O Tribunal Constitucional (TC) declarou esta quarta-feira inconstitucional duas normas de alteração à lei da procriação medicamente assistida, após um pedido de fiscalização preventiva suscitado pelo Presidente da República. Entretanto, esta quinta-feira, uma nota no site da Presidência confirmava que o diploma foi devolvido à Assembleia da República “sem promulgação”. 

A decisão do TC tinha sido anunciada pela juíza Joana Fernanda Costa. “O Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade das referidas normas por violação do direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva dos mesmos”, fundamento a aquela juíza.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já requerera a 26 de agosto ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização preventiva do diploma sobre procriação medicamente assistida.

Esta foi a primeira vez que o chefe de Estado enviou um diploma para o TC desde que tomou posse em 2016.

“Tendo em conta o que antecede, o Presidente da República requereu a fiscalização preventiva, assim permitindo ao tribunal verificar a conformidade das normas agora aprovadas com a Constituição, à luz da sua própria jurisprudência”, referia na altura uma nota na página da Presidência da República.

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O Presidente da República justificou o envio do diploma para o TC com a convicção de que a Assembleia da República votou contrariamente a uma anterior decisão deste tribunal.

Barrigas de aluguer. Marcelo envia pela primeira vez um diploma para o Tribunal Constitucional

“Tratava-se de uma lei aprovada um ano depois de uma decisão do TC que tinha declarado contra a Constituição várias normas de uma lei anterior, em rigor, aliás, de várias leis anteriores, e num ponto a Assembleia votou uma solução que, na minha perspetiva, entrava em choque com aquilo que o tribunal tinha dito em 2018”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas à margem de uma visita a uma comunidade religiosa, em Lisboa.

Em 19 de julho, a Assembleia da República aprovou em votação final global a alteração ao regime jurídico da gestação de substituição, mas que não incluiu a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança imposta pelo TC.

“Há dezenas de crianças que por causa disto não vão nascer”

Em declarações ao Observador, o juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa e ex-presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (PMA), Eurico Reis, referiu que o chumbo da lei não o surpreendeu, mas ainda assim lamentou este desfecho. “Há dezenas de crianças, no mínimo, que por causa disto não vão nascer”, disse.

“Era mais do que evidente que o TC iria voltar a chumbar porque eles insistem e continuam a insistir na questão do arrependimento da gestante”, referiu, criticando que o TC “[esquece] de forma desproporcionada, ela sim inconstitucional, os direitos dos pais biológicos da criança e até da criança”.

Eurico Reis disse que “se está a desprezar” de forma “violenta” os direitos tanto dos pais biológicos como da criança.

“Está a sobrevalorizar-se o pretenso direito da gestante, que [assinaria] livremente um contrato, em desfavor desses mesmos direitos , que são igualzinhos ou ainda maiores [do que os da gestante], porque são os pais biológicos”, sublinhou.

Além disso, em resposta ao acórdão do TC, referiu que “a criança também tem direito ao desenvolvimento da sua personalidade”.

Artigo atualizado a 19 de setembro de 2019, pelas 18h20