Os astrónomos estão a estudar um corpo celeste que pode ser o segundo objeto interestelar a visitar o Sistema Solar e, possivelmente, o primeiro cometa estrangeiro a entrar na nossa vizinhança. “GB00234” foi descoberto a 30 de agosto deste ano por Gennady Borisov, um astrónomo ucraniano do Instituto Astronómico Robert Sternberg, quando estava a 3,6 unidades astronómicas do Sol — ou seja, a uma distância 3,6 vezes maior do que a que existe entre a Terra e a nossa estrela. Mas a órbita deste objeto causou estranheza aos astrónomos, que agora mantêm os olhos fixos no céu na esperança de que as observações tragam mais respostas.

As desconfianças em torno de “GB00234” chegam dois anos depois da descoberta do ‘Oumuamua, um objeto interestelar cuja passagem pelo Sistema Solar foi detetada a 19 de outubro de 2017. Com um formato semelhante ao de um charuto, a comunidade científica não chegava a uma conclusão sobre se ‘Oumuamua era um mero asteroide, um cometa ou até uma nave extraterrestre.

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Como nunca se tinha observado um objeto com o comportamento exibido pelo ‘Oumuamua, os cientistas concordaram em criar uma categoria apenas para ele. Agora, e pelo menos por enquanto, este corpo celeste é um “asteroide hiperbólico”, ou seja, um corpo que tem uma órbita muito excêntricas, movimenta-se a grande velocidade e acelera de uma forma inesperada.

Oumuamua: um ‘charuto’ interespacial, uma nave extraterrestre ou um negócio milionário? Perguntámos aos astrónomos

De acordo com Michele Bannister, astrofísica da Queen’s University de Belfast, “este não é o primeiro objeto desde a descoberta do ‘Oumuamua a mostrar uma órbita hiperbólica”. “As órbitas são determinadas por características matemáticas enviadas por observadores de todo o mundo. Neste momento, há alguns dados estranhos nas características da órbita deste objeto. Sabem como vamos resolver isto? Com mais observações”, explicou ela numa série de tweets que partilhou esta manhã.

Então, o que tem o “GB00234” de especial? Em declarações ao Observador, Ye Quanzhi, astrónomo planetário do Departamento de Astronomia da Universidade de Maryland, explicou que “ao fim de uma semana de observações, os astrónomos notaram que ele tem uma órbita hiperbólica, ou seja, que poderia vir do espaço interestelar“:

“No passado, houve uns candidatos a cometas interestelares, mas os dados acabaram por demonstrar que, afinal, eram cometas regulares do Sistema Solar. Neste caso particular, à medida que vamos recebendo mais dados, percebemos que a órbita do GB00234 continua interestelar. Não temos a certeza absoluta, mas desconfiamos que seja mesmo isso”, contou o cientista.

Por enquanto, o “GB00234” ainda está na “página de confirmações de possíveis cometas do Minor Planet Center, uma organização da União Astronómica Internacional que estuda as observações de novos corpos celestes para os catalogar.

Segundo a astrofísica Michele Bannister, “de forma inteiramente rotineira e constante, novos objetos em movimento são encontrados e adicionados à página de Objetos Próximos à Terra”: “Se eles mostrarem ser um ponto difuso com uma cauda de cometa são movidos dessa lista para a página de confirmação de possíveis cometas. Quando a órbita é suficientemente bem conhecida, o centro envia uma circular. Enquanto isso não acontecer, há grandes incertezas. A única forma de resolver isto é com observações”, esclarece a cientista.

Michael Busch, astrónomo planetário do Instituto SETI, que analisa sinais de rádio de baixa frequência em busca de vida inteligente para além da Terra, afirmou no Twitter que “GR00234” deve ficar a uma a duas unidades astronómicas da Terra quando alcançar a máxima aproximação ao Sol. À velocidade a que se move, e tendo em conta os dados mais recentes, isso deve acontecer já em dezembro deste ano ou em janeiro de 2020.

Ou seja, o tempo está a escassear. E a tarefa a complicar-se para os astrónomos. “É muitíssimo difícil medir a posição precisa de um cometa por serem difusos. Este objeto em particular está muito perto do Sol, por isso a nossa janela de observação é pequena. Está muito baixo no céu, o que dificulta ainda mais as observações. E tem uma magnitude de brilho de 18, ou seja, é demasiado ténue para ser visto a olho nu e só pode ser observado por telescópios de tamanho considerável”, esclareceu Ye Quanzhi ao Observador.

É por tudo isto que a comunidade científica pede que se espere a chegada de mais dados astronómicos antes de preparar uma festa de boas-vindas a “GR00234” . Bill Gray, criador do software utilizado pelo Minor Planet Center para catalogar os novos corpos celestes, admitiu o entusiasmo em relação a este objeto, mas alerta: “Tinham de me convencer para eu acreditar que tivemos esta sorte toda“. Michele Bannister concorda: “Às vezes, temos mesmo de esperar pelos movimentos dos céus”.