A SAD do Benfica não vai a julgamento no caso do e-Toupeira, avança o Correio da Manhã. O Tribunal da Relação de Lisboa não deu provimento ao recurso do Ministério Público na responsabilização da sociedade anónima desportiva do Benfica, mas acabou por pronunciar um segundo funcionário judicial (Júlio Loureiro) e, por arrasto, imputou mais crimes a Paulo Gonçalves, ex-assessor jurídico da SAD do Benfica e ex-braço-direito de Luís Filipe Vieira, e a José Silva, o funcionário judicial que é a alegado ‘toupeira’ benfiquista. Em causa estão crimes de corrupção ativa e passiva, falsidade informática, violação de dever de funcionário, recebimento indevido de vantagem, violação de segredo de justiça e acesso indevido.

O Tribunal Central de Instrução Criminal tinha decidido em finais de 2018 não mandar para julgamento a SAD do Benfica e o funcionário judicial Júlio Loureiro por falta de indícios. A juíza Ana Peres, titular dos autos na fase de instrução, pronunciou para julgamento o Paulo Gonçalves e José Silva pelos crimes de corrupção, violação do segredo de justiça, violação do segredo de sigilo, acesso indevido e peculato (este último no caso do funcionário judicial) no caso que ficou conhecido como e-Toupeira. A juíza de instrução considerou, no entanto, não haver provas dos crimes de favorecimento pessoal, falsidade informática e de oferta ou recebimento indevido de vantagem.

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Descontente com a decisão, o Ministério Público recorreu e a decisão foi conhecida esta quarta-feira. Ao que o Observador apurou, a Relação de Lisboa considerou que as pessoas coletivas apenas podem ser responsabilizadas se o crime for cometido em seu nome e ou por pessoas que nela ocupem uma posição de liderança. Ou mesmo se este crime for cometido sob a égide de pessoas com posição de liderança — o que para aquele tribunal superior não é o caso do arguido Paulo Gonçalves, o assessor jurídico que será levado a julgamento no processo.

Na ótica do desembargador Rui Teixeira, o relator do acórdão da Relação de Lisboa, o assessor não foi mandatado pela SAD do Benfica para intervir nos processos que estariam pendentes em tribunal no âmbito das suas funções. Era assessor jurídico e não advogado do clube. Por outro lado, não se provou durante a investigação, sequer, que os corpos sociais da SAD tenham concordado com o que fez.

“Dir-se-á mesmo que se procurou apurar as condutas individuais esquecendo o todo que depois se pretendeu ilustrar na acusação. Na acusação refere-se um esquema que parte da Benfica SAD para que esta beneficie de informações privilegiadas e assim possa agir melhor perante eventuais adversidades. No inquérito investigaram-se condutas individuais sem as mesmas serem contextualizadas. E tudo com prejuízo da Justiça, que apenas pretende ver clarificadas as situações e punidos eventuais criminosos e dos próprios intervenientes, incluindo a Benfica SAD, que assim terá de suportar o pesado labéu da suspeita”, relata o acórdão.

O tribunal superior diz “que o arguido Paulo Gonçalves não tinha uma posição de liderança, já que não foi mandatado pelos corpos sociais para intervir em processos pendentes nos tribunais judiciais e não estava nas suas funções laborais intervir nos mesmos”. “Sempre foi assumido que as ações do arguido [Paulo] Gonçalves poderiam ser transpostas, sem mais, para a esfera jurídica da Benfica SAD e assim se prosseguiu sem mais. Exemplo desta posição é o relatório intercalar da PJ. (…) Ou seja, sempre se assumiu, a PJ assumiu, que o Sport Lisboa e Benfica, assim quis agir”, lê-se no acórdão.

“O arguido [Paulo] Gonçalves e os administradores têm gabinetes no mesmo corredor e não se juntam comunicações, não há e-mails, não há escritos, não se faz prova do tipo de relação existente… nada. Tudo parece que o arguido [Paulo] Gonçalves não tem qualquer relação com o presidente da SAD. Naquela casa parecia ser tudo estanque. Ninguém se conhecia, ninguém falava… nada. E obviamente que isto não faz sentido”, acrescenta o TRL.
Por outro lado, os juízes consideram que o crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem — que o Ministério Público imputou à SAD do Benfica e restantes arguidos mas que caiu com a decisão instrutória — estão contidos no crime de corrupção ativa e passiva pelos quais Paulo Gonçalves e José Silva foram pronunciados.

Recorde-se que o próprio presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, nunca foi constituído arguido nem acusado. Ao que o Observador apurou, o tribunal diz mesmo que nem sequer foi investigado este conhecimento por partes dos responsáveis da SAD. Pelo que decidiu manter a decisão instrutória e livrar o Benfica de se sentar no banco dos réus.

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Segundo funcionário judicial pronunciado

A maior surpresa do acórdão prende-se com a pronúncia para julgamento de Júlio Loureiro, funcionário judicial e ex-observador de árbitros. O MP contestava em toda a linha a não pronúncia de Loureiro por a juíza de instrução Ana Peres ter concluído que o direito de queixa do Instituto de Gestão Financeira da Justiça (o organismo público que gere a rede informática dos tribunais) tinha caducado. A Relação de Lisboa discorda e ordenou a pronúncia para julgamento de Júlio Loureiro por crimes de corrupção passiva (1), favorecimento pessoal (1), violação do segredo de justiça (6), violação de segredo de funcionário (21), acesso indevido (9) e violação do dever de sigilo (9).

O Tribunal da Relação de Lisboa concorda com a pena acessória de proibição do exercício de funções proposta pelo Ministério Público para José Silva e Júlio Loureiro por os arguidos não terem “condições para voltar a exercer funções de interesse público, não sendo detentores da necessária confiança e probidade para tal desempenho”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

Num comunicado assinado pelo conselho de administração do Benfica e pelos três advogados que representaram a SAD, João Medeiros, Paulo Saragoça da Matta e Rui Patrício, o Benfica já reagiu. “A Benfica SAD reafirma, como sempre fez, a licitude dos seus actos e comportamentos, e reitera perante os seus sócios, adeptos e simpatizantes o compromisso da serenidade, confiança e determinação na defesa do seu bom nome e na descoberta da verdade”, lê-se.

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