica a criação de imagens hentai, terá sabido da partilha de Frota. A imagem parece ter ressurgido nas redes sociais no verão 2018. No Reddit, um utilizador brasileiro publicou, no mês de agosto, uma versão que diz: “É assim que os comunistas querem as escolas”.
Hello Alexandre, I am the creator of this picture. Please stop using my illustration for political propaganda.
— カスガ (@kasuga391) November 5, 2018
I don't care you use my picture for private purpose unless it's not commercial works, but political use is unforgivable. I hadn't drawn it for attacking somebody.
— カスガ (@kasuga391) November 6, 2018
Alegado autor de hentai responde a Gonçalves Pereira: “Por favor, pare de usar a minha ilustração para os seus fins políticos”
Desta vez, kazuza391 foi mais rápido. O ilustrador respondeu a João Gonçalves Pereira esta quinta-feira, depois de ter sido alertado para o tweet do deputado. “Sou o autor desta ilustração. Por favor, pare de usar a minha ilustração para os seus fins políticos. É uma violação óbvia dos direitos de autor”, disse ao vereador lisboeta, sem, contudo, ter conseguido obter qualquer reação da parte do mesmo. Na sua página pessoal, garantiu que nunca dará a sua permissão para que os seus trabalhos sejam usados em propaganda política.
Thanks guys for telling me another unauthorized use, I requested him to stop using my illustration. Anyway I will NEVER given any permission to use my works for political-ends I don't intend. https://t.co/VQgEjWWJAW
— カスガ (@kasuga391) August 21, 2019
Gonçalves Pereira desconhecia origem da ilustração. “Insinuar que faço política a partilhar imagens pornográficas é insultuoso”
Em resposta ao Observador, João Gonçalves Pereira afirma que desconhecia a origem da imagem assim como a sua autoria. Mais: o deputado do CDS alegou que não sabia sequer que hentai é uma categoria pornográfica. “Soube hoje, após a notícia do Observador, que “Hentai” é uma categoria de filmes para adultos. Insinuar que faço política a partilhar imagens pornográficas é falso e manifestamente insultuoso”, disse. “A imagem que partilhei circula na internet há vários dias e eu, como é evidente, desconhecia a alegada ligação da imagem a tais indústrias cinematográficas”, completa.
Além de considerar que, apesar de pertencer a essa categoria, “a imagem não tem qualquer conteúdo pornográfico”, o também vereador da CML atribui a polémica em torno da partilha desta imagem nas redes sociais à esquerda, que acusa de estar a desfocar o tema. “Para mim, é muito evidente que a esquerda, através das redes sociais, está a tentar desviar a atenção do absurdo de uma lei e de uma regulamentação que quer impor aos pais aquilo que não querem na educação dos seus filhos. Isto sim, merece profunda discussão”, acrescenta.
João Gonçalves Pereira reconhece o erro mas diz que se tratou de um lapso, lamentando que se tenha tornado num ataque pessoal. “Se soubesse quem era o autor da imagem não a teria partilhado, mas transformar um alegado lapso no Twitter num ataque de carácter é uma atitude ativista profundamente deplorável”.
Ao Observador, o deputado centrista diz ainda que nas últimas horas, e desde que está no centro desta polémica, tem recebido várias mensagens de “amigos, conhecidos e companheiros de partido de apoio e solidariedade”.
(Artigo atualizado às 13:21 com a posição de João Gonçalves Pereira)