Centenas de operadores do alojamento local em Lisboa estão a ponderar “migrar” para o arrendamento habitacional, porque perceberam que a prestação de serviços é “muito exigente”, avançou esta sexta-feira a associação do setor, destacando a “grande flexibilidade” desta atividade económica.

Temos aqui um potencial, se calhar mais de milhar de casas, para de uma forma natural, imediata, no dia seguinte, se criarmos as condições, poder migrar e fazer um trabalho que nem sequer a Câmara consegue de, de um ano para o outro, apresentar 2.000 casas para o arrendamento”, afirmou o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, em declarações à agência Lusa.

No seu entender, a transição destes estabelecimentos para o arrendamento permanente “é uma oportunidade enorme” para fazer aumentar a oferta de habitação.

Dos cerca de 18.000 estabelecimentos de alojamento local em Lisboa, “há sempre qualquer coisa como 10% a 15% que são de mais baixo desempenho, portanto não estão a atingir os níveis mínimos de desempenho”, indicou Eduardo Miranda, explicando que estas situações se localizam sobretudo nas zonas de contenção dos bairros do centro histórico lisboeta, onde os operadores começaram a explorar outras formas de arrendamento, mas mantêm o mesmo registo de atividade.

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“Não dão baixa do seu registo, porque sabem que se derem baixa nunca mais vão conseguir voltar ao alojamento local nestas zonas”, referiu. Os operadores “não são obrigados, quando iniciam um arrendamento, a abandonar de vez o alojamento local”, o que lhes permite experimentar outras vertentes antes de decidir como explorar o ativo imobiliário.

Estamos a falar de registos que existem, são vários, são legais, mas que, na prática, não estão a ser dedicados hoje ao alojamento local, mas sim a outras atividades”, apontou Eduardo Miranda, defendendo que é positivo haver um “experimentalismo” em vez de uma “transição imediata” de uma atividade para outra.

O presidente da ALEP disse que a flexibilidade do alojamento local “é fundamental para a cidade”, permitindo que a função dos imóveis seja alterada de acordo com a necessidade e a procura.

Além de o alojamento local ser uma atividade de prestação de serviços “muito exigente”, que “dá muito trabalho” e que “não dá o rendimento que tinham vendido”, um dos fatores de motivação para que haja “uma migração natural” é a questão dos incentivos fiscais na celebração de contratos de arrendamento habitacional, nomeadamente a isenção total de impostos no Programa de Arrendamento Acessível.

Questionado sobre o equilíbrio entre turismo e habitação, Eduardo Miranda advogou que “há muito para se fazer na oferta de habitação”, uma vez que se trata de “um problema estrutural”, em que, durante décadas, a dinâmica do mercado sempre foi direcionada para a aquisição de casa própria e “nunca foi pensada para o arrendamento”.

Classificando como “gigantesco” o trabalho que é necessário fazer na habitação, o presidente da ALEP sublinhou que o problema estrutural não se resolve num curto espaço de tempo, pelo que “o alojamento local foi usado, às vezes, como bode expiatório”.

“Como não havia saída, luz ao fundo do túnel, a curto prazo, num problema destes tão estrutural – ninguém investe 10 ou 20 mil casas de uma hora para outra –, era preciso encontrar aqui, às vezes, um alvo mais fácil”, sustentou Eduardo Miranda, reforçando que o alojamento local pode ter feito parte do processo de transformação da cidade de Lisboa, “mas de longe não foi o culpado pela questão da habitação”.

Segundo o representante do setor, o alojamento local em Lisboa concentrou-se “essencialmente no centro histórico, que era justamente a zona que tinha pouco perfil habitacional”, mas que voltou a ser atrativa, pelo que foi restringida a abertura de novos estabelecimentos, através de intervenção da Câmara Municipal.

Proprietários e inquilinos de Lisboa rejeitam controlo do valor das rendas

Proprietários e inquilinos de Lisboa são hoje contra a ideia de limitar o valor das rendas como resposta à crise no setor da habitação, posição apoiada pelos mediadores imobiliários, que sublinham que a medida teria “implicações trágicas”.

Lembrando o histórico de 100 anos de congelamento das rendas em Portugal, em que “tudo subia e as casas ficavam com valores perfeitamente irrisórios”, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, defende que a aplicação de medidas de controlo dos preços provocaria, “mais uma vez, um agravamento da retração da oferta”.

Em declarações à agência Lusa, o representante dos proprietários considerou ser “incomparável” a situação de Lisboa com a de outras cidades – como Berlim, onde foi aprovado o congelamento das rendas durante cinco anos para travar o aumento dos preços da habitação – e desvalorizou o impacto da “pressão turística” na crise habitacional que se vive na capital portuguesa.

“Quando vejo querer comparar Lisboa a Berlim, Barcelona, Paris ou Amesterdão, vejam a pressão turística que essas cidades têm. Nós estamos a ter turismo que nunca tínhamos, mas não tem nada a ver com esses números”, reforçou Luís Menezes Leitão, atribuindo a responsabilidade pela subida dos preços e diminuição da oferta de casas no mercado de arrendamento ao Governo, devido aos impostos que incidem sobre a propriedade, inclusive a criação do Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis.

Com uma posição semelhante, o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, recusou a aplicação de limites ao valor das rendas, advogando que “a propriedade privada tem o direito de, segundo as leis que existem – a lei a partir do Novo Regime do Arrendamento Urbano, a partir de 1990 -, arrendar ao preço que muito bem entender”.

“Não estamos de acordo com essa limitação. Achamos que isso é completamente voltar a um passado que não queremos, portanto a limitação das rendas não se deve colocar”, declarou, apontando como “solução possível” para a crise no setor da habitação o aumento da propriedade pública.

Esse aumento da oferta pública de habitação, sublinhou, pode ajudar a combater os preços especulativos e a reduzir o valor das rendas no mercado de arrendamento.

Admitindo receio quanto à aplicação de medidas restritivas no setor da habitação em Portugal, o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, Luís Lima, lembrou a repercussão que teve uma notícia sobre essa possibilidade e que levou o Governo a pronunciar-se rapidamente, dizendo que não era verdade.

“Isso poderia ter implicações trágicas”, afirmou.

Na sua opinião, a intervenção tem de passar, antes, pelo Estado, uma vez que “tem capacidade para isso e tem dinheiro”, incluindo com o aumento da oferta habitacional.

“A receita fiscal sob o imobiliário é mais do que uma ‘árvore das patacas’, a receita dos últimos anos do crescimento do IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], do IMT [Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis], é estrondosa”, destacou o presidente da APEMIP, propondo que essa receita fiscal seja para “criar casa para os cidadãos nacionais”.

Em junho, a secretária de Estado da Habitação rejeitou a aplicação de limites administrativos ao valor das rendas em Portugal, devido à reduzida oferta no parque habitacional público e à atual dinâmica de perda de casas no mercado de arrendamento.

“Não podendo cobrir isto com oferta pública, se, neste momento, em vez de tornar mais atrativo o arrendamento, ainda lhe colocamos restrições demasiado onerosas. O que pode acontecer é que […] aumentamos a crise habitacional, perdemos casas”, afirmou Ana Pinho, em entrevista à agência Lusa.