Tudo é estranho no passado e no presente da Nissan. Mas vamos a factos. Dirigida por quadros japoneses, a Nissan estava à beira da falência, em 1999, mas foi salva pela visão de Carlos Ghosn, então CEO da Renault, e pelos fundos da marca francesa que, por isso mesmo, passou a controlar 43,4% dos japoneses, contra 15% que os nipónicos detêm no construtor gaulês, mas sem direito a voto.
Naquilo que, para a maioria dos analistas, é uma tentativa de evitar o controlo por parte dos franceses dentro da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, a Nissan acusou o seu chairman (e salvador) Carlos Ghosn de abuso, por não ter declarado a totalidade dos seus ganhos, e orquestrou a sua prisão. Isto num país em que a taxa de condenação ronda 99,9%. Ghosn está preso desde Novembro de 2018, a aguardar julgamento.
Entretanto, uma investigação interna provou que o CEO da Nissan, e antigo homem de confiança da Ghosn, entre muitos outros quadros japoneses, recebia quantias avultadas do construtor nipónico, sem justificação. Facto similar à acusação que pende sobre Ghosn e que o levou à cadeia. Com a particularidade de o CEO, Hiroto Saikawa, ser o responsável máximo da Nissan nas operações do dia-a-dia, pois o francês apenas visitava Tóquio de tempos a tempos. Ainda assim, nada aconteceu quando se soube da fraude a 5 de Setembro, nem mesmo depois de Saikawa ter admitido a 9 de Setembro que, afinal, tinha mesmo recebido “dezenas de milhões de ienes não declarados às finanças”, pagos pela empresa que ele mesmo dirigia enquanto Chief Executive Officer, ou seja, o director executivo. Saikawa não foi alvo de qualquer acusação formal, tudo apontando para uma tentativa da Nissan em “varrer o assunto para debaixo do tapete”. No limite foi forçado a resignar, com a Nissan a permitir que permanecesse no cargo até dia 16.
O advogado de defesa de Ghosn, Junichiro Hironaka, sustenta a tese de que a Nissan deve ter descoberto os pagamentos a Saikawa quando encontrou as verbas pagas ao Chairman francês, mas optou por fechar os olhos às infracções do japonês e concentrar-se exclusivamente nas do executivo estrangeiro.
Como a confusão está instalada, resta aguardar pelo julgamento ou, melhor, pelos julgamentos, uma vez que Ghosn, como não confia muito na justiça japonesa, optou por processar a Nissan na Holanda, onde está a sede da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi.